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Geopolítica: por que Armênia e Azerbaijão estão novamente à beira de uma guerra?

Enfrentamentos na região separatista azerbaijana Nagorno-Karabaj podem gerar grande conflito envolvendo outras potências

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Imagens divulgadas pelo Ministério da Defesa do governo do Azerbaijão supostamente mostra tropas na região separatista de Nagorno-Karabakh - Azerbaijani Defence Ministry / AFP

No domingo (27) ocorreram violentos enfrentamentos entre o exército azerbaijano e as forças armadas da região separatista de Nagorno-Karabaj, apoiados pela Armênia. Ainda que o número de mortos e feridos seja difícil de estabelecer com certeza neste momento, há ao menos 23 mortos e cerca de 100 feridos, incluindo civis.

O primeiro-ministro armênio disse que em resposta a uma agressão azerbaijã, o exército de seu país destruiu dois helicópteros, três tanques e vários drones.

Por sua vez, o Governo do Azerbaijão afirma ter desmantelado 12 baterias antiaéreas armênias e ter tomado o controle de várias aldeias em Nagorno-Karabaj e a região controlada pelas forças armadas armênias.

Os governos dos países, assim como o que governa Nagorno-Karabaj, decretaram a lei marcial, e a região separatista chamou a"mobilização (militar) geral para os maiores de 18 anos". Por sua vez, o governo azerbaijão limitou imediatamente o acesso à internet com o pretexto de evitar "provocações" armênias.

Nagorno-Karabaj

Nagorno-Karabaj é uma região que se encontra oficialmente em território Azerbaijão, mas está povoada principalmente por armênios e também tem um governo armênio.

Esta é uma disputa entre as duas ex-repúblicas soviéticas que persiste desde a sua demarcação em 1936 pelo estalinismo no poder.

Com a queda da União Soviética ocorreu uma guerra entre os estados desde 1992 até 1994; ali morreram cerca de 30 000 pessoas marcando o conflito pós-soviético mais sangrento. Apesar do acordo de paz firmado e 1994, a situação segue bloqueada e vem à tona atritos e enfrentamentos entre os dois exércitos desde então. O ponto mais elevado foram os enfrentamentos de 2016 que deixaram
cerca de 500 mortos em poucos dias.

Já em julho passado houve registros de importantes enfrentamentos entre os países. Entretanto, os incidentes do último domingo parecem ser os mais graves dos últimos anos, e muitos observadores, e políticos de ambos lados sinalizam um alto risco de conflito em grande escala.

Um conflito entre estes dois países poderia ter consequências incalculáveis porque poderia impulsionar as potências regionais a intervir.

Assim, Turquia, o principal aliado do Azerbaidjão, declarou seu apoio incondicional acusando a Armênia de ser o "maior obstáculo para a paz na região". O presidente turco, Erdogan, inclusive chamou os armênios a rebelar-se contra seus líderes que "os levam ao desastre".

A Rússia, por sua vez, pede a cessação imediata das hostilidades. Rússia é um aliado próximo da Armênia (seus investimentos representam 40% do PIB do país) mas também tem importantes interesses econômicos no Azerbaijão, por isso tenta evitar qualquer enfrentamento nesta estratégica região que é vital para sua própria defesa.
Neste sentido podemos interpretar a venda de armas ao Azerbaijão nos últimos anos. Mantendo boas relações diplomáticas, militares e econômicas com os países, Moscou aspira a converter-se no árbitro da situação.

Ainda que neste momento não esteja claro qual são as motivações destes enfrentamentos, podem armar alguma hipótese. Azerbaijão é um país exportador de hidrocarbonetos que nos últimos anos gastou grandes somas de dinheiro em equipamento militar. Ao mesmo tempo, aspira a exportação de seu gás pra Europa desde seus depósitos no mar Cáspio através do Projeto de Expansão do
Oleoduto do Cáucaso Sul (SCPX).

Trata-se da extensão a Europa de um oleoduto que vai do Azerbaijão a Turquia através da Geórgia. Com as garantias do processo de paz (Rússia, França e Estados Unidos) envolvidos em importantes questões internacionais e internas, o Azerbaijão poderia ter decidido mudar o equilíbrio de poder a seu favor no território separatista de Nagorno-Karabaj que, por sua vez, representa uma ameaça permanente para seus oleodutos e gasodutos para os mercados ocidentais e regionais.

É precisamente nestes projetos de gás onde há que se encontrar a chave da posição turca e das demais potências. A ambição da Turquia é converter-se em um centro essencial para o trânsito de gás para o mercado europeu; portanto, tem planos de enviar gasodutos azerbaidjanos e russos através de seu território, e com ele o descobrimento de jazidas de gás no Mar Negro, Ancara afirma
converter-se por sua vez em um exportador de gás para a Europa.

Isso também explica os riscos da tensa situação no Mediterrâneo oriental. A Rússia quer cumprir um papel de árbitro na região, mas ao mesmo tempo vê os planos do Azerbaijão como uma competição para seus próprios planos de
exportação de gás a Europa.

De qualquer maneira, está claro que em um mundo cada vez mais submerso por crises econômicas, sanitárias e ecológicas, os conflitos geopolíticos aumentarão. Também aumentará a agressividade dos capitalistas. Um "acidente" pode desencadear conflitos cujas consequências podem ser incalculáveis.

*Philippe Alcoy é jornalista e escreve para o Esquerda Diário.