Fogo tem dono

Nem caboclos, nem indígenas: desmatamento e grilagem queimam a Amazônia, diz estudo

Em 2019, mais da metade dos focos que indicam incêndios estão ligados a desflorestamento recente

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Mais da metade das áreas que estão queimando na Amazônia não têm cadastro - Sérgio Vale/Amazônia Real

São os desmatadores os principais causadores do fogo que consome a Amazônia brasileira, segundo o estudo Who is burning and deforesting the Brazilian Amazon, publicado por pesquisadores brasileiros na Science, uma das revistas acadêmicas mais respeitadas do mundo.

Para chegar aos resultados, foram cruzados dados de satélite dos sistemas Deter, Prodes e Queimadas, todos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O material completo, com as informações e metodologias, está disponível online.

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A conclusão é que, em 2019, mais da metade focos de calor que indicam incêndios estão ligados a desflorestamento recente.

Ana Paula Aguiar, uma das autoras do estudo descarta a relação da queima da Amazônia com populações tradicionais, como indígenas e caboclos, conforme sugeriu o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). “Os nossos resultados mostram que não são os caboclos ou os indígenas que estão queimando”, crava.

Outro dado que chama a atenção é que apenas 45% das áreas de desmatamento identificadas pelo sistema Deter têm Cadastro Ambiental Rural (CAR), o que indica que a resposta para quem está queimando a Amazônia também passa pela grilagem, a posse ilegal de terras.

“55% estão em área não destinada ou pior, estão em terras indígenas, em área de conservação, etc. É muita ilegalidade”, lamenta Ana Paula.

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Entre as áreas com cadastro, uma parte significativa (76%) dos focos de calor ocorreu em áreas consideradas médias ou grandes (mais de 4 módulos fiscais).

Propagação do fogo

A pesquisadora explica que a propagação do fogo tem a ver com a técnica para extrair madeira.

“Eles cortam a floresta em pé, as árvores, deixam secar um pouco no terreno e, nesta época em que está muito seco, colocam fogo, para limpar. Às vezes, não limpa tudo no primeiro ano. Às vezes, nos anos seguintes também queimam [as florestas]”, explica.

Mesmo que os incêndios comecem em áreas já destruídas pelo desmatamento, sem vegetação nativa, as chamas viram “fontes de ignição” para devastar as matas preservadas.

“O problema é que essa área que está sendo desmatada está perto de outras áreas de floresta. Como o clima está ficando cada vez mais seco, a chance desse fogo escapar para uma área de floresta é muito grande. Por isso que vai degradando perto das áreas desmatadas”.

A consequência é uma perda de funções irreversíveis da Amazônia, colocando em risco a manutenção climática e humana. “Essas áreas queimadas vão ficando degradadas e acabam perdendo a função que tinham antes”, aponta a pesquisadora.

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A pesquisadora enfatiza  desmatamento como principal fator para as queimadas, em relação a práticas agrícolas, como limpeza de pasto e queima de capoeira,

“Nesta época do ano, o que nosso estudo e o estudo da Nasa mostram é que, mais da metade dos focos estão relacionados a áreas de desmatamento recente. Não dá tempo de você falar que é fogo de uma prática agrícola, que demoraria vários anos [para alastrar]”.

Edição: Leandro Melito