Coluna

O que têm sido as ações de solidariedade do Periferia Viva?

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Esse processo dialógico dentro das ações de solidariedade foi realizado de forma sistemática pelo curso de agentes populares de saúde - Comunicação Periferia Viva
O desemprego, a fome, o pagamento do aluguel e o custo energia assustam tanto quanto a covid-19

As ações de Solidariedade impulsionadas pelas organizações populares durante a pandemia vêm representando um novo impulso para o trabalho de base e a esperança renovada de que o povo brasileiro é portador das condições de construir um projeto popular nacional.

Estas ações vem sendo uma demonstração de comprometimento das organizações com as necessidades concretas do povo. Esse compromisso é o que chamamos de exemplo pedagógico, o esforço continuado, independente da conveniência conjuntural, que constitui um vínculo afetivo entre os envolvidos nos processos de solidariedade. 

Um laço de confiança que pavimenta a possibilidade de diálogo, aprendizado de ambas as partes, seja dos militantes porque reaprendem a ouvir atentamente como o povo elabora sua leitura e ação sobre a realidade, seja das famílias que vão apercebendo as organizações populares como um lugar de resolução das necessidades concretas e de sociabilidade baseada na fraternidade e não como mercadoria ou como opressão/submissão de quem dá e quem recebe de forma subserviente, sem rosto, sem nome, sem história uma doação.

Esse trabalho contínuo só foi possível porque convergimos as energias, tempo e esforços de um conjunto de sujeitos e, principalmente e indispensavelmente, de organizações e movimentos populares. O Levante, o Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Rede de Médicos, MPA, MAM e a Consulta Popular convergem essas energias para o Periferia Viva, a partir da evidência de que tínhamos que responder a conjuntura de forma conjunta, porque evidenciamos que não tínhamos condições de operar individualmente, em cada movimento, uma campanha, seja pela necessidade de militantes, mas principalmente pelo acúmulo em temas específicos, organizativos e políticos.

Além das organizações populares, a mobilização de um amplo conjunto de voluntários, organizados nas Mãos Solidárias foi um grande impulso de divulgação e arrecadação da campanha, organização da higienização das cestas, na produção de conteúdos para comunicação com as famílias. Também veio das Mãos Solidárias os primeiros contatos nas comunidades nas quais construímos as ações de solidariedade.

Essa convergência de trabalho em torno da arrecadação e preparação das cestas culminou logo após as primeiras entregas na conformação de um terceiro grupo, emergido das famílias que recebiam as cestas, que foi de voluntários locais, dispostos a participar das entregas, socializando outras necessidade que afetavam as famílias.

São participantes de associações comunitárias, igrejas, agentes culturais, jovens estudantes, moradores comprometidos em acudir as necessidades em muito ampliadas com a pandemia e aprofundas pela crise econômica.

Essa emergência de sujeitos dos territórios dispostos a participar do processo de solidariedade é consequência de, pelo menos, dois fatores: uma experiência comunitária, presente ou passada, de ajuda mútua, mutirões coletivos, caridade religiosa, um sentido de cuidado comunitário.

E da ação dos militantes das organizações de estabelecer uma relação de diálogo entre nós que levamos alimento e as famílias que têm suas vidas, suas histórias, suas lutas, suas experiências.

Como Paulo Freire explicita em Educação como Prática da Liberdade em 2008. “Nos opúnhamos às soluções assistencialistas porque contradiziam a vocação natural da pessoa - a de ser sujeito e não objeto, e o assistencialismo faz de quem recebe a assistência um objeto passivo, sem possibilidade de participar do processo de sua própria recuperação”.

Essa relação dialógica e portanto ativa onde, como diria Freire “os oprimidos deixam de ser uma designação abstrata e passam a ser os homens concretos, injustiçados e roubados. Roubados na sua palavra, por isso no seu trabalho comprado, que significa a sua pessoa vendida. Só na plenitude deste ato de amar, na sua existencialização, na sua práxis, se constitui a solidariedade verdadeira", carrega um profundo sentido de dignidade entre os envolvidos, onde os “doadores” não são sujeitos e os “recebedores” objetos, portanto condenados à permanência das condições que os oprime e os debilita. Ao assumir a postura de diálogo, chamamos a ação, para a superação da condição de despossuído.

Esse processo dialógico, e por consequência participativo, dentro das ações de solidariedade foi tornando-se a materialização do carácter ativo das ações de solidariedade. A partir da percepção deste potencial buscamos organizar um espaço que sistematizasse esse conteúdo reflexivo e participativo.

O exemplo que melhor cumpriu esse papel de dialogo e sistematização foi os Agentes Populares de Saúde, cuja experiência anterior realizado em Pernambuco inspirou tantos lugares a experimentá-la. Tal experiência possibilitou uma ação preventiva contra a disseminação do COVID-19 nas comunidades quanto estimulou um processo mais amplo de reflexão sobre outras necessidades das comunidades.

Temos percebido que o desemprego, a fome, o pagamento do aluguel e o custo energia ameaçam tanto quanto o Covid-19. Nessa caminhada da solidariedade a militância e os agentes populares têm tomado algumas iniciativas de respostas que passam pela auto-organização comunitária, porém, para muitas das necessidades fundamentais, aquelas que tocam as questões estruturais nas cidades e na sociedade brasileira, é preciso construir a participação e a movimentação que apontem as causas e causadores de tais mazelas.

Por isso, nessa reta final do ano apontamos os primeiros esboços de mobilização e ações de denúncias às políticas contra a retirada de direitos que o projeto de morte do governo Bolsonaro têm operado.

Edição: Leandro Melito