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Especial | À espera da água

Primeira reportagem do especial produzido pela Marco Zero Conteúdo sobre impactos da transposição do rio São Francisco

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José Antônio Ribeiro: “Aqui não tem um pé de sombra” - Inês Campelo

Quando a transposição do Rio São Francisco começou, em 4 de junho 2007, a promessa era de que a água levada pelos 477 quilômetros de canais iria mudar a realidade de cerca de 12 milhões de pessoas no Semiárido Nordestino, região com os piores indicadores sociais do Brasil, castigada por constantes períodos de estiagem e a ausência histórica de políticas públicas. À medida que as máquinas avançavam, 848 famílias que moravam ou trabalhavam no caminho da obra tiveram suas vidas completamente modificadas. Em 2010, após muita negociação, os primeiros moradores começaram a ser transferidos para dezoito Vilas Produtivas Rurais (VPR). 

Dez anos depois, pouco antes do início da pandemia da Covid-19, uma equipe de reportagem da Marco Zero Conteúdo visitou as dezoito VPRs. Foram 2.300 quilômetros percorridos para mostrar como as pessoas mais afetadas pela transposição estão vivendo. À espera da água, elas enfrentam dificuldades para plantar e, em muitos casos, para abastecer as próprias casas. Enquanto a obra não fica pronta, os mais velhos não conseguem se adaptar ao novo estilo de vida e os mais jovens perdem o vínculo com suas raízes.

A seguir, confira a primeira das três reportagens da série que o Brasil de Fato republica na íntegra.

Sem água e sem raiz 

O termômetro do carro marcava 44 graus. O alaranjado do chão pedregoso, a poeira e o azul do céu sem nuvens pareciam intensificar o calor. Logo no início da conversa com José Antônio Ribeiro, o convite para entrar em sua casa veio acompanhado da frase que resume a insatisfação dele com o lugar onde vive:  “Aqui não tem um pé de sombra”.

Dez anos se passaram e Zé Ribeiro, como gosta de ser chamado, não se acostumou com o que ele ainda chama de “casa nova”. Com 84 anos, ele é o morador mais velho da Vila Produtiva Rural Junco, a mais antiga do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional. Antes de se mudar para a VPR, em maio de 2010, morava em um sítio no Baixio dos Grandes, no município de Cabrobó, no Sertão pernambucano. O sítio, onde passou cerca de sessenta anos da sua vida, era uma das 1.889 propriedades rurais afetadas pela obra. No lugar da antiga casa agora existe um reservatório que abastece parte do município de Terra Nova (PE).

Zé Ribeiro sente falta da vida antiga. Da roça, das frutas e de tomar banho de rio. “Isso aqui é uma ilusão. Foi uma ruindade que fizeram comigo. Mudou muito a minha vida”. Esse sentimento de não pertencer ao novo lugar, em maior ou menor grau, está presente na maioria dos moradores das dezoito VPRs espalhadas pelo Sertão de Pernambuco, Ceará e Paraíba. É como se a vida das 848 famílias que trocaram suas terras pela promessa de um futuro melhor em uma vila estivesse pausada.

 

Muito do sentimento de “não pertencimento” vem da lógica das VPRs. As vilas são uma espécie de condomínio fechado e, quase sempre, isolado. Cada família realocada recebeu uma casa de alvenaria com 99 m² de área construída em um lote de meio hectare (5000 m²), além de rede de água, sistema sanitário, energia elétrica, posto de saúde, escola, espaço de lazer e áreas destinadas ao comércio e à construção de templos religiosos, tudo previsto no Programa de Reassentamento da    s Populações (PBA08), documento do Governo Federal. Para ter uma ideia do tamanho das vilas, a  maior delas, Vassouras (Brejo Santo/CE), tem 145 casas. A menor, Ipê ( Jati/CE), tem 10. 

As famílias também receberam cinco hectares de terra para a agricultura, sendo dois e meio irrigado e dois e meio sequeiro (terreno não regado utilizado para plantar nos períodos de chuva ou para criação de animais), com pequenas variações em alguns casos específicos e acordados. Da parte irrigada, porém, apenas um hectare seria entregue pronto para o plantio, com toda estrutura montada, o que ainda não aconteceu. Os lotes produtivos, sorteados entre os novos proprietários, ficam em uma área afastada das casas e não contínua. Ou seja, os lotes irrigados estão separados dos sequeiros, o que dificulta uma expansão do sistema.

Muito vizinho...

O problema é que as VPRs, muitas vezes com estrutura material melhor que as das moradias antigas, possuem aspectos de um espaço urbano que se distingue totalmente do espaço rural que as famílias remanejadas estavam habituadas. Nos sítios, quase sempre as casas ficavam distantes centenas de metros umas das outras e era comum que os vizinhos mais próximos fossem parentes. A mudança compulsória transformou radicalmente a vida dos moradores e suas relações sociais.

Mudanças que afetam os mais velhos e os mais novos. José Gomes da Silva tem 23 anos e chegou na VPR Junco com 13. Ele é um dos netos de Zé Ribeiro e mora com os avós desde os três anos. Como o avô, prefere a antiga casa no Baixio dos Grandes e a vida que levou na infância com banhos de riacho e pescarias. “Aqui não tem lazer”. Mas reclama mesmo é dos vizinhos, e dos pequenos conflitos, como som alto ou roubos de galinha. 

Além das galinhas, cria no quintal de casa “umas cabras” para reforçar a renda familiar. As cabras por sinal, são outro motivo de queixa da família. “Temos que buscar a água de longe”. A seca, que impõe uma dieta restrita, está fazendo os animais adoecerem por falta de cálcio. “Falta verde para elas comerem”. A falta d'água também é a principal queixa de Elizabete Damascena dos Santos, moradora da VPR Pilões, em Verdejante/PE. “A gente só planta quando chove. Criamos dez cabeças de gado. Quando tá seca, temos que comprar o ‘pasto’ fora”. 

Pouca água

A falta d’água é o problema central para os moradores das dezoito Vilas Produtivas Rurais. Valdirene Bernardino dos Santos, 44 anos, mora desde dezembro de 2010 na VPR Uri, em Salgueiro/PE. Depois de quase dez anos de espera, ela sintetiza o sentimento das pessoas que tiveram suas vidas afetadas pelas obras da transposição: “O grande gargalo é a água. Hoje mal tem água para beber”. 

A situação que ela conta em Uri, não difere muitos das outras vilas. “No início éramos abastecidos por carro-pipa, que jogava a água na caixa d’água. Há três anos começou a passar para a Compesa (Companhia Pernambucana de Saneamento). Mesmo assim, só chega água a cada oito dias e por poucas horas. Só dá tempo de encher a cisterna”. Na VPR Negreiros, vizinha de Uri, a situação é ainda pior. As 26 famílias que moram lá esperam até 15 dias para terem água na torneira. Para Maria Letícia da Silva, que foi morar na vila em novembro de 2010, até agora, tudo foi “só promessa”.

De todas as vilas, a de Malícia, também em Salgueiro, era a que tinha a pior situação hídrica. Quando a reportagem da Marco Zero visitou a VPR, os moradores já estavam há 22 dias sem receber água. Segundo Damião Vieira dos Santos, 43 anos, que mora na vila desde dezembro de 2014, ele e os vizinhos têm que recorrer aos carros pipas que custam, em média, R$ 120. “Estamos reivindicando à prefeitura cavar um poço, mas até agora nada”.

A falta de água para plantar, manter os animais ou, em alguns casos, até para abastecer a casa, vem acompanhada de uma sensação de impaciência e até revolta. Mesmo com boa parte dos canais, reservatórios e açudes cheios, ninguém recebeu ainda os lotes irrigados e nem pode usar a água por conta própria. É terminantemente proibido o uso da água dos canais e reservatórios da transposição para consumo (humano, animal ou para agricultura), pesca ou mesmo recreação. 

O caso dos moradores da VPR Junco é emblemático. “A área destinada para nós plantarmos está a 200 metros da barragem do Livramento, que foi entregue em 2017 por Michel Temer. Nós estamos assentados há dez anos e, mesmo estando tão próximos do canal, a gente ainda não recebeu a água. Mais de dois anos depois de entregue a barragem a gente ainda não tem água para trabalhar”, desabafa Webston Parente Gonçalves, 30 anos, que vive desde 2010 em Junco e atualmente é presidente da associação de moradores da vila.

Obra sem fim

Para Valdirene, o grande atraso na conclusão da transposição é a origem de todos os problemas. “A realidade foi totalmente diferente do que foi prometido. Até hoje a gente espera”. As obras começaram em 4 de junho 2007. Pelo cronograma inicial, era para ficar pronta em 2012. Depois foi remarcada para 2016 e, hoje, na melhor das hipóteses ficará pronta em 2021. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional, 97,44% de execução física do Eixo Norte já foram entregues. No Eixo Leste, a água já chegou ao destino final, em Monteiro/PB, faltando a correção de alguns problemas estruturais e obras complementares para possibilitar o tratamento e a distribuição da água para a população.

As promessas: 

O Programa de Reassentamento das Populações (PB08) assegura que, em última instância, o objetivo do projeto ao fazer os remanejamentos para as VPRs seria "promover a melhoria da qualidade de vida das famílias ou, no mínimo, garantir as condições para sua reprodução social e econômica em situação similar à anterior". Para isso, segundo o documento, estaria garantido:

- Titularidade de lotes produtivos e/ou residências, e a preservação dos laços de parentesco e/ou de vizinhança nos locais de reassentamento rural coletivo;
- Infraestrutura básica de abastecimento de água, sistema sanitário e eletricidade;
- Infraestrutura social (escola, posto de saúde e centro comunitário);
- Acesso aos serviços sociais de educação e saúde, através da articulação com os setores governamentais competentes;
- Infraestrutura de apoio à produção;
- Capacitações voltadas para temas que tratam, entre outros assuntos, de questões ambientais como manejo do lixo, manejo e conservação de solos, uso racional dos recursos hídricos, preservação e conservação das áreas protegidas pela legislação
ambiental e questões relativas à convivência comunitária;
- Assistência técnica para a retomada das atividades produtivas.

Perda da identidade

O atraso nas obras e a consequente demora para a entrega dos lotes irrigados têm contribuído para um outro problema: a desconstrução do modo de produção familiar e a perda da identidade camponesa.  “Com a demora houve o afastamento das pessoas da agricultura. Estamos perdendo o vínculo com a terra”, relata Valdirene dos Santos. Ela, que desde criança trabalha com a terra, nos últimos dez anos tem se limitado a plantar no quintal de casa ou manter uma roça de subsistência nos raros períodos de chuva.

Sem os terrenos irrigados, muitos moradores das VPRs, ao longo da última década, foram trilhando outros caminhos. Webston Gonçalves é um exemplo. “Cresci trabalhando com a terra, seguindo os passos do meu pai”, faz questão de lembrar. Mas, em 2014, passou em um concurso para professor do município de Cabrobó/PE e, até hoje, dá aula de matemática na própria escola da vila de Junco, a poucos metros de casa.

 

Concurso público também foi o caminho seguido por Maria Lívia, moradora da VPR Vassouras. Há nove meses ela foi aprovada em uma seleção feita pela prefeitura de Brejo Santo/CE e atua como  agente de saúde no posto da vila onde mora. Mas trabalhar em um emprego público, estável e perto de casa é exceção. A maioria foi buscar trabalho nas cidades próximas, principalmente no comércio. Zé Ribeiro sintetizou em uma frase o que ele acha dos vizinhos depois de dez anos longe da roça: “Hoje ninguém mais sabe plantar cebola”.

O agro não é pop

Mas as dificuldades, claro, não se restringem aos problemas de adaptação a um novo estilo de vida ou à espera da água. Quem deseja trabalhar na terra tem enfrentado problemas concretos para se manter.  Para Manuel Joaquim, 65 anos, há quase dez anos morando na VPR Pilões, o custo da produção em um terreno pequeno e de pouca qualidade é uma equação que não fecha. “Essa água vai custar caro. Não tem como se sustentar em um terreno pedregoso”.  Ele lembra que antes, quando morava a dois quilômetros, atrás do açude de Pilões, na Baixa do Riacho, também no município de Verdejante/PE, tinha água o ano inteiro. “Nunca parei de insistir. Eu gosto da terra. Mas é muito difícil a vida aqui. Antes tinha muitas fruteiras. Aqui só tem pedras. As terras são poucas”.

O prejuízo que Manuel Joaquim está prevendo, Francisco Fágner já sentiu no bolso. Fágner tem 28 anos e mora com a mulher Maiara Gomes (25), desde dezembro de 2016, na VPR Descanso, no município de Mauriti/CE. Depois de trabalhar por cinco anos nas obras da transposição e ser demitido, ele resolveu investir em agricultura.


Depois de trabalhar por cinco anos nas obras da transposição e ser demitido, Francisco Fágner resolveu investir em agricultura. / Inês Campelo

A exemplo do que fazia quando vivia no distrito de Uburama, que fica a dois quilômetros da casa atual, resolveu plantar feijão. “Gastei R$ 600 de energia para bombear a água. Isso sem contar o trabalho e o custo das sementes. No fim, deu dois sacos de 60 quilos e arrecadei R$ 400”, lamenta. A ideia dele agora é plantar milho. “O quilo da semente custa R$ 36, mais ou menos. Quando colher, vou vender o quilo por R$ 0,80”.  

Ao juntar os demais custos de produção até a colheita, as chances de um novo prejuízo na empreitada de Fágner são grandes. Por isso, a esposa Maiara prefere investir em algo mais garantido.  Para complementar a renda familiar, o casal abriu uma pequena mercearia na frente da residência: “Quando chegamos e vimos esse tanto de casa (80) percebemos a oportunidade”.

A vida fora da vila

O Programa de Reassentamento das Populações previa a entrega de uma escola e um posto de saúde para cada vila. Nesse ponto o PBA08 foi cumprido, já que as dezoito VPRs receberam a estrutura física dos dois equipamentos. O problema foi na hora de colocá-los para funcionar, o que seria responsabilidade dos municípios. São poucas as vilas que têm, pelo menos, um deles funcionando, como foi prometido na hora das negociações, o que obriga os moradores a procurarem atendimento médico ou colocarem os filhos para estudarem nos núcleos urbanos mais próximos.

Descanso é uma das maiores VPRs com 80 casas. Mesmo assim, a escola e o posto de saúde não funcionam. Para Maiara Gomes, esse é o maior problema da vila no momento. “Esse negócio de escola tá péssimo. Tem que ir para Palestina, que fica a uns seis quilômetros. O ônibus sai às 11h40 e volta entre 18h30, 19h. O posto de saúde só funcionou no primeiro ano. Somos atendidos no Sítio Quixabinha, que fica a oito quilômetros.”

Ipê é a menor VPR com apenas dez casas. Francisco Félix de Souza, 59 anos, mora em uma delas. Em 2016, quando foi reassentado, poderia ter escolhido a VPR de Vassouras, mas optou por um lugar menor e mais perto da “cidade”. O tamanho e a localização da vila colaboraram para que escola e posto de saúde nunca tenham funcionado. “Escola e posto são os da rua”, conta Francisco, explicando que “a rua” é a sede do município de Jati/CE, a cerca de 1,5 quilômetro de distância.


Francisco Félix de Souza, 59 anos, mora em Ipê, a menor VPR com apenas dez casas / Inês Campelo

Manter as escolas em pleno funcionamento envolve orçamento, logística e proporção que não se adequam à realidade das prefeituras. Mesmo as maiores vilas, como no caso de Descanso, não têm crianças suficientes para justificar a estrutura necessária para manter as turmas do ensino fundamental. De maneira geral, os municípios também oferecem transporte escolar para os casos de deslocamentos mais longos, possibilidade prevista no programa de reassentamento.

Jogo de empurra

Além das questões envolvendo o atendimento de saúde e educação, o fornecimento de água para as casas, que é responsabilidade das companhias de abastecimento dos estados, tem sido uma dor de cabeça para os moradores da VPR Malícia.  Localizada em Salgueiro/PE, a vila está a menos de dois quilômetros de Penaforte/CE. Como a sede do município pernambucano está a cerca de 40 quilômetros, a dinâmica social da vila acaba girando em torno da cidade cearense.  “Nós estamos com um impasse político. Fomos assentados em uma VPR que fica na divisa”, explica Francisco Vieira Filho, 50 anos e morador da vila desde dezembro de 2014.

Um exemplo das distorções causadas pela “bola dividida” na administração do dia a dia de Malícia  é o fornecimento de água ser feito pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece). Do ponto de vista da logística, faz todo sentido. Mas, na hora de resolver pendências, cobrar um melhor serviço ou receber algum investimento a situação se complica e a burocracia toma o lugar do bom senso.


Francisco Vieira Filho, 50 anos e morador da vila desde dezembro de 2014 / Inês Campelo

 

Marinalva Bezerra, 48 anos, presidenta da Associação dos Moradores da VPR Queimada Grande, sente cotidianamente a dificuldade para atender às demandas da comunidade onde vive desde dezembro de 2014. Para ela, o resultado do jogo de empurra entre as esferas da administração pública é que nada acaba sendo resolvido. “Somos esquecidos pelos governos municipais e estaduais.” 

Quem tinha direito ao reassentamento:

- As famílias proprietárias e não proprietárias residentes na área afetada;
- As famílias proprietárias e não proprietárias incluídas no Cadastro Socioeconômico concluído em dezembro de 2004;
- As famílias proprietárias e não proprietárias que têm como principal fonte de renda a atividade agropecuária;
- As famílias proprietárias sem áreas remanescentes, que adquiriram a propriedade antes do Cadastro Socioeconômico, e que têm direito à indenização pelas terras e benfeitorias com um valor máximo de R$ 30.000,00 (trinta mil reais);
- Os proprietários de benfeitorias afetadas com direito à indenização com valor máximo de R$ 30.000,00 (trinta mil reais);
- As famílias em situação de risco social, consideradas como tais as famílias compostas exclusivamente por pessoas idosas, por mulheres chefe de família com filhos menores de 15 anos solteiros, além dos portadores de deficiência física ou mental, fatores que limitam ou impossibilitam a inserção produtiva.

Recorte de classe

Quem teve a propriedade afetada pelas obras da transposição poderia escolher receber uma indenização pelas terras e benfeitorias ou ser remanejado para uma das dezoito Vilas Produtivas Rurais. De maneira geral, quem tinha propriedades maiores preferiu receber o dinheiro e mudar para áreas não afetadas da propriedade ou tocar a vida em outro lugar. As que aceitaram ir para as vilas, em sua maioria, eram as mais vulneráveis. 

Muitas das famílias que hoje estão nas VPRs sequer eram proprietárias. Quase 70% eram meeiras (que dividiam a produção com os proprietários da terra) ou posseiras (ocupam as terras sem as respectivas escrituras) e, segundo diagnóstico feito pelos técnicos do Ministério do Desenvolvimento Regional no documento PBA08, “apresentam alta vulnerabilidade diante de processos de mudança em função da baixa escolaridade e capacitação profissional e do tênue vínculo com o mercado”.

Lucimar Araújo Pereira encaixa-se nesse perfil. Desde março de 2016 mora na VPR Cacaré, em São José de Piranhas/PB.  Até se mudar, “trabalhava de meeira plantando feijão e milho”. Queixa-se de promessas que ainda não foram cumpridas e de ter que pagar R$ 58,50 pela água na torneira de casa. Mas não se arrepende da mudança. “Minha vida melhorou porque antes era metade (da produção) pra gente e metade pro patrão (dono da terra). A gente morava de favor. Agora a gente tem a liberdade de dizer que tá morando em cima do que é da gente”.