ELEIÇÕES 2020

Candidaturas coletivas no RS lutam por representatividade

Microssérie do Brasil de Fato RS apresenta três grupos diversos que concorrem a uma vaga na Câmara de Porto Alegre

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Candidaturas coletivas trazem um nome na urna mas gestão do mandato é compartilhada - Freepik

Com a eleição de Jair Bolsonaro (sem partido), em 2018, o país viu se aprofundar ainda mais os ataques à democracia, às minorias, aos movimentos sociais, à juventude, permeados com discursos de ódio e intolerância religiosa. As eleições municipais de 2020 são a primeira oportunidade de mudar essa realidade através do voto para candidatos e partidos do campo democrático e popular. 

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Muitas candidaturas coletivas às câmaras de vereadores apresentam-se com esse objetivo. Reúnem pessoas com trajetórias similares e lutas em comum, normalmente ligadas a grupos com pouca representatividade institucional, mas um histórico de luta social junto a grupos ou localidades específicas.

Em Porto Alegre, três candidaturas coletivas mostram a potência desse tipo de proposta. Uma delas traz integrantes ligados à pauta da diversidade sexual e à problemática do povo negro. Outra traz militantes do movimento estudantil. E uma outra une fé e política em uma linha antifascista.

Dando sequência à microssérie do Brasil de Fato RS que apresenta as sete candidaturas coletivas a uma vaga na Câmara de Vereadores da capital gaúcha neste ano, conheça esses três coletivos:

Coletivo da Bancada Ativista (PCdoB)


Co-candidatos têm histórico na luta pela diversidade / Divulgação

“A política só é boa quando é participativa, plural diversa”, ressalta o bacharel em Direito, professor, assistente jurídico, fundador e apresentador da Parada de Luta LGBTI de Porto Alegre, militante dos povos tradicionais de matriz africana, Roberto Seitenfus. Robertinho, como é conhecido, é o cabeça de chapa da candidatura coletiva na capital da Bancada Ativista.

Os cinco integrantes são oriundos da Parada de Luta LGBTI de Porto Alegre e também dos povos de Matriz Africana. "O mandato surgiu como uma resposta dos ataques à comunidade LGBTI, dos direitos dos povos tradicionais de matriz africana, dos ataques à democracia do Brasil, fundamentalmente às ditas 'minorias'”, explica Robertinho.

Segundo levantamento da Aliança Nacional LGBTI+, até o momento, esta eleição traz à vereança 259 candidaturas LGBTI+ ou aliadas, 22 a prefeitura e sete a vice, número recorde na história do país.

Em 2016 a participação foi de 215; em 2012 foram 173, e em 2008, 81 candidatos. No Rio Grande do Sul, são 16 candidaturas a vereador e um à prefeitura. Além disso, pela primeira vez na história das eleições municipais brasileiras, eleitores e candidatos travestis e transexuais têm o nome social reconhecido.

:: Em alta no país, candidaturas coletivas prometem radicalizar democracia e diversidade ::

“A construção de diversas candidaturas LGBTIs no Brasil é fruto também do momento político grave que a gente vive, de ataque à democracia. A construção hoje de um governo como o Bolsonaro faz com que as ditas minorias se organizem e disputem de fato os parlamentos e os executivos. Por isso eleva cada vez mais a consciência política, pelo menos de uma parcela da comunidade LGBTI, de que assim como existe a bancada evangélica, a bancada fundamentalista religiosa, também precisamos começar a formar uma bancada da democracia, do amor, da liberdade que é a bancada da comunidade LGBTI também, junto com os povos de matriz africana, com as mulheres, com todos aqueles que prezam a liberdade e a democracia no Brasil”, frisa o candidato.

Na avaliação de Robertinho, o mandato coletivo significa o fortalecimento da luta contra a LGBTfobia, a intolerância religiosa, os discursos de ódio e o apagamento dos movimentos sociais. “A gente tem a certeza absoluta que uma coisa seria termos uma pessoa, de forma singular, individual fazendo a luta. Outra coisa, que é o que nos fortalece, é ter cinco pessoas juntas. Isso nos possibilita estar em cinco lugares ao mesmo tempo para desenvolver a luta.”

Para ele, o mandato só serve se for para impulsionar a luta dos movimentos sociais e fortalecer as pautas como moradia digna, saúde, educação, segurança, por geração de emprego e renda. “Ter uma candidatura coletiva é fortalecer justamente a possibilidade de estarmos no parlamento e um pé nas ruas, nos movimentos, em diversos espaços”, destaca.

Soma-se a Robertinho na bancada ativista: Regina Pouzer (mulher trans, militante LGBTI, integrante do NEPEGS do IFRS - núcleo sexualidade, foi organizadora do TransEnem POA, organizadora da Parada de Luta LGBTI, militante da ONG Desobedeça LGBTI); Ester Diamons (drag queen - artista LGBTI, apresentadora da Parada de Luta de Tapes - RS, cabeleireira, militante da ONG Desobedeça LGBTI, coordenação da Parada de Luta LGBTI); Biel Quadradinho (não-binário, professora, artista LGBTI - drag queen, cabeleireira); MC Lary (cantora e compositora, professora voluntária funk consciente, diretora da Associação Cultural e Social Vila Nova, coordenação da Parada de Luta LGBTI, militante dos povos tradicionais de matriz africana, da coordenação da ONG Desobedeça).

Ao comentar sobre a campanha, Robertinho diz que, em virtude da pandemia, ela tem sido inicialmente fria, há medo de pegar material, da aproximação. Mas, aos poucos, foi se aquecendo, com as redes sociais contribuindo para esse fortalecimento.

Ele reforça que os mandatos coletivos demonstram que a política não é algo individual, como a velha política costuma fazer. “A velha e podre política que é de governar para uma parcela minoritária da sociedade, para a burguesia e para grandes empresários. Mandatos como o das candidaturas coletivas demonstram que é possível se construir de forma horizontal, debatendo, construindo políticas junto e não separado”, finaliza.

 Giovani e Movimento Coletivo (PCdoB)


Coletivo traz oito jovens da luta estudantil como co-candidatos / Divulgação

Um grupo de oito jovens oriundos do movimento estudantil tem a proposta de constituir um “mandato-movimento”. Segundo o estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e presidente da União da Juventude Socialista (UJS) do Rio Grande do Sul, Giovani Culau, que foi candidato a deputado federal em 2018 e integra a candidatura, o coletivo reúne representantes das lutas em defesa da educação, em defesa da saúde, a luta das mulheres, a luta antirracista, a luta LGBT.

Nas suas palavras: “São oito megafones que aumentam a capacidade de ecoar pela cidade as nossas ideias, as nossas bandeiras de luta, a nossa disputa de ideias que é sempre um desafio para nós em qualquer processo eleitoral. Então, é o empoderamento na prática a partir desse processo eleitoral com a construção dessa candidatura coletiva”.

Além de Giovani, a candidatura é composta por Gerusa Pena (estudante cotista do curso de Direito da UFRGS, primeira presidenta negra da União Estadual dos Estudantes do RS), Tássia Amorim (estudante cotista de Pedagogia, nascida e criada na Restinga, representa as mulheres da periferia), Fabíola Loguercio (presidenta da UJS Porto Alegre, foi diretora de comunicação da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), Airton Silva (estudante de Saúde Coletiva, foi diretor de extensão da União Nacional dos Estudantes), Gabriela Silveira (estudante de Agronomia, foi duas vezes coordenadora geral do DCE UFRGS, hoje é vice-presidente da UNE), Paolla Borges (cirurgiã-dentista, é residente em Saúde da Família e idealizadora do projeto Dentista de Postinho) e Vivian Ayres (bacharela em Direito, servidora pública federal e mãe de um menino de oito anos, é professora em dois cursinhos pré-vestibulares na Lomba do Pinheiro).

:: Porto Alegre tem quatro candidaturas coletivas compostas só por mulheres ::

Giovani revela que o Movimento Coletivo nasceu antes da candidatura, como reação ao momento político brasileiro, após o golpe que destituiu a presidenta Dilma em 2016 e a posterior vitória de Bolsonaro. “A eleição de 2018 consolidou esse ciclo antidemocrático, autoritário, de ataque à soberania nacional e de retirada de direitos”, avalia, destacando que foi quando o campo democrático e progressista passou a refletir quais seriam as tarefas dali em diante.

“Então em 2019, ainda sem saber no final do ano quem seriam os co-candidatos e as co-candidatas, nós lançamos o Movimento Coletivo, sendo o movimento com três objetivos: eleger Manuela prefeita; construir na nossa cidade esse território livre do fascismo que se relaciona com as lutas em defesa dos direitos sociais, enfrentamento ao neoliberalismo, essa lógica que quer perpetuar as desigualdades e as exclusões sociais; e construir uma candidatura coletiva à Câmara de Vereadores de Porto Alegre”, explica.

Desde então, afirma, a construção foi coletiva com a participação do movimento, com realização de debates temáticos para definição das propostas da candidatura coletiva e para o programa da Manuela, além de muitas ações de solidariedade e campanhas de luta em pautas decisivas para as famílias em maior vulnerabilidade durante a pandemia. Segundo ele, se eleito, o grupo vai manter o formato de conquistar as decisões a partir encontros periódicos permanentes. “No intervalo desses encontros, a condução se dá a partir da coordenação desse movimento, que é exatamente hoje os nossos co-candidatos e co-candidatas”.

Giovani, que avalia como positiva a campanha, pois há um “sentimento de mudança, de transformação da cidade”, está atento ao que identifica como uma frustração muito grande da população com relação a transformação política. “Então, temos esse desafio de radicalizar a metodologia, a forma de representação, a forma de atuação e do fazer política, de transformar a política, e fazer isso defendendo aquilo que a gente acredita: a ampliação da democracia, ampliação da participação, ampliação da representatividade”, conclui.

Mandato Coletivo Cristãos Contra o Fascismo (PSOL)


Movimento pluripartidário nacional lançou chapa com quatro co-candidatos em Porto Alegre / Divulgação

Através de um movimento surgido em Porto Alegre, os Cristãos Contra o Fascismo pautam a ligação existente entre fé e política. O movimento rapidamente se espalhou pelo país, lançando em 2019 a iniciativa nacional da Bancada de Cristãs e Cristãos Contra o Fascismo. O movimento é pluripartidário, e tem mais de 40 candidaturas nas eleições de 2020, em nove estados brasileiros, pelos partidos PSOL, PDT, PT, UP, PCdoB, Rede e Cidadania.

O objetivo, segundo Tiago Santos, que é teólogo, mestrando em Educação e um dos fundadores do movimento, é “estabelecer uma trincheira de resistência ao discurso cristofascista dentro e fora dos espaços religiosos e resgatar o caráter socialista e revolucionário dos ensinamentos de Jesus de Nazaré”. Tarefa bastante ousada, tendo em vista a crescente presença de políticos que usam a religião para propagar uma política conservadora e antipovo.

Em Porto Alegre, a candidatura denominada Mandato Coletivo é vinculada ao PSOL. O grupo defende uma Porto Alegre verdadeiramente representativa, coletiva e humana. “Unir forças é uma alternativa para pessoas como nós, indígenas, mulheres, pretas e pretos, moradores da periferia da cidade, gente comum, que vive a cidade. É o nosso desejo de oxigenar a política com novas configurações, mais humanas e representativas”, destaca Tiago.

Ao lado de Tiago, fazem parte do grupo que concorre à vaga de vereador na Capital o psicólogo e técnico em enfermagem Cesar Souza, a professora Bianca Ramires e o indígena e estudante de direito Marcos Kaingang. Além da candidatura coletiva e do movimento dos Cristãos Contra o Fascismo, os quatro integram juntos o Coletivo Abrigo, uma pastoral de meio ambiente, direitos humanos, educação e assistência social.

::Artigo | Que tal voltarmos a falar de política, religião e futebol?::

Como explica Tiago, após a vitória de Bolsonaro ficou óbvio que não bastava somente denunciar injustiças. Tornou-se necessário ocupar espaços da política representativa, apresentando uma oposição política à chamada Bancada Evangélica e ao discurso fascista. Nesse sentido, a candidatura coletiva apresenta possibilidades para que possam travar esse combate: “Não faríamos de outra forma porque temos dificuldades de acreditar que o modelo antigo possa ensaiar novidades para a política”, afirma.

Os Cristãos contra o Fascismo enxergam nesta forma de apresentar candidaturas uma renovação da própria forma de atuação política. Ainda para Tiago, os mandatos coletivos forçam o sistema a se reinventar, tendo em vista que o modelo convencional já não dá conta de ser representativo e democrático como anuncia ser.

O movimento, em seu manifesto, se posiciona a favor da conversão e restauração das pessoas, da dignidade da pessoa humana, da acolhida dos sofredores e excluídos, do respeito às mulheres, da promoção da paz, da misericórdia e da caridade, dos refugiados e imigrantes e de todas as famílias. Da mesma forma, é contra a tortura, a pena de morte, os discursos de vingança e de ódio, o culto às armas, a xenofobia e toda forma de discriminação. Esta forma de exercer a sua fé enxerga que “o pecado se apresenta de forma também estrutural”, na forma de um capitalismo injusto, segregador e que espolia a riqueza das pessoas.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Katia Marko