Reta final

Sem dia exato para resultado final, eleições dos EUA podem gerar impasse e violência

Mais de 1/3 da população já votou, mas cédulas enviadas por correio ainda são motivo de discórdia e questionamento

Brasil de Fato | Los Angeles (EUA) |
Cabine de votação em Norwalk, Califórnia - Frederic J. Brown/AFP

Pelas regras constitucionais dos Estados Unidos, as eleições devem acontecer sempre na "terça-feira que sucede a primeira segunda-feira do mês de novembro". Desta vez, a data que acomoda essa exigência é 3 de novembro, mas a corrida presidencial não acaba ali.

Por conta do distanciamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus, votos por correio foram aceitos e até encorajados em todos os estados do país, que são livres para desenhar o cronograma que mais lhe pareça acertado. Dos 50 estados, 22 mais o Distrito de Columbia vão aceitar as cédulas que forem entregues após 3 de novembro, sendo que cada um delimitou um prazo próprio.

Isso, provavelmente, vai gerar atrasos na divulgação do resultado final, que só deve acontecer na semana seguinte da eleição. "Historicamente, nunca soubemos quem seria o presidente no dia da votação, mas este ano, certamente, teremos que ter muito mais paciência", disse à reportagem do Brasil de Fato Steve Olsen, presidente da BallotTrax, empresa de tecnologia que permite aos cidadãos de algumas regiões monitorar cada etapa de seu voto por correio.

Por enquanto, a organização monitora 80 milhões de cédulas nos cinco estados onde atua, e confirma a legitimidade do processo em todos eles. "É impossível pensar em um sistema fraudulento em massa, que consiga furar todas as etapas de segurança", completa Oslen. 

A fala do executivo vai contra a retórica de Donald Trump contra esse método eleitoral. "Cédulas por correios aumentam substancialmente o risco de crimes e de fraude eleitoral", twittou o republicano em abril deste ano, mesmo já tendo lançado mão desse recurso em eleições passadas. De lá pra cá, o presidente insistiu nessa teoria sem apresentar nenhuma prova de suas acusações.

Mesmo sem dados, a ideia se espalhou por parte do eleitorado estadunidense, sobretudo entre os republicanos. Essa descrença no processo eleitoral abre uma brecha para questionamentos em torno do resultado das urnas do país, independentemente de quem seja o vencedor – e essa é uma das maiores preocupações da advogada e professora de direito da Universidade de Georgetown, Rosa Brooks.

Inquieta com a possibilidade de Trump recusar o resultado da eleição e se negar a deixar a Casa Branca, Brooks reuniu um time renomado de juristas, cientistas políticos, jornalistas, congressistas, economistas e outros profissionais, entre democratas e republicanos, para explorar todos os desfechos possíveis da eleição por meio de um experimento interativo. Todos os cenários hipotéticos levantados pelo grupo levariam, inevitavelmente, à violência ou a um impasse político. 

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A descoberta ganha novos contornos quando contrastada com dados revelados pelo FBI referentes a pedidos de análise para porte de arma. Segundo a agência norte-americana, entre março e julho deste ano, houve um aumento de 93% das avaliações para manuseio de arma de fogo no país. 

Segundo o último levantamento da Small Arms Survey, órgão de pesquisa especializado no assunto, há 393 milhões de armas nos Estados Unidos. Isso significa que se cada homem, mulher e criança no país tivesse uma arma em seu poder, haveria ainda 67 milhões de armas extras. 

O problema é que, além de mais armada do que nunca, a população estadunidense também está mais polarizada. "Acho que nossa nação sempre foi dividida, não é algo que começou na eleição passada. Mas acho que esse alargamento da separação se deve, em boa parte, às mídias sociais, que permitem que os candidatos 'sussurrem' inverdades nos ouvidos de seus eleitores, sem que a sociedade possa rebater ou verificar as informações", afirma Tarun Wadhwa, autor, palestrante e pesquisador de mídias sociais e políticas.

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Apesar da sofisticação dos mecanismos de segmentação nas redes sociais, os algoritmos preveem a vitória do democrata Joe Biden. O projeto FiveThirtyEight, especializado em análises de probabilidades, simulou a eleição 40 mil vezes, com diferentes combinações de estado. A cada 100 possíveis resultados, Biden aparece como vencedor em 88 delas. Ainda segundo os cálculos do software, o estado da Pensilvânia pode decidir essa eleição – e as pesquisas apontam uma onda azul na região, com margem de 3,6% de vantagem. Os candidatos estão virtualmente empatados nos estados de Ohio, Maine, Iowa, Flórida e Texas.

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Para tentar dar um "empurrãozinho" nesses chamados estados-pêndulos, o gabinete do Partido Democrata na Califórnia aposta nos indecisos. "Estamos ligando para quem ainda não decidiu seu candidato em estados como Flórida e Arizona, porque eles têm as eleições nas mãos", disse Rusty Hicks, chefe do Partido Democrata na Califórnia, ao Brasil de Fato

Os republicanos, por sua vez, mantêm o positivismo. "Este foi, realmente, um ano incomum, mas à medida que avançamos para a reta final (da eleição), nos sentimos otimistas", ponderou Samantha Henson, porta-voz do Partido Republicano na Califórnia.

Cerca de 70 milhões de norte-americanos, ou um terço da população, já votou. Esse número é maior que a metade de todos os eleitores que foram às urnas na última eleição presidencial, em 2016.

Edição: Vivian Fernandes