ENTREVISTA

Eleições na Bolívia: "O que está em jogo são as conquistas dos povos indígenas"

Adriana Guzmán, liderança feminista do país, faz um balanço sobre o contexto do pleito na visão dos movimentos populares

Brasil de Fato | Quito (Equador) |
Passeata na Bolívia contra a presidenta interina Jeanine Áñez
Passeata na Bolívia contra a presidenta interina Jeanine Áñez - Ronaldo Schemidt/AFP

Às vésperas das eleições na Bolívia, realizada neste domingo (18), o país se prepara para um dos momentos mais cruciais de sua história. Do terror espalhado pelos setores mais conservadores e radicais do país à possível vitória do Movimento ao Socialismo (MAS) no primeiro turno, passando pela turbulência política e a pandemia do novo coronavírus, são muitos temas em jogo nesta disputa presidencial. 

O Brasil de Fato conversou com Adriana Guzmán, uma referência do feminismo comunitário na Bolívia e integrante da organização Feministas de Abya Yala.

Quase um ano após o golpe cometido contra o então presidente Evo Morales (MAS), o primeiro mandatário indígena do país, Guzmán comenta qual é a situação da nação andina e o contexto eleitoral na perspectiva das organizações sociais, além do que elas esperam das eleições deste 18 de outubro, que acontecerão após a data ter sido adiada três vezes.

Na avaliação da feminista da etnia aymara, estas eleições presidenciais são o resultado da pressão e resistência das organizações e movimentos populares. Para ela, o pleito ocorre em um contexto de violência, perseguição política e partidária, desconfiança em relação ao papel do atual Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), além desgaste do atual governo e rumores de investidas da direita contra o processo eleitoral e o MAS, que lidera as pesquisas de opinião.

"Essas eleições ocorrem em condições totalmente desiguais. Há uma violência sistêmica organizada a partir do Estado, seja contra o partido do MAS ou contra qualquer um que diga o que pensa, contra aqueles que chamam este governo de 'governo interino', e contra aqueles que denunciam o golpe. Ou seja, há uma perseguição política pelo que se diz e pelo que se pensa", afirma Adriana.

:: Leia mais: Disputa pelo lítio se acirra e escancara diferença entre candidatos na Bolívia ::

As pesquisas de opinião de voto apontam que o candidato do MAS, Luis Arce, é o favorito nas pesquisas, seguido pelo postulante da Comunidade Cidadã (CC), Carlos Mesa, e Fernando Camacho, do partido Creemos. O sistema jurídico boliviano determina que, para vencer no primeiro turno, o candidato obtenha 51% dos votos válidos ou 40%  dos votos válidos com 10 pontos de diferença em relação ao segundo colocado.

Os rumores de uma possível fraude por parte da direita têm tido diferentes indícios nas últimas semanas, como a renúncia da presidenta interina Jeanine Añez (Juntos) à sua candidatura e do candidato Tuto Quiroga, do partido Libre21, que abriram mão de suas candidaturas para "evitar o triunfo do MAS", como disseram. Além disso, há uma tentativa permanente de anular a candidatura do MAS a poucos dias das eleições e uma visita inesperada do ministro de Governo interino, Arturo Murillo, aos Estados Unidos.

:: Acompanhe: Observadores internacionais chegam à Bolívia e acendem alerta sobre eleição do dia 18 ::

Para as organizações e movimentos sociais, na visão de Adriana Guzmán, o que está em jogo nestas eleições é a retomada dos direitos e conquistas obtidos nos últimos 14 anos, com a criação de um Estado Plurinacional, bem como a descolonização da educação, a luta contra todas as formas de discriminação e a continuidade do processo de autodeterminação dos povos originários, que, segundo ela, ainda está longe de ser alcançado.

"Acho que estamos vivendo um momento muito difícil, porque não só a autodeterminação dos povos da Bolívia está sendo ameaçada, mas também a de todos os povos do mundo", declara.


A líder comunitária aymara, integrante do movimento Feministas de Abya Yala, fala ao Brasil de Fato sobre os acontecimentos políticos de seu país no último ano / Jose Nicolini/Página12

Leia a entrevista completa:

Brasil de Fato: Qual é seu balanço da realidade boliviana no último ano?

Adriana Guzmán: Eu destacaria três dimensões. Em termos de Estado, acho que este ano serviu para mostrar que aqueles que foram escolhidos para administrar este golpe, com este grupo ligado às oligarquias e aos latifundiários (Jeanine Añez, Arturo Murillo, Yerko Núñez e outros) são incapazes de governar em todas as áreas da administração do Estado, na saúde e nas políticas mínimas que poderiam ter feito para o país.

Uma de suas principais funções era convocar eleições, por isso se fizeram chamar como “governo transitório”, uma ficção, já que, na verdade eles são um governo interino, não um governo transitório, porque um governo transitório não faz massacres, não entra [no governo] através do motim das forças policiais, nem com as forças militares.

As eleições foram suspensas quatro vezes entre maio e setembro. O resultado disto foi o desgaste da palavra do governo, um desgaste que se estende ao Tribunal Supremo Eleitoral, sendo esse o aspecto mais crítico destas eleições, já que ninguém acredita no Tribunal Eleitoral.

Finalmente, a eleição foi marcada para 18 de outubro, mas somente após pressões das organizações sociais em agosto, através dos bloqueios de estradas e manifestações.

Embora, nós, como organização, esperávamos que as eleições não seriam realizadas em 18 de outubro se não fossem mantidas para 6 de setembro, porque muita gente ficou frustrada depois de terem estado nas ruas durante 10 dias, em greves de fome, em bloqueios de estradas. Naquele momento, havia uma força significativa com apenas um pedido que era "Fora, Añez!". No entanto, ficou decidido que isso seria resolvido nas urnas, como se isso fosse possível. Se isso é possível é o que me pergunto, porque os governos interinos nunca entregam seu poder nas urnas.

:: Leia também: Metade dos eleitores bolivianos no Brasil podem ser impedidos de votar, alerta Comitê ::

Uma segunda dimensão é a questão da saúde. Temos vivido um golpe com uma pandemia. Então, ao invés de agir, o governo de Añez aproveitou a pandemia para manter a perseguição, a militarização e repressão, o uso desproporcional de forças policiais e militares, o controle do espaço público, a prisão daqueles que estavam tentando vender alguma coisa para sobreviver.

Nós chamamos isso de abandono genocida do Estado, já que foi uma decisão, e esta decisão causou mais de 5 mil mortes. Foi uma decisão do Estado, porque eles não habilitaram os hospitais necessários.

Também houve corrupção e desfalque na compra de respiradores, máscaras e materiais de biossegurança. O governo nem mesmo cuidou dos médicos que estavam trabalhando no meio da pandemia sem nenhum equipamento, e é por isso que tantos enfermeiros e médicos morreram na batalha contra a pandemia.

Outra questão é que boa parte das mortes são de policiais, porque o governo não forneceu nenhum equipamento, nenhuma medida de emergência para a polícia. Há mais de 2 mil policiais que morreram porque foram expostos ao vírus sem nenhuma medida de segurança.

Não houve um plano de emergência territorial específico para os lugares com maior índice de contágio, por exemplo [as cidades de] Santa Cruz, Montero, Beni, que tiveram altos índices de contágio porque os parques industriais dos grandes empresários,que apoiaram o golpe não pararam. São seus trabalhadores os que morreram, que foram infectados, porque não pararam de trabalhar.

Outra dimensão é a administração dos interesses econômicos do país em benefício das multinacionais, do capital estrangeiro. Ou seja, a negociação de contratos sobre o lítio, a entrada de sementes transgênicas, a privatização de grande parte da petroleira estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), a concessão de novos contratos a empresas como a Petrobras, enquanto, para o povo, só há perseguição e nada em matéria de saúde.

Tudo isso desgastou tanto a imagem deste governo que a Jeanine Añez teve que desistir de sua candidatura.

E em relação às organizações sociais?

As organizações sociais têm recuperado a força e a auto-organização durante este ano. Embora o golpe nos tenha afetado muito, primeiro porque nos pegou debilitados, já que não estávamos esperando um golpe. Muitos de nós nunca havíamos sequer experimentado um golpe. Então, tem sido muito difícil recuperar nossas forças, nosso estado de ânimo, sair do medo da perseguição. Mas, frente a isso, nossa capacidade foi fortalecida, a possibilidade de mostrar nossa raiva contra o golpe, a luta contra a impunidade, todos esses sentimentos se uniram, a nossa força se reconstruiu e em agosto mostramos isso.

Penso que pouco a pouco as organizações de base estão se fortalecendo com um objetivo comum que é o de acabar com o golpe.

Diversas organizações internacionais alertam sobre graves violações dos direitos humanos, inclusive contra a humanidade, durante este ano. O que você diria sobre isso?

Acredito que sistematicamente há crimes contra a humanidade. O que aconteceu no ano passado, em novembro, o massacre de Huayllani, o massacre de Ovejuyo, dos quais ninguém fala, o massacre de Senkata, as repressões em K'ara K'ara.

Então, esses são crimes contra a humanidade, porque foi a instituição do Estado, a força do Estado que se abateu sobre civis desarmados, porque ninguém estava armado lá, não há tais confrontos como eles dizem.

Por outro lado, as presas e os presos políticos têm sofrido torturas. O caso de Ayben Huaranca, um enfermeiro preso em Senkata por ajudar os feridos. Ele está na prisão há quase seis meses e teve seus dentes removidos como parte da tortura.

O caso de Patricia Hermosa, que sofreu um aborto na prisão sem acesso à assistência médica, detida em condições absolutamente irregulares, sem processo judicial, sem acusação, meses na prisão, e está agora sob prisão domiciliar.

Tem havido violência sexual dentro das prisões, violência sexual durante os massacres cometidos por esses grupos paramilitares (como o Resistências da Juventude) que estão ligados ao Estado, aos grupos de poder que realizaram o golpe e que continuam operando com a permissão do Estado.

Tem havido crimes contra a humanidade sobre a população indígena, contra as mulheres de “pollera” (mulheres dos povos originários, em referência às saias e demais vestes tradicionais que usam), violência contra crianças e adolescentes, e tudo isso está no informe da Defensoria do Povo, está no informe da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e nos informes que organizações sociais nacionais e internacionais têm feito.

:: Acompanhe: Perseguição a aliados de Evo é rotina em Santa Cruz, um dos berços do golpe boliviano ::

Fala-se de uma Bolívia polarizada e também se nota incidentes de natureza racista, classista e patriarcal, principalmente, contra os setores indígenas. O que está acontecendo no país?

Primeiramente, acho que o golpe na Bolívia foi um golpe contra o povo e um golpe racista. Precisava ser racista, porque aqueles que fizeram um processo de transformação do Estado, das comunidades, do território, da educação, da economia, foram justamente os povos indígenas originários e camponeses.

Somos nós os que nos chamamos Aymaras, Quechuas. Então precisava ser racista, porque a mensagem é sobre nós, povos indígenas, o que significa: "Eles não podem se governar", "eles não podem se autodeterminar", "nenhum Estado Plurinacional, vamos voltar à República", " nenhuma Pachamama, vamos entregar o país nas mãos de Deus", "sua whipala (bandeira dos povos originários) não tem valor, aqui se respeita a bandeira [da Bolívia]".

Por isso, todo este discurso atenta contra a autonomia dos povos, contra a capacidade de autogoverno, não apenas na Bolívia, mas na região, porque esta é uma mensagem para os povos do mundo.

Imagina que na Bolívia 63% da população é indígena e tem força para discutir uma Assembleia Constituinte e promovem um golpe [contra nós]. Então, é um golpe contra os Maias na Guatemala, os Tsotsiles, Tzeltales no México, enfim, é um golpe contra todos os povos do mundo.

Por outro lado, penso que há uma manipulação da informação no sentido de que a Bolívia está polarizada. Considero que a maior parte da Bolívia é contra o golpe, é contra os massacres, é contra a gestão e o abandono deste governo.

Portanto, não é que a Bolívia está polarizada. Há um grupo de poder que realizou um golpe, tem seus grupos paramilitares e há um certo segmento da população que se juntou a tudo isso, ou que está próximo disso por causa de seu racismo, porque vivemos em um país profundamente colonial e profundamente racista.

Durante os 14 anos do processo de mudança, só foi possível administrar o racismo, ou seja, mantê-los calados, que não ficassem impunes, que não pudessem dizer "índios de merda, selvagens, ladrões, ignorantes, feios, sujos".

Então, é apenas um segmento da população, não é o país inteiro, nem sequer metade do país para dizer que está polarizado.

É uma manipulação da mídia, uma manipulação do discurso, é uma estratégia que usa o discurso fundamentalista para mostrar que o que está errado é ser índio, ter nossa visão de mundo. Vimos os discursos de Añez que vão de "ritos satânicos" a todo um questionamento da Pachamama.

Como está o panorama eleitoral, se fala de enfrentamentos violentos, de ataques a campanhas eleitorais. 

Antes de tudo, acredito que os povos da região estão vivendo um momento de desespero, de sobrevivência, e isso significou que, no caso da Bolívia, frente ao golpe, tenhamos aceitado ir a eleições que, na verdade, não correspondiam, porque a fraude [das últimas eleições acusadas] pela OEA não foi provada, e se não foi provada, as eleições legítimas são as de 20 de outubro de 2019.

:: Saiba mais: Houve fraude nas últimas eleições da Bolívia? Estudos dizem que não ::

Que povo vá para eleições quando suas eleições já estavam feitas, tem que ser um povo que foi atingido, massacrado, pois não temos outra escolha.

Estamos indo para estas eleições em condições forçadas e desesperadas, aceitando uma eleição que não corresponde, com líderes sendo perseguidos, presos, com líderes cuja participação foi anulada ou impedida.

Muitos dos candidatos do MAS, por exemplo, vêm de setores indígenas e também de setores empobrecidos. Então, temos uma pandemia que tem atingido e matado aqueles que são empobrecidos, não apenas pelo vírus, mas pelo abandono do Estado.

Vemos que há mais de 11 candidatos deste partido que morreram com coronavírus e tiveram que ser substituídos neste último mês, algo que não vamos ver nos partidos dos ricos, porque os ricos não morrem com vírus, os ricos têm dinheiro para se curar dos vírus. Então, são condições muito difíceis nas quais o MAS está indo.

Sobre as campanhas eleitorais, é importante dizer que não há enfrentamento, pois os enfrentamentos são entre iguais. Tanto Comunidade Cidadã quanto Creemos têm o apoio do governo, têm o apoio da polícia, fazem suas campanhas sob a custódia dos militares, enquanto o MAS não tem nada.

Portanto, não há enfrentamento ali, no máximo o que haverá é legítima defesa. Se eles são agredidos, cuspidos ou jogados com água suja, o que eles vão fazer? Têm que reagir, têm que se defender, têm que se proteger.

Nesse sentido, penso que a capacidade que o MAS está tendo de se rearticular, de fazer campanha nestas condições, onde são processados por tudo, incluindo a tentativa de anular a sigla do MAS a dias das eleições, é muito valorizada. Como pode um partido estar em campanha se tem que estar em audiências tentando não ser anulado?

:: Leia mais: Perseguição a partido de Evo Morales marca últimos dias antes das eleições na Bolívia ::

Por outro lado, o Tribunal Supremo Eleitoral tem perdido sua credibilidade, porque tem suspendido as datas, porque encomendou os boletins de voto para alguém próximo a Doria Medina, que era o candidato à vice-presidência de Jeanine Añez, porque está delegando nos militares a responsabilidade de transportar as informações sobre os votos e porque está atuando de forma irregular.

Poderia se falar de uma possível fraude eleitoral?

Acho que temos que ir votar com uma mão e lutar com a outra, porque a votação não está garantida, porque o TSE responde a um governo golpista, tem mostrado isso nestes 11 meses, nunca mostrou sua autonomia.

Então, temos que ir e defender nossos votos, temos que ir e ver as condições em que as eleições estão se realizando, porque os observadores que garantirão o processo, são os observadores da OEA, são aqueles que no ano passado começaram a gerar as ideias de um golpe, a gerar desconhecimento das eleições, que justificaram um golpe e os massacres.

Acho que uma alternativa para encarar o que poderia ser uma possível fraude é que haja observadores das organizações amigas, de países amigos, de movimentos de esquerda, que possam vir para ver, estar aqui e dizer como as eleições estão se desenvolvendo e denunciar se há uma fraude.

É difícil ver por onde a fraude poderia vir, mas o fato de a OEA já estar aqui obviamente gera muita desconfiança.

:: Acompanhe: Bolívia: eleições do dia 18 de outubro representam uma encruzilhada no continente ::

É um momento crucial para a história democrática da Bolívia. O que está em jogo nas próximas eleições de acordo com as organizações sociais?

Primeiramente, é preciso reconhecer que os conflitos que foram desencadeados no país, como o racismo, o colonialismo e a intenção da oligarquia boliviana de tomar o controle do país, da economia e do governo, não se resolverão por meio de eleições.

Ou seja, as eleições servirão para recuperar a administração do Estado, mas o racismo não se resolve com eleições. Os grupos paramilitares não vão desaparecer com as eleições, aqueles que apoiam e financiam esses grupos, estão como candidatos, depois das eleições serão senadores ou deputados.

Então, acho que o racismo vai se aprofundar, porque vamos ter parlamentares fundamentalistas na Assembleia Plurinacional, que seguem Camacho [candidato da extrema direita e promotor do golpe do ano passado]. Porque mesmo que Camacho não ganhe, ele vai ter senadores e deputados, e esses são os fundamentalistas mais extremistas do país.

Acredito que todos os candidatos ganharão cadeiras na Assembleia Plurinacional. E todos eles, pertencem à direita mais fundamentalista e racista que já existiu na história de nosso país.

Diante disso, acho que o que está em jogo nestas eleições é a nossa existência. Estamos jogando a nossa possibilidade de, como povos, continuarmos a construir um caminho até a nossa autodeterminação.

Está em jogo a nossa existência, porque vai ser muito mais difícil nos chamarmos Aymaras, falar Aymara ou Quechua e querer viver a partir de nossa cosmovisão e espiritualidade, tendo uma Assembleia cheia de fundamentalistas, racistas e fascistas, embora o partido MAS ganhe.

:: Leia: Artigo | Bolívia: impera o silêncio sobre o golpe apoiado pelos EUA ::

Outra coisa que acho que está em jogo são todas as coisas que foram construídas, o Estado Plurinacional, a descolonização da educação, a luta contra todas as formas de discriminação. Se Mesa ou Camacho ganharem, haverá um revés, falarão sobre o retorno à República. Perderemos tudo pelo que temos lutado nestes 14 anos.

Se o MAS ganhar, me parece que a governança será muito difícil, porque o Congresso vai ter pessoas de Camacho e Mesa, que não vão ficar satisfeitos, vão continuar pressionando, vão ter seus grupos paramilitares ativos o tempo todo. Então, vai ser muito difícil para o governo do MAS se eles não chegarem a acordos.

E aí tenho medo, porque quais os tipos de acordos, já que se podem negociar com algumas coisas, mas negociar a impunidade, por exemplo, se os acordos forem para deixar impunes os autores dos massacres, não tocar nos militares que massacraram, não processar os policiais que se amotinaram e que também massacraram [o povo], não desmantelar os grupos paramilitares. Enfim, se esses fossem os possíveis acordos do MAS, acredito que também vai ser difícil governar com as organizações sociais.

Nós, como organização, acreditamos que um país assim não pode ser construído, então não haverá paz sem justiça. Não queremos ver mais um assassino fugir para outro país como no Massacre do Gás (2003). Queremos Jeanine Añez e Arturo Murillo na prisão, porque eles são os autores dos massacres, e isso, para nós, é uma questão fundamental.

Mas em qualquer dos cenários, vai ser muito difícil o que vamos enfrentar após as eleições.

Edição: Luiza Mançano e Vivian Fernandes