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Quem é quem na educação brasileira? 

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Esse é um momento dramático para o país e para a possibilidade do povo brasileiro se desenvolver por meio da educação - Lucas Sabino / Fotos Públicas
Este cenário nos desafia a compreender as bases que sustentam as marcantes desigualdades da educação

Por Lauro Allan Almeida* e Olívia Carolino**

Neste 15 de outubro, Dia dos Professores, o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, em parceria com o Front Instituto de Estudos Contemporâneos, lança a cartilha A educação brasileira na bolsa de valores sobre a financeirização na educação brasileira, que apresenta um mapa com a identificação dos oito grupos de capital aberto que atuam neste setor.

A educação, do ensino infantil à universidade, foi uma das áreas mais atingidas pela pandemia da covid-19 no Brasil. Uma série de medidas emergenciais tomadas pelo (des)governo geraram impactos nas redes pública e privada de ensino, como o fechamento temporário de escolas e universidades e a implantação de atividades remotas.

A falta de condução de políticas públicas e orientações sanitárias adequadas trouxeram incertezas e agravaram problemas estruturais já existentes.

Pesquisas indicam que nos últimos meses houve um aumento da evasão escolar e desigualdade de acesso às modalidades de ensino remoto, por conta da forma emergencial e improvisada com que foram implementadas essas medidas.

Milhões de estudantes da rede pública ficaram sem alimentação adequada em virtude da ausência da merenda escolar. Outros milhões não têm acesso à internet e, por isso, não conseguem participar de atividades à distância.

Professoras e professores denunciam a sobrecarga de trabalho trazida pelo home office, teletrabalho, baixos salários, superexploração e desrespeito por parte das empresas educacionais, além do permanente risco do desemprego.

Enquanto isso, os grupos educacionais privados, preocupados com o cenário de evasão e diminuição de seus lucros, pressionam para um retorno imediato das aulas, desconsiderando os riscos que isto implica para a saúde de estudantes, professores e funcionários.

Estas empresas, de modo geral, veem a crise como uma oportunidade para reduzir seus custos operacionais através da ampliação da oferta de Ensino à Distância, que tem agravado a precarização do trabalho docente e, na maioria dos casos, tem implicações na qualidade do ensino e pesquisa.

Este cenário nos desafia a compreender as bases que sustentam as marcantes desigualdades da educação brasileira. A cartilha A educação brasileira na bolsa de valores foi produzida pensando em estudantes, professores, educadores, militantes sociais ou qualquer pessoa que se interessa em entender o caráter financeirizado das instituições privadas na educação brasileira, a partir do mapeamento das oito empresas brasileiras de capital aberto que atuam no setor.

A financeirização se tornou um conceito-chave para compreender a lógica capitalista que se disseminou pelo mundo a partir da crise dos anos 1970, e da globalização e do neoliberalismo que a sucederam.

Ainda que haja um vasto leque de interpretações sobre esta dinâmica do capitalismo contemporâneo, autores de vertentes teóricas distintas concordam que uma característica importante da financeirização é a expansão das formas financeirizadas da riqueza - ou riqueza em forma imaterial e fictícia - representada pelo comércio de títulos e a predominância da lógica rentista que o caracteriza.

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A financeirização ampliou o poder das grandes corporações transnacionais e capturou os Estados ao solapar sua capacidade de controle e gestão sobre as economias nacionais, especialmente aqueles localizados no Sul global, regiões periféricas e dependentes do mundo. Isto fez com que diversos países da América Latina se tornassem muito mais suscetíveis aos movimentos especulativos, “bolhas” e crises financeiras.

A financeirização teve implicações nas mais diversas áreas da vida social. Uma delas é a educação. Historicamente as instituições educacionais em nosso país estiveram fortemente vinculados à Igreja Católica e ao Estado, com destaque para o Ensino Fundamental, conquistado com lutas sociais com protagonismo da categoria e consolidado como um bem público de acesso universal e gratuito pela Constituição de 1988.

Nos anos 1990, o neoliberalismo, ao se tornar hegemônico, consolida a concepção de que as necessidades atendidas pelos serviços públicos deveriam se tornar mercadorias passíveis de exploração privada. Neste período, lançaram-se as bases institucionais que possibilitaram a expansão dos grupos privados na educação, com a precarização das instituições públicas de ensino e o incentivo à entrada de capitais externos.

Já nos anos 2000, o processo de financeirização na educação avançou com a entrada dos fundos de investimentos privados no setor. Ainda que se tenha verificado a expansão do ensino superior neste período notadamente pela ampliação do acesso da população mais pobre à universidade, por meio da criação do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) e o Programa Universidade para Todos (Prouni), esse processo serviu como forte estímulo econômico ao setor privado, consolidando a tendência das corporações de desorganizar o Estado e organizar os interesses do capital financeiro nesse setor.

Portanto, foi neste novo século que o capital financeiro ganhou espaço no padrão de financiamento da educação brasileira, especialmente a partir de 2007, quando as empresas começaram a abrir capital na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) para captar recursos na esfera financeira. Mais recentemente, estas empresas também vêm se lançando ao exterior, abrindo capital principalmente na Bolsa de Valores de Nova York (Nasdaq).

Ao longo destes anos, houve um processo de aquisições e fusões, onde um pequeno número de empresas grandes, por meio da compra de grupos menores, acabou concentrando enorme poder econômico.

A partir daí, assistiu-se ao surgimento de alguns grandes grupos privados que passaram a transformar em mercadorias atividades que deveriam ser tratadas como bens públicos, como educação infantil, ensino fundamental, médio, técnico e superior, ensino de idiomas, produção de materiais didáticos, métodos pedagógicos e plataformas de ensino.

Fomos surpreendidos, no concurso de Ensaios Nada Será Como Antes, do Instituto Tricontinental, com um dos artigos vencedores, Isso não é uma Escola, no qual Carolina Cechella Philippi tece provocações interessantes sobre o papel e o alcance das plataformas educacionais, sua visão de gestão e concepção de ensino e pesquisa imersos no pacote dessa modalidade de financiamento de projetos educacionais.

Na cartilha A Educação brasileira na Bolsa de Valores, o leitor encontrará informações básicas apresentadas de forma simples e didática para que possa ter um panorama geral sobre quem é quem na educação brasileira.

Com isto, esperamos contribuir para o acesso à informações importantes relativas a estas empresas, bem como para a construção de um conhecimento crítico a respeito da atuação do capital financeiro na educação brasileira. Esse é um momento dramático para o país e para a possibilidade do povo brasileiro se desenvolver por meio da educação. Hoje é dia de celebrar a resistência das professoras e professores na linha de frente da resistência ao Imperialismo.

Fica o convite para baixar a cartilha e que esse estudo possa ser uma das ferramentas nessa resistência! Boa leitura!

*Lauro Allan Almeida é pesquisador do Front Instituto de Estudos Contemporâneos

**Olívia Carolino é pesquisadora do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social

Edição: Leandro Melito