Paraná

Eleições 2020

Avanço: Seis mulheres na corrida pela Prefeitura de Curitiba

Autora reforça a importância de ampliar o debate sobre a presença das mulheres nas esferas públicas

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Da esquerda para a direita: Christiane Yared (PL), Camila Lanes (PCdoB), Caroline Arns (Podemos), Marisa Lobo (Avante), Letícia Lanz (PSOL) e Samara Garratini (PSTU). - Grupo de pesquisa Comunicação Eleitoral, UFPR

por *Karina Lançoni Bernardi

Em Curitiba seis mulheres concorrerão à Prefeitura nas eleições municipais de 2020. O número é o triplo do registrado nas últimas eleições municipais (2016), quando apenas duas candidatas concorreram à Prefeitura da capital paranaense: Maria Victoria (PP) e Xênia Mello (PSOL). Os nomes foram lançados pelos partidos após as convenções municipais e registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As legendas que lançaram mulheres para a majoritária são: Podemos (Caroline Arns), PSOL (Letícia Lanz), PL (Christiane Yared), Avante (Marisa Lobo), PCdoB (Camila Lanes) e PSTU (Samara Garratini).

Em 2016, nove candidaturas à Prefeitura de Curitiba foram registradas pelo TSE à prefeitura de Curitiba, o que demonstrou um cenário predominantemente masculino, com apenas duas chapas lideradas por mulheres. Já em 2020, as convenções municipais lançaram 16 candidaturas ao Executivo Municipal, com seis tendo mulheres como candidatas à prefeita e, destas, duas com chapa exclusivamente feminina (PSOL e PL).

O aumento no número de mulheres candidatas, principalmente a cargos do Executivo, pode ser considerado um avanço dentro do sistema partidário, já que as cotas de gênero impostas aos partidos pela Lei 12.0341/2009 se aplicam apenas a candidaturas para o Legislativo. Porém, é preciso ampliar o debate sobre a presença das mulheres nas esferas públicas e porque, mesmo sendo maioria da população e do eleitorado, ainda são minoria na política partidária.

Neste sentido, é preciso entender a dinâmica do sistema político brasileiro e de que forma se deu a construção social que dividiu a esfera pública da privada, determinando os papéis sociais que cada gênero teria nesta divisão. Essa distinção entre as duas esferas remonta à Grécia Antiga, em que o privado estava restrito ao lar, à vida familiar, onde o homem (déspota) tinha o domínio sobre a mulher, os filhos e os escravos. Neste contexto, cada família se preocupava com a sua própria vida privada, sem interação com outras esferas privadas (famílias). Por outro lado, a esfera pública era aquela relacionada à polis, ao interesse comum, na qual somente os homens que tivessem superado os problemas da vida privada poderiam participar. Segundo Aristóteles, a esfera pública era o domínio da vida política, onde todos eram iguais e poderiam expressar suas opiniões de forma igualitária, por meio do uso da palavra, com uso da persuasão e da retórica (ANTUNES, 2004).

A filósofa Hannah Arendt dedicou parte de seus estudos a tentar explicar essa relação entre o público e o privado na sociedade contemporânea. Para a autora, existe uma confusão entre o social e o político, uma vez que o político é visto como um espaço de regulação da esfera privada. “Todas as atividades humanas são condicionadas pelo fato de que os homens vivem juntos; mas a ação é a única que não pode sequer ser imaginada fora da sociedade dos homens” (ARENDT, 2007, p.31). Segundo a autora, essa confusão entre o social e o político tem origem na criação do Estado Moderno, em que a liberdade se concretiza no social, enquanto que o poder e a violência se tornam monopólio do Estado, criando assim um modelo em que não há mais a fronteira entre o privado e o público, em uma sociedade na qual se busca a igualdade de comportamento dentro de uma normalização, de uma padronização promovida pelo Estado.

De acordo com Thompson (2003, p.71), a esfera pública foi geralmente entendida como o domínio da razão e da universalidade cuja participação era reservada somente para os homens, enquanto as mulheres, ‘seres (supostamente) inclinados a particularidades e a conversas frívolas e afetadas’, se supunham comumente mais indicadas à vida doméstica.

Esta também é a visão de Flavia Biroli (2018), ao afirmar que a sub-representação feminina nas esferas decisórias é resultado das hierarquias da vida privada, que colocam as mulheres como as responsáveis pelas questões domésticas. “Para a participação de mulheres na esfera pública, impõem-se filtros que estão vinculados às responsabilidades a elas atribuídas na esfera privada” (BIROLI, 2018, p.11).

Segundo Pierre Bourdieu (2012, p.18), a ordem social ratifica a dominação masculina, pela divisão social do trabalho, determinando as atividades atribuídas para cada um dos sexos, reservando o lugar da assembleia ou de mercado aos homens e a casa às mulheres.

Essa construção social que determina os papéis que cada gênero deve desempenhar dentro das sociedades democráticas que explica, segundo Luiz Felipe Miguel (2010), a baixa representatividade feminina na política partidária. Para ele “a participação política das mulheres é limitada por fatores materiais e simbólicos, que prejudicam sua capacidade de postular candidaturas, reduzem a competitividade daquelas que se candidatam e atrapalham o avanço na carreira daquelas que se elegem”. (MIGUEL, 2010, p.25-26).

As limitações impostas ao ingresso das mulheres na vida pública e, principalmente, na política partidária, também são destacadas por Luciana Panke (2016, p. 74), ao explicar que a formatação das instituições políticas atende principalmente às dinâmicas do universo masculino, com horários, negociações e modo de atuação que dificultam a participação das mulheres. Isso explicaria, segundo Nancy Fraser (1999), o sexismo característico dos espaços deliberativos, uma vez que o modelo da esfera pública atual é fruto de um projeto burguês, que insiste na separação entre o público e o privado.

O aumento gradativo de mulheres na política partidária, com mais candidatas nas disputas eleitorais, pode trazer mais visibilidade para as questões de gênero e para a aceitação das mulheres na esfera pública. Assim, conforme SeylaBenhabib (1999, p. 107), é possível combater a dominação masculina que, segundo ela, se mantém com o objetivo de tirar da agenda pública as questões relacionadas ao gênero.

 

 

[1] Karina Lançoni Bernardi é jornalista, mestranda em Comunicação, na linha de Comunicação e Política, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e membro do Grupo de Pesquisa Comunicação Eleitoral (CEL/UFPR).

 

Referências:

ARENDT, H. A Condição Humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2017.

ANTUNES, M. A. O público e o privado em Hannah Arendt. Universidade da Beira Interior, BOCC, 2004. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/antunes-marco-publico-privado.pdf>. Acessoem 18 ago. 2019.

BENHABIB, S. Situating the Selfie: Gender, Community and Postmodernism in Contemporary Ethics. Polity Press, USA. 1992.

BIROLI, F. Gênero e Desigualdades: limites da Democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018.

BOURDIEU, P. A Dominação Masculina. Trad. Maria Helena Kühner.  Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.

FRASER, N. Rethinking the Public Sphere: a contribution to the critique of actually existing democracy. In: Craig Calhoum. Habermas andthepublicsphere. London, 1992.

MIGUEL, L. F. Perspectivas Sociais e Dominação Simbólica: a presença política das mulheres entre Iris Marion Young e Pierre Bourdieu. Revista Sociologia Política, Curitiba, v. 18, n. 36, p. 25-49, junho. 2010.

PANKE, L. Campanhas Eleitorais para Mulheres: desafios e tendências. Curitiba: Editora UFPR, 2016.

THOMPSON, J. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2003.

 

Edição: Ana Carolina Caldas