Eleições 2020

Guilherme Boulos defende tarifa zero em SP: “Vamos enfrentar a máfia do transporte”

Alimentação orgânica em todas escolas municipais e conselhos deliberativos nas subprefeituras estão entre as propostas

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"Derrotando Bolsonaro aqui pode ser o começo da derrota dele no país." - Divulgação
Eles têm grana, máquina, TV. Mas aqui a gente tem uma militância engajada criando uma onda

O coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e da Frente Povo Sem, Guilherme Boulos, é o entrevistado desta terça-feira (13), na série Brasil de Fato Entrevista – Especial Eleições. Boulos é candidato à Prefeitura de São Paulo, ao lado da ex-prefeita Luiza Erundina, como candidata à vice-prefeitura, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

Como proposta para o pleito eleitoral, Boulos defende a implantação da tarifa zero nos transportes públicos da cidade de São Paulo. Segundo o candidato, com o enfrentamento ao que ele classifica como "máfia do transporte" que atua nos esquemas de licitações da capital paulista, é possível ter a redução no preço das passagens até atingir a gratuidade do serviço.

"Tão tradicional como nosso querido carnaval em fevereiro, se eu ganhar a eleição, vai ser a redução da passagem de ônibus a cada janeiro até chegar na tarifa zero", defende.


 

Para o pessolista, ganhar a eleição municipal em São Paulo pode ser o começo da “derrota” de Jair Bolsonaro no Brasil. Dois anos depois da vitória do capitão reformado no pleito presidencial, “aquele que iria mudar tudo, que acabaria com a corrupção, é o cara do Queiroz, das milícias, do laranjal, que usa a Presidência da República para favorecer os filhos a acobertar os seus esquemas familiares”, afirma Boulos. 

De acordo com a última pesquisa Datafolha de intenção de voto, divulgada na última quinta-feira (8), Guilherme Boulos apresentou um crescimento de três pontos percentuais, enquanto o candidato de Bolsonaro em São Paulo, Celso Russomanno (Republicanos) perdeu dois pontos percentuais.

"Depois do bolsonarismo estar desmascarado, isso criou um espaço e uma oportunidade pra gente dialogar com essas pessoas. Não é por acaso que a nossa candidatura está crescendo”, ressalta o candidato.

Confira a entrevista na íntegra:

Boulos, em 2013 o MTST, sob sua tutela, era um dos movimentos que estava na rua contra o aumento da passagem. Você, se prefeito for, vai frear os empresários? Não teremos aumento de passagem em janeiro, uma tradição tão certa quanto o carnaval em fevereiro?

Em janeiro, nós vamos ter a instituição de passe livre para desempregado, estudante e mães com crianças de colo. Nenhum aumento de passagem. Pelo contrário, em janeiro nós vamos começar a abrir a planilha das empresas de transporte.

Nós vamos enfrentar a máfia do transporte. Tem um estudo do Idec [Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor] que mostra que, se for feita uma transparência nos custos das empresas, a estimativa de economia por ano é de quase R$ 1 bilhão. A CPI da Câmara Municipal mostrou viagens que estão previstas nas planilhas, mas que não são executadas.

Por exemplo, como a linha Campo Limpo para a Estação da luz, tem ônibus previsto para 13h, 13h20 e 13h40. Mas só colocam ônibus das 13h e das 13h40. O das 13h20 está previsto e não sai, mas as empresas recebem por isso.

É R$ 1 milhão por dia só nessa fraude. Nós estamos falando de R$ 365 milhões de reais por ano. Com esse dinheiro, dá para aumentar as gratuidades, evitar o aumento da passagem e fazer uma redução gradual da passagem.

Tão tradicional como nosso querido carnaval em fevereiro, se eu ganhar a eleição, vai ser a redução da passagem de ônibus a cada janeiro até chegar na tarifa zero.

Boulos, o Márcio França, que não aceitou o convite do Brasil de Fato para a série de entrevistas, fez uma mudança na merenda das crianças, passando a servir mais produtos industrializados nas escolas. Sobre o seu projeto, o senhor pode se comprometer com alimentos orgânicos? A prefeitura, em uma gestão sua, privilegiará a agricultura familiar?

Guilherme Boulos: Não só o nosso compromisso da nossa campanha é com alimentos orgânicos nas escolas, como com a popularização dos orgânicos para toda a cidade. Vocês sabem que hoje o orgânico ainda é um produto elitizado em São Paulo e no Brasil. Mas existem formas, principalmente se tiver estímulo e fomento do poder público de popularizar o orgânico.

Nós termos vários projetos nesse sentido, o primeiro passo é justamente pela merenda escolar. Vocês devem se lembrar o que o [João] Doria fez quando foi prefeito de São Paulo: a tal da farinata. Ele queria coloca ração, uma junção de restos de coisas, para as crianças comerem.

A nossa proposta é garantir orgânico em 100% das escolas municipais de São Paulo, fazer as compras públicas de pequenos agricultores, não só da cidade, mas de fora também. Mas é preciso estimular a agricultura familiar e orgânica dentro de São Paulo. 

Pouca gente sabe que um terço do território de São Paulo é rural pelo próprio Plano Diretor, onde está assim definido. Ali no extremo sul tem Marsilac e Parelheiros, uma grande área rural, e que está subaproveitada. Na zona leste, tem uma parte de São Mateus que também é rural. A Prefeitura pode e deve fomentar.

Se você faz os sacolões e restaurantes populares nas periferias, através dos orgânicos, não só garante a segurança alimentar, como garante alimentação saudável para toda a população

No nosso governo vai haver a formação de cooperativas de produção e comercialização desses alimentos, a compra pública da merenda das escolas, também para que essas cooperativas possam ter a sua venda garantida. Além disso, retomar um projeto pioneiro que teve no governo de Luiza Erundina, em São Paulo, há 30 anos, e que depois a direita acabou: os sacolões da periferia. 

A Erundina fez isso na época com alimento vendido a [um valor] entre 40% e 50% do preço de mercado E dessa vez vamos fazer com alimento orgânico, ter venda de orgânico a um preço baixo, em todas as periferias de São Paulo, a partir dos sacolões. Essa é a nossa proposta para a agricultura urbana, agroecológica e orgânica na cidade de São Paulo. 

Se você faz os sacolões e restaurantes populares nas periferias, através dos orgânicos, não só garante a segurança alimentar, como garante alimentação saudável para toda a população. É isso que está no meu plano de governo junto com a Luiza Erundina e é isso que nós vamos fazer a partir de janeiro do ano que vem.

Candidato, no segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Jair Bolsonaro recebeu 60,38% dos votos válidos na cidade de São Paulo, sendo a maioria deles de regiões ricas do município. Temos aí entre um mês e meio e dois meses até o primeiro e segundo turno das eleições municipais, em um contexto de pandemia, que inviabiliza as aglomerações. Nesse cenário, como o senhor pretende dialogar e conquistar esse eleitorado que elegeu Bolsonaro em 2018, que é um eleitorado expressivo, colocando-se como um candidato anti-bolsonarista?

O cenário que a gente tinha no Brasil de 2018 e o cenário que a gente tem em 2020 são totalmente diferentes. Naquele momento, a eleição foi marcada por uma ideia de antipolítica muito forte. "Mudar tudo o que está aí" foi a única coisa que o Bolsonaro falou durante a campanha inteira, e hoje, dois anos depois, aquele que iria mudar tudo, que acabaria com a corrupção, é o cara do Queiroz, das milícias, do laranjal, que usa a Presidência da República para favorecer os filhos a acobertar os seus esquemas familiares. 

Isso gerou uma decepção das pessoas. Muita gente que votou no Bolsonaro, não só das classes médias de São Paulo, mas também das periferias, não veem mais sentido naquele discurso do “mito”. Agora, em 2020, depois do bolsonarismo estar desmascarado, isso criou um espaço e uma oportunidade para gente dialogar com essas pessoas. Não é por acaso que a nossa candidatura está crescendo. Estamos em terceiro lugar em todas as pesquisas de intenção de voto na cidade de São Paulo, e somos a candidatura que tem melhores condições para derrotar o “BolsoDoria”

Derrotando Bolsonaro aqui pode ser o começo da derrota dele no país

O Bolsonaro que representa esse projeto autoritário, e o Doria e os tucanos, o Bruno Covas, que representam o projeto elitista, que governa e sempre governou de costas para a periferia. Para evitar o “BolsoDoria” no segundo turno, o que seria uma tragédia, a nossa candidatura tem dialogado com muita gente e tem ganhado espaço, tanto nos setores médio da sociedade, na juventude, como também cada vez mais nas periferias de São Paulo. 

Eles têm grana, máfia, máquina, tempo de TV, fake news. Mas do lado de cá, a gente tem uma militância muito engajada e que está criando uma onda. Muita gente que está vendo nessa nossa campanha não só é a oportunidade de ganhar a Prefeitura de São Paulo, mas também de voltar a fazer política com esperança, sonho, brilho no olho.

Essa nossa candidatura representa isso, e a oportunidade da gente derrotar o bolsonarismo na maior cidade do Brasil. Derrotando Bolsonaro aqui pode ser o começo da derrota dele no país.

Deputado, um levantamento feito pelo Brasil de Fato mostra que apenas 33% dos candidatos às prefeituras das capitais são negros. Isso incluindo os 23 que se declaravam brancos e que em 2020 mudaram essa identidade para pardo ou preto. Entre os partidos de esquerda tradicionais, somente Luciana Santos, uma mulher negra, é presidenta.

Em entrevista ao BdF, o fundador da Coalizão Negra por Direitos, Douglas Belchior, afirmou: “Os partidos permanecem coerentes ao que é o Brasil racista em que vivemos. E o que esses partidos têm a oferecer à sociedade brasileira? Mais do mesmo: lideranças e projetos políticos brancos, num exercício contínuo de retroalimentação da hegemonia branca”. O que você pensa sobre esse dilema da esquerda?

Esse dilema não é só da esquerda. Esse dilema é do Brasil. A gente teve uma abolição que nunca foi concluída de fato e que se transformou no racismo estrutural na nossa sociedade, que está presente na desigualdade de condições econômicas, na desigualdade de renda para o mesmo tipo de trabalho: a mulher negra ganha muito menos do que um homem branco fazendo o mesmo tipo de trabalho. E isso está presente também na política.

Agora, reconhecer o racismo estrutural não significa se acomodar a ele. O PSOL tem sido o partido que melhor, ainda que obviamente com problemas e limitações, tem criado condições para que lideranças negras se expressem. Inclusive, a bancada do PSOL é a bancada proporcionalmente com o maior número de negros do Congresso Nacional.

Ir lá em Santo Amaro e tirar aquela estátua do Borba Gato e colocar uma estátua de Zumbi dos Palmares. Isso significa recuperar os espaços de memória e cultura negra na cidade

O PSOL é o partido de Marielle Franco. Aqui em São Paulo, de várias candidaturas que estão disputando também para ocupar a Câmara Municipal a partir do ano que vem, há uma parcela expressiva de candidaturas de mulheres negras, muitas vindas do movimento social. 

Nós temos várias propostas, desde retomar a Secretaria de Igualdade Racial, que foi extinta pelo Doria. Implementar nas 1.400 escolas municipais o ensino obrigatório de História Africana e Afrobrasileira, que já tem uma lei federal e aqui em São Paulo simplesmente foi ignorada, não foi implementada. Resgatar a memória da luta negra na cidade, de ir lá em Santo Amaro e tirar aquela estátua do Borba Gato e colocar uma estátua de Zumbi dos Palmares. Isso significa recuperar os espaços de memória e cultura negra na cidade.

E, acima de tudo, ter um programa de combate à desigualdade social, viabilizar uma cidade antirracista, o que não se dá apenas com políticas setoriais. 

Não é apenas com as secretarias e com políticas, que são importantes, mas também combatendo a desigualdade. A maior parte dos pobres e periféricos na cidade de São Paulo são negros.

Então, fazer uma renda solidária que garanta que ninguém fique na extrema pobreza. Levar serviços públicos, creche, saúde de melhor qualidade, mais médicos para os fundões da periferia, fazer frente de trabalho em todas as subprefeituras para enfrentar o desemprego. Essas políticas de combate à desigualdade em São Paulo também são políticas antirracistas.

Candidato, em outubro de 2019, Fernando José de Souza, ex-conselheiro da subprefeitura de Parelheiros, afirmou em uma reportagem que as subprefeituras não atendem as solicitações encaminhadas pelos conselhos participativos.

Da mesma maneira, a ex-conselheira da subprefeitura de Santo Amaro, Elisete Lopes também criticou a eficiência dos conselhos. Tendo em vista que esses relatos são comuns, como fazer com que as pautas dos conselhos participativos sejam concretizadas? Quais são esses obstáculos e como derrubá-los?

O objetivo original das administrações regionais, criadas por Luiza Erundina 30 anos atrás, era de descentralização de poder. Em uma cidade de 12 milhões de habitantes, por melhor que seja o prefeito ou a prefeita, não tem condição de saber o que está acontecendo em todos os bairros, de poder atender às demandas específicas de todos os bairros, por isso existem as subprefeituras.

Agora, uma subprefeitura que funciona como esquema de politicagem não serve para nada. O conselho participativo é importante, mas é insuficiente, porque os conselhos são consultivos. O objetivo é resgatar nas subprefeituras primeiro o orçamento participativo. Quem sabe onde deve ser investido o recurso que vai para o Capão Redondo é quem mora no Capão Redondo. Então devemos ouvir as pessoas para saber quais são as prioridades. É uma UBS [Unidade Básica de Saúde]? Uma creche? Uma área de lazer?

Democracia tem de ser participação, escuta permanente, as pessoas colocando o dedo e ajudando a definir o rumo da cidade

Nós temos de ter conselhos deliberativos, que definam sobre orçamento. O subprefeito deve estar ligado à comunidade, que participe, com uma gestão de transparência e escuta. É um processo de participação popular. Eu não quero governar São Paulo para o povo, eu quero governar São Paulo com o povo, com as pessoas. 

Isso permite que a gente tenha um governo descentralizado, ligado diretamente às demandas do povo, e que as pessoas não apenas tenham um governo que vai trazer benefício, que é o que a gente quer com combate à desigualdade, com políticas sociais, mas também um governo em que elas vão ser parte dos processos de decisão.

Isso, inclusive, consolida ainda mais a democracia. Democracia não pode ser a cada quatro anos apertar um botão. Democracia tem de ser participação, escuta permanente, as pessoas colocando o dedo e ajudando a definir o rumo da cidade. 

No município de São Paulo, os paulistanos têm 16 opções de candidatos para escolher nos dias 15 e 29 de novembro, quando serão realizados o primeiro e segundo turno, respectivamente, das eleições municipais em todo o país. São eles Andrea Matarazzo (PSD), Arthur Do Val (Patriota), Antônio Carlos Silva (PCO), Bruno Covas (PSDB), Celso Russomanno (Republicanos), Felipe Sabará (NOVO), Guilherme Boulos (PSOL), Jilmar Tatto (PT), Joice Hasselmann (PSL), Levi Fidelix (PRTB), Márcio França (PSB), Marcos da Costa (PTB), Marina Helou (Rede Sustentabilidade), Orlando Silva (PCdoB), Vera Lúcia (PSTU) e Vivian Mendes (UP). O Brasil de Fato entrou em contato com as assessorias de todos candidatos e todas candidatas.

Edição: Leandro Melito