Minas Gerais

MINEIRAÇÃO

Mineração no Parque do Rola Moça, em Brumadinho (MG), tem votação nesta terça (27)

​​​​​​​Caso pode abrir grave precedente à proteção das unidades de conservação no estado

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Projeto que prevê mineração na zona de amortecimento do Parque e estrada para caminhões dentro dele, será votado na Câmara do Copam, nesta terça-feira (27) - Créditos: Reprodução

Ministério Público de Minas Gerais e a própria Secretaria Estadual de Meio Ambiente já emitiram pareceres contrários ao empreendimento

O Lei.A vem acompanhando há mais de dois anos um controverso caso de tentativa de legalização de mineração parcialmente dentro de uma unidade de conservação de proteção integral. Esse caso terá na próxima semana seu capítulo mais importante, quando será decidido na Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), a aprovação ou não do projeto da Mineração Geral do Brasil S.A. (MGB) na zona de amortecimento do Parque Estadual Serra do Rola-Moça, com o transporte de minério sendo realizado por dentro do parque.

A CMI é um órgão decisório que tem se notabilizado pelo desequilíbrio de suas decisões em favor dos empreendimentos em detrimento à harmonia do meio ambiente, aprovando grandes projetos de mineração com forte reprovação da sociedade civil (link). Porém, se decidir pela aprovação desse empreendimento da MGB, que será votado na próxima terça-feira (dia 27 de outubro), às 9 horas, numa reunião extraordinária sem a presença física da população, que poderá acompanhar apenas de maneira remota (via internet), esse conselho superará seus limites permissivos e abrirá um precedente para minerações dentro de unidades de conservação. É o que denunciam especialistas e ambientalistas ouvidos pelo Lei.A.

Contra a proposta de mineração da MGB, existem manifestações do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), da Superintendência Regional de Regularização Ambiental Central Metropolitana (Supram Central Metropolitana), além de uma ação civil pública movida por entidades ambientalistas.  Porém, nada disso impediu que o tema fosse pautado pela CMI, indo contra uma decisão interna da própria Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), órgão ao qual pertencem tanto a CMI quanto a Supram.

Veja no mapa abaixo o organograma dos órgãos responsáveis pelo licenciamento ambiental no estado de Minas Gerais

#Conheça

O que estará em votação na CMI é o pedido de uma licença ambiental da Mineração Geral do Brasil (MGB) para minerar a Mina Casa Branca, numa área contígua aos limites do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça, que está localizado às margens da rodovia BR-040, na junção entre as serras do Curral e da Moeda, e que abrange quatro municípios (Brumadinho, Nova Lima, Ibirité e Belo Horizonte). 

O projeto está inserido na zona de amortecimento do Rola-Moça, uma unidade de conservação de proteção integral, na qual não é permitido o uso direto dos seus atributos naturais, e também inserido na unidade de conservação APA Estadual Sul RMBH.

O empreendimento que se pretende licenciar é constituído por uma lavra a céu aberto de minério de ferro, com tratamento a seco; na qual estão planejados a abertura de uma estrada de aproximadamente 1,5 quilômetro dentro do parque para escoar a produção de minério (com a supressão de pelo menos três hectares de mata); disposição de estéril; implantação ou duplicação de rodovias, além de reaproveitamento de bens minerais dispostos em barragem que está sendo descomissionada no local.

A imagem abaixo mostra em vermelho a área afetada pelo empreendimento:


 Fonte: Parecer Único da Semad

As atividades que são objeto do pedido de licença ambiental estão demonstradas na seguinte imagem:


 Fonte: Parecer Único da Semad

#Monitore

A nova-velha desculpa de “minerar de novo para recuperar”

O desejo da empresa é extrair 17 milhões de toneladas de minério de ferro, em seis anos de operação, com o transporte do minério sendo feito através de caminhões por dentro do parque. A solicitação da MBG para minerar na área é subsidiada pelo fato de ter havido no passado o abandono da Mina Casa Branca. Ela argumenta que, para fazer a recuperação da área, bem como da cava que fora deixada aberta (um grande buraco na borda do parque), é preciso voltar a minerar.

Iniciada a extração na década de 1950, a interdição da Mina de Casa Branca aconteceu em 2001, em razão de questionamentos do Ministério Público Estadual sobre danos ambientais gerados pela operação da empresa nesse período, sem as devidas compensações ambientais no processo de licenciamento. Após a decisão, a operação foi abandonada e os danos ambientais permanecem, ameaçando inclusive a estrada que corta o parque, leva a pontos turísticos da unidade de conservação, e ainda faz ligação entre Nova Lima e o Distrito de Casa Branca, em Brumadinho.

Agora, a MGB Mineração coloca como condição para estabilizar a cava, nova extração de minério de ferro. Ela afirma que o seu projeto está fora da unidade de conservação e que se trata de um empreendimento para recuperação ambiental e fechamento de mina, seguindo a legislação vigente. 

Veja abaixo as imagens da área do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça e no detalhe, a localização do empreendimento e as áreas cuja operação foi interrompida e abandonada, onde se pretende minerar, escoando o minério pelas vias adjacentes às estradas já existentes na unidade de conservação.


Em verde a área do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça e Estação Ecológica de Fechos. Nos pontos vermelhos está a área de interesse da mineradora MGB. 


Após a interdição da Mina Casa Branca em 2001, a Cava permanece aberta no entorno imediato da unidade. Em verde a área do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça. 

A votação na CMI e os pareceres contrários

O tema foi colocado em pauta pela primeira vez na CMI no dia 25 de setembro de 2020. Porém, houve pedido de  vistas dos conselheiros Júlio César Dutra Grillo, representante da Associação para Proteção Ambiental do Vale do Mutuca (Promutuca), e Carlos Eduardo Orsini Nunes de Lima, representante da Sociedade Mineira de Engenheiros (SME). Agora ele volta à pauta e deve ser votado na reunião de caráter extraordinário no dia 27 de outubro.

Sobre o caso, a Superintendência Regional de Regularização Ambiental Central Metropolitana (Supram Central Metropolitana) emitiu um parecer contrário ao deferimento da licença ambiental para o empreendimento, uma vez que, segundo o órgão, a empresa não cumpre todos os requisitos legais. De acordo com o parecer, não foram avaliados os impactos da atividade inserida em área prioritária para conservação da biodiversidade e faltam elementos técnicos que permitam na integralidade a previsão dos impactos negativos causados por este empreendimento.

“Não resta, senão ao órgão ambiental, negar a licença, tendo em vista o não preenchimento dos requisitos legais. Conforme apresentado, o empreendedor não apresentou a documentação necessária para completa análise do processo. Diante do exposto, acompanhamos o parecer técnico para indeferir a revalidação da licença de operação.”, diz o parecer da Supram

Antes disso, o processo da MGB teve um trânsito marcado por controvérsias.  Em novembro de 2018, o Conselho do Parque do Rola-Moça, que deveria proteger a unidade de conservação, votou a favor da continuidade do processo de licenciamento ambiental, abrindo a possibilidade de mineração na zona de amortecimento do parque (link). 

Porém, em dezembro daquele mesmo ano, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, que iniciou a apuração da regularidade da anuência à MGB, emitiu uma recomendação ao Instituto Estadual de Florestas  (IEF), órgão responsável pelos parques estaduais, para que não concedesse a anuência para o empreendimento.


Recomendação dada pelo Ministério Público sobre a anuência requerida pela MGB ao Parque Estadual da Serra do Rola-Moça 

Em virtude disso, o gerente do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça não emitiu a anuência referente ao empreendimento, o que pesou na posição da Supram para indeferir a licença. Além de tudo isso, há em curso desde janeiro de 2019 uma ação civil pública proposta pela Ecologia e Observação de Aves (Ecoavis) e pelo Instituto Guaicuy – SOS Rio das Velhas. Para as entidades, se aprovado, o empreendimento minerário em questão apresentaria incontáveis impactos ambientais negativos aos municípios de Brumadinho, Ibirité, Nova Lima e Belo Horizonte. O processo está em segunda instância.

Uma manobra feita pela empresa e um perigoso precedente para proteção ambiental

Em março de 2020, a MGB protocolou na Agência Nacional de Mineração (AMN) uma declaração de não estabilidade de uma das barragens da Mina de Casa Branca. Em seguida, ela requereu na Justiça Federal autorização para o início imediato da descaracterização dessa estrutura, recebendo uma decisão positiva. No documento apresentado à justiça, a empresa afirmou que não poderia ficar na dependência do órgão ambiental estadual e solicitou a finalização do processo de licenciamento. 


Trecho retirado do documento do Ministério Público Federal referente a Ação Cívil Pública apresentada pela MGB 

Atendendo ao pedido da empresa, em 20 de agosto o Juiz Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais solicitou que a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semad) e a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) concluam o processo de licenciamento ambiental da Mina de Casa Branca no prazo de 30 dias.

O parecer que será apresentado na reunião da CMI pelo representante da Promutuca, Júlio Grillo, questionará o que seria uma manobra da empresa para pressionar pela mineração no local, sem que isso seja avaliado tecnicamente pela Secretaria de Meio Ambiente (Semad) e pela Fundação Estadual do Meio Ambiente  (Feam). Segundo o texto, existem laudos apresentados pela própria empresa anteriormente ao órgão federal que apontam que essa barragem, chamada B1, não apresenta problemas de estabilidade.

“Neste cenário que a CMI/COPAM através de seus conselheiros vai assumir a decisão sobre a descaracterização/descomissionamento de barragens de rejeitos, sem absolutamente nenhum órgão responder tecnicamente por isso e no bojo de um processo de licenciamento que não trata da questão e tem questões gravíssimas envolvendo uma Unidade de Conservação de Proteção Integral?”, questiona o documento que será apresentado na reunião.

O Movimento das Águas e Serras de Casa Branca também questiona o que seria uma manobra da empresa. A ativista do movimento e moradora da região, Maria Clara Paiva Izidoro, afirma que “existe responsabilidade grande sobre os agentes públicos para votar esse processo porque ele é absolutamente ilegal. O que a gente percebe nesse momento é que a MGB tem tentado um caminho jurídico. Então além dessa votação no Copam existe um disputa no pleito jurídico e em que a mineradora por não conseguir derrubar a nossa liminar a nível municipal e foi para a esfera federal. Nesse esfera, em uma petição cheia de argumentos dúbios e utilizando trechos descontextualizados, ela conseguiu uma sentença obrigando o órgão de licenciamento a concluir a análise no processo”. 

O temor é que a votação da CMI possa abrir um precedente perigoso de violação da lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) para que outros empreendedores, em todo o estado, na esteira dessa concessão, venham a requerer a instalação de estradas em outras Unidades de Conservação de Proteção Integral, que por lei, são espaços que possuem garantia de proteção e seus recursos não podem ser utilizados com fins econômicos.

Silêncio

O Lei.A entrou em contato com a MGB, mas não recebeu resposta até o fechamento, e irá atualizar a matéria assim que suas questões forem respondidas.

Unidades de conservação afetadas

Com uma área de 4 mil hectares, o Parque Estadual da Serra do Rola-Moça foi criado em 1994, visando a proteção da biodiversidade e dos cursos d’água Taboões, Rola-Moça, Barreirinho, Barreiro, Mutuca e Catarina, que servem ao abastecimento da população da região metropolitana. É o terceiro maior parque urbano do país. Além da Serra do Rola-Moça, estão presentes na região outras quatro Unidades de Conservação de Proteção Integral: Estação Ecológica de Fechos, Monumento Natural da Serra da Moeda, Estação Ecológica de Arêdes e Monumento Natural Municipal da Serra da Calçada. Uma unidade de uso sustentável Área de Proteção Ambiental sul (APAsul) e Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) Capitão do Mato, Trovões, Rio do Peixe, Andaime e Fazenda João Pereira.

Áreas de proteção no Sinclinal Moeda. Em verde escuro Unidades de Conservação de Proteção Integral estaduais (Estação Ecológica de Fechos, Monumento Natural da Serra da Moeda e Estação Ecológica de Arêdes); Em amarelo uma unidade de Conservação de Proteção Integral municipal (Monumento Natural Municipal da Serra da Calçada) e em azul as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (Capitão do Mato, Trovões, Rio do Peixe, Andaime, Fazenda João Pereira).

Nos estudos apresentados pela empresa constam que a área afetada pelo empreendimento está inserida em algumas das áreas protegidas que existem na região: Estação Ecológica de Fechos;
 Áreas de Proteção Especial Estadual Manancial Rola-Moça e Bálsamo;  Áreas de Proteção Especial Estadual  Manancial Taboão;
 RPPN Ville Casa Branca;
- RPPN Sítio Grimpas;
- RPPN Riacho Fundo I e II; Monumental Natural Serra da Calçada; Parque Natural Municipal de Fechos. 

Vale destacar que toda a região pertence à reserva da Biosfera do Espinhaço, considerada Reserva Mundial pela Unesco e de importância biológica extrema.

Entenda o caso pela nossa linha do tempo 

1994 – Em 27 de setembro de 1994 foi criado o Parque Estadual da Serra do Rola-Moça com 3.940 hectares, abrigando alguns dos mananciais que abastecem a capital mineira. Situado na Região Metropolitana de Belo Horizonte, é o terceiro maior parque em área urbana do país.

2001 – A atividade da Mina Casa Branca, então pertencente à Extrativa Paraopeba, é abandonada. Ela é então passada para controle da MGB. O Ministério Público de Minas Gerais entra com uma ação para que o passivo deixado seja mitigado, incluindo o descomissionamento de duas barragens de rejeito. A MGB tenta retomar a atividade para recuperar a área argumentando sobre a questão da viabilidade financeira.

15 de março de 2018 – Um memorando da Supram é encaminhado ao Gestor do Parque Estadual Serra do Rola-Moça solicitando a  avaliação do Conselho Consultivo  sobre as atividades previstas no Projeto MGB em processo de licenciamento prévio. O documento questiona se tais atividades poderiam ser consideradas como uso direto ou indireto da Unidade de Conservação, levando-se em conta que apesar da Mina estar lotada em área que foi recortada do Parque Estadual, a estrada para escoamento do minério passará dentro da Unidade de Conservação, o que é impedido pelo Plano de Manejo.

27 de Março de 2018 –  O Conselho do Parque começa a discutir a anuência da mineração da MBG para atuar na zona de amortecimento da unidade de conservação e transportar o minério por dentro do parque . O Presidente do Conselho e gestor do Parque forma um grupo de trabalho com 6 conselheiros para empreender esta análise, formulando assim um parecer de resposta enviado à Supram. Tal parecer posiciona-se pela viabilidade do projeto, mesmo apontando condicionantes que remetiam à impossibilidade de atestar a viabilidade. 

Abril 2018 – A notícia do envio do documento surpreendeu de forma negativa um grupo de conselheiros que esperavam que o parecer do grupo de trabalho fosse apresentado e votado pelo Conselho da unidade.

Novembro de 2018 – O Conselho do Parque do Rola-Moça, que deveria proteger a unidade de conservação, votou a favor da continuidade do processo de licenciamento ambiental, abrindo a possibilidade de mineração na zona de amortecimento e escoamento de minério dentro do Parque. 

Dezembro 2018 – O Ministério Público de Minas Gerais iniciou a apuração da regularidade da autorização requerida ao Parque Estadual da Serra do Rola-Moça no bojo do processo administrativo de licenciamento ambiental da Mineração Geral do Brasil S/A. Na ocasião, emitiu uma recomendação ao Instituto Estadual de Florestas  (IEF), órgão responsável pelos parques estaduais, para que não concedesse a anuência para o empreendimento. 

Dezembro de 2018 – O IEF seguiu a recomendação do Ministério Público Estadual e não emitiu a autorização.

Maio de 2019 – A Prefeitura de Brumadinho posiciona-se favoravelmente ao retorno das atividades da MGB.

13 de agosto de 2020 – O juiz da 3ª Vara da Justiça Federal de Minas Gerais deferiu o pedido feito por representantes legais da MGB para que a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semad) e a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) concluam o processo de licenciamento ambiental da Mina de Casa Branca no prazo de 30 dias.

25 de setembro de 2020 –  O tema foi colocado em pauta  na CMI

#Aja 

A concessão da licença enfrenta forte oposição de movimentos de proteção ao meio ambiente, além moradores de Casa Branca e região. Com receio de possíveis impactos sobre os mananciais, eles convocaram uma manifestação em defesa do Parque Estadual Serra do Rola-Moça para esse domingo, 25/10, às 09h30, na Praça de Casa Branca, e às 10h30, no Mirante dos Veados, no Parque do Rola-Moça. 


 

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Você também pode acompanhar a reunião da CMI no dia 27/10/2020, às 09 horas, pelo youtube.

Para participar da reunião e se manifestar sobre o projeto da MGB, veja o passo a passo nessa matéria publicada por nós, do Lei.A, acessando aqui 

O parecer emitido pela Semad pode ser acessado por aqui.

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