EDUCAÇÃO

Porto Alegre inicia retorno das aulas presenciais com educadores em estado de greve

MP-RS recomendou que município não autorize retorno; educadores criticam falta de diálogo com a comunidade escolar

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Presidentes de 65 conselhos escolares da rede municipal de ensino assinaram manifesto contrário à proposta - Igor Sperotto

A prefeitura de Porto Alegre iniciou o retorno das atividades presenciais nas redes municipais pública e privada de ensino de forma escalonada já nesta segunda-feira (28) com alimentação escolar, atividades de apoio e adaptação da educação infantil.

As aulas das escolas de Educação Infantil, do 3º ano do ensino médio, educação profissional e Educação de Jovens e Adultos (EJA) retornariam na semana seguinte, com início em 5 de outubro, segundo o plano.

Em assembleia geral on-line do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), com mais de 750 participantes, foi deflagrado estado de greve dos educadores municipais na última sexta-feira (25).

Em nota, o Simpa destaca que, “em defesa da vida, em primeiro lugar, sindicato e educadores pretendem denunciar à população o risco que toda a comunidade escolar corre com o retorno às aulas em plena pandemia e sem condições sanitárias seguras”. Além disso, falta um protocolo claro que estabeleça quais medidas sanitárias devem ser tomadas a fim de garantir a segurança de estudantes e professores. Conforme o sindicato, será solicitado ao Ministério Público testagem em massa para covid-19 a todos alunos e trabalhadores das escolas.

Fizemos várias sondagens nas comunidades e a população não está preparada

Contrária à proposta da prefeitura, a Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa) avalia que as escolas devem permanecer fechadas. Segundo Maria José da Silva, diretora geral da Atempa, os trabalhadores tiraram um indicativo de "greve sanitária", pois a cidade não apresenta índices seguros de contaminação e óbitos por covid-19. 

“Não é um debate corporativo, estamos tratando de saúde pública. Não existe testagem de fato, estamos dialogando com pessoas que trabalham na pesquisa, os protocolos precisam iniciar pela testagem. Temos provocado o diálogo e conversado com a população, fizemos várias sondagens nas comunidades e a população não está preparada e não quer enviar seus filhos para a escola", diz Silva.

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Ainda segundo o cronograma da prefeitura, a partir do dia 13, fica autorizada a alimentação em todas as escolas, além de atividades de apoio. Já a data prevista para retorno do ensino fundamental 1 e educação especial é 19 de outubro. Por fim, retornaria no dia 3 de novembro o ensino fundamental 2, ensino especial e 1º e 2º anos do ensino médio.

Com relação aos protocolos sanitários que a prefeitura pretende adotar para o retorno presencial, estão o distanciamento mínimo de 1,5m entre as pessoas para escolas de ensino fundamental e médio; evitar contato entre as turmas com escalas para: intervalos, uso de refeitório, entrada e saída, entre outras áreas comuns.

Também está previsto o limite de uma pessoa por vez em espaços de convivência, como sala dos professores, salas de descanso; além de recomendações para evitar a presença de pais, cuidadores e outros visitantes no interior da escola; uso de máscara obrigatória a partir do ensino fundamental 2 e higiene dos ambientes.

A diretor da Atempa ressalta o risco do retorno das aulas levar a um aumento nos casos de covid-19 na cidade, já que muitas das escolas municipais encontram-se em comunidades que convivem com a precariedade.

“Criança não apresenta sintomas, pode levar o vírus para a família, que pode ter alguém do grupo de risco. Nossos alunos vivem em comunidades mais vulneráveis, com famílias numerosas, vivendo com dificuldades de organização, poucas condições de espaço físico, questões importantes para prevenir e combater o vírus", argumenta.

Conselhos Escolares criticam proposta

Soma-se à posição da Atempa um manifesto assinado por presidentes de 65 conselhos escolares da rede municipal de ensino.

"Nos colocarmos contrários ao calendário proposto pela prefeitura e a secretaria de Educação sem nenhum diálogo e garantias mínimas previamente discutidas. Não seremos responsabilizados pela perda de vidas ou consequências para a saúde de nossas comunidades", diz o manifesto.

No texto, os conselheiros escolares solicitam uma audiência presencial com todos os protocolos de segurança para "discutir sobre a viabilidade de um retorno às aulas presenciais de forma segura a fim de iniciar um diálogo sobre o tema" com o prefeito e o secretário de Educação, promotoria de infância e juventude, Conselho Municipal de Educação, membros da Comissão da Educação da Câmara de Vereadores, dos Conselhos Tutelares, da Atempa e do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), além de representantes da área de saúde.

Proposta ignora recomendação do Ministério Público

Além de criticada por educadores e entidades, a proposta não leva em consideração uma recomendação feita pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) do dia 17 de setembro.

Nela, é solicitado que o município se abstenha de autorizar o retorno em “desconformidade com os termos dos decretos estaduais e portarias relacionados ao sistema de distanciamento controlado para prevenção do contágio da covid-19”.

Nesta quarta-feira (23), porém, a gestão de Marchezan Junior encaminhou ao governo estadual o detalhamento do cronograma e dos protocolos para a retomada, após reunião entre as secretarias estaduais e municipais de Saúde e Educação e a Procuradoria Geral do Município (PGM).

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Marchezan quer autorizar aulas na bandeira vermelha

A regra estadual permite a retomada das atividades escolares somente municípios que estejam a pelo menos duas semanas sob bandeira laranja ou amarela. Porto Alegre, classificada há várias semanas como região de alto risco epidemiológico no modelo de combate à covid-19 adotado pelo governo estadual, não cumpre esse requisito, motivo da recomendação do MP-RS.

Conforme a promotora de Justiça Danielle Bolzan Teixeira, a medida tem caráter preventivo, visa a proteção integral das crianças e dos adolescentes e evitar eventuais demandas judiciais de responsabilização.

A promotora também recomendou, entre outros pontos, a criação de Centro de Operação de Emergência em Saúde para a Educação (COE-E) no municipal, que fique com a responsabilidade de determinar e avaliar o cumprimento dos protocolos sanitários. Esta é outra recomendação também não observada pelo Executivo, que articulou os protocolos a através do seu Comitê de Enfrentamento ao Coronavírus.

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Procurada pelo Brasil de Fato, a Secretaria Municipal de Educação (Smed) de Porto Alegre afirma que os indicadores do método de bandeiras "possuem dificuldade de aplicação em um município com o tamanho de Porto Alegre". 

"Para o reinício das aulas, o regramento estadual exige duas semanas em sequência em laranja. Tal condição pode inviabilizar o acesso ao ensino ainda em 2020 para crianças que há mais de seis meses estão sem o contato presencial com o professor – ou, ainda pior, deixar Porto Alegre sujeita à suspensão de eventual retorno, o que significaria uma perda irrecuperável para todo o sistema educacional do município", diz em nota a secretaria.

Mesmo desrespeitando a determinação estadual, a Smed afirma em nota que "a análise técnica permite afirmar que a capital tem condições de retornar às aulas com segurança levando em conta a necessidade dos alunos de retomarem as atividades presenciais".

"A ocupação dos leitos de UTIs e enfermarias vem caindo,  o número de casos confirmados diários também registram queda, além da redução de atendimentos por síndromes gripais nas unidades de saúde e tendas".

A secretaria não informou os números referentes à queda mencionada, nem em quais estudos, protocolos ou estatísticas se baseia para tomar a decisão.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Leandro Melito e Katia Marko