Paraná

EDUCAÇÃO PÚBLICA

Educação não é caso de polícia: não à militarização das escolas paranaenses

Nesse contexto, a gestão democrática da escola é empecilho às políticas neoliberais

Ponta Grossa (PR) |
Gestão neoliberal de Bolsonaro não quer a democracia presente na escola pública
Gestão neoliberal de Bolsonaro não quer a democracia presente na escola pública - Arquivo ABR

A Constituição Federal de 1988, também chamada de Constituição Cidadã, preconiza a educação como um direito de todos (Art. 205) e garante a gestão democrática da escola pública e a qualidade da educação (Art. 206). As garantias contidas na C.F. de 1988 resultam de mobilizações e lutas desde a ditadura militar (1964-1985), quando a luta em defesa da educação era, também, a luta contra a ditadura militar e a luta em defesa da redemocratização do país.

A gestão democrática da educação pública e a democracia como conquistas sociais garantidas na C.F. de 1988 dependem de constantes mobilizações e lutas populares no sentido de sua efetivação. Ainda assim, nos últimos anos, presenciamos a retirada de direitos sociais conquistados ao longo de décadas de luta. Esses ataques se inserem no conjunto da redefinição do papel do Estado e do avanço das políticas neoliberais no Brasil, desde a década de 1990, intensificadas após a tomada do poder pelo presidente Michel Temer, em 2016, e a derrubada da presidente Dilma Roussef.

Avesso à democracia, o neoliberalismo busca esvaziá-la em suas prerrogativas em atender as demandas dos cidadãos. Ela é entendida como obstáculo ao livre andamento do mercado. Nesse sentido, eliminar o voto seria uma saída, entretanto, uma medida drástica e de grande risco. Porém, isso é cogitado pelos neoliberais. Friedrich Hayek, considerado um dos teóricos mais importantes do neoliberalismo, diz, explicitamente em uma de suas entrevistas que “pessoalmente, prefiro um ditador liberal a um governo democrático sem liberalismo”. 

Nesse contexto, a gestão democrática da escola é empecilho às políticas neoliberais, uma vez que a perspectiva neoliberal introduz formas de gestão empresarial verticalizadas, individualistas, de competição, cumpridora de exigências meramente burocráticas e formais. Não obstante, a qualidade social da educação, passa por processos democráticos, está voltada para a construção de uma sociedade mais justa, de participação coletiva, na escola e na sociedade e, à vista disso, é incompatível com as políticas neoliberais.

Além dos ataques levados a cabo pelos governos neoliberais, a partir de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro, os ataques à democracia e a defesa da militarização da sociedade entraram na ordem do dia. A educação não ficou de fora. A militarização das escolas passou a ser tratada como bandeira do governo e, no dia 2 de janeiro de 2019, por meio do Decreto Presidencial nº 9.465 (2019), Bolsonaro leva adiante suas intenções militarizantes para a educação pública, criando a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, na estrutura do Ministério da Educação. Além de manter o viés neoliberal da educação, o decreto traz como prerrogativa governamental e legal a institucionalização das políticas de militarização da educação, autorizando que se efetivem gestões de cunho militar nas escolas públicas brasileiras.

No Paraná, o governador Ratinho Jr. atua como correia de transmissão do governo federal, na esteira das políticas neoliberais com a retirada de direitos, a precarização dos serviços públicos, o ataque aos servidores públicos e, com a educação não é diferente. No dia 14 de setembro de 2020, Ratinho Jr., enviou à Assembleia Legislativa um Projeto de Lei (Mensagem 52/2020) que visa disciplinar o modelo de gestão escolar cívico-militar das escolas públicas do Paraná.

A aprovação de uma lei que autoriza a gestão militarizada das escolas configura-se como o mais grave ataque à democracia e à gestão democrática da educação pública no Paraná, desde a redemocratização do país. Essa lei está inserida num contexto do crescente autoritarismo e do apelo à militarização que se espalhou pelo país, principalmente a partir de 2019. É, também, mais uma tentativa de impor o pensamento único, cerceando as liberdades de pensamento, de cátedra, de aprender e ensinar, de opinião, uma das tantas heranças da ditadura militar (1964-1985) que voltaram a assombrar o país.

A militarização da gestão das escolas tem ainda a função de criminalizar a pobreza e camuflar a falência das políticas neoliberais que geraram desemprego em massa, diminuição da renda das famílias, aumento da miséria e recolocou o Brasil no mapa da fome, mesmo o país sendo um dos maiores produtores de alimentos do mundo. Essas mesmas políticas neoliberais que, a cada dia mais, precarizam a educação pública no Brasil e no estado do Paraná.

A militarização das escolas não se justifica no aspecto legal, social e histórico, muito menos no aspecto da competência dos educadores. Nas escolas públicas do estado Paraná há milhares de educadores e educadoras formados, com vasta experiência na educação. Educadores que são conhecedores do chão da escola, conhecedores das demandas das comunidades em que tais escolas estão inseridas, conhecedores da realidade social, econômica e cultural dos estudantes.

A busca da melhoria da qualidade e diminuição da evasão escolar estão sendo usadas como argumentos para justificar a militarização. No entanto, para que a qualidade melhore e a evasão escolar diminua, não é necessário nenhum novo mecanismo de repressão, tampouco de práticas e métodos behavioristas. O que as escolas públicas no Paraná necessitam é de investimento, de valorização dos professores, de condições de trabalho, de infraestrutura adequada, de projeto educativo que considere a realidade dos estudantes, de respeito aos direitos trabalhistas, de ampliação dos espaços de participação e de decisão.

A militarização da educação é um ataque à democracia e à gestão democrática da escola, é um ataque a toda a sociedade. A história recente do Brasil já mostrou que, mesmo num contexto ditatorial, as lutas pela educação e pela democracia estiveram presentes e foram decisivas nos rumos do país. Somente uma sociedade democrática possibilitará as condições para a transformação social. Não à militarização da educação!

Edição: Pedro Carrano