"INCAPACIDADE MORAL"

Congresso do Peru afasta presidente após denúncias de corrupção

Martín Vizcarra nega as acusações: “Reafirmo ao povo peruano que estou partindo com a consciência limpa”

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Vizcarra assumiu em 2018 após renúncia do ex-presidente Pedro Pablo Kuczynski - Foto: Luka Gonzales/AFP

Martín Vizcarra foi afastado da presidência do Peru na noite desta segunda-feira (9) após decisão do Congresso peruano. A destituição foi aprovada ao final do segundo julgamento de impeachment do qual o político foi alvo em menos de dois meses devido a suposto envolvimento em casos de corrupção. 

Com 105 votos a favor do afastamento, 19 contra e 4 abstenções, a maioria dos congressistas considerou Vizcarra com "incapacidade moral" para continuar no cargo com base no artigo 113 da Constituição do país.

Com a vacância, Manuel Merino, líder do Congresso e integrante do partido de direita Ação Popular, assume o posto nesta terça (10) e deve exercer a função até julho do próximo ano. O político será o terceiro presidente do Peru desde 2016, um reflexo da fragilidade institucional do país.

Entenda as acusações

A queda de Vizcarra se soma a uma série de destituições e acusações de corrupção que protagonizaram a conturbada conjuntura política peruana nos últimos anos. 

O pedido de impeachment foi apresentado em outubro pelos parlamentares opositores após a imprensa divulgar depoimentos de colaboradores do Ministério Público que denunciaram o suposto pagamento de propina a Vizcarra pela construtora Obrainsa em troca da licitação de uma obra de irrigação quando o político era governador de Moquegua, região do Sul do Peru. 

A acusação faz parte da investigação do chamado “Clube da Construção”, como é denominado o esquema de empresas do setor que atuaram como cartel e dividiram as licitações de obras públicas entre 2002 e 2016.

Diversos meios de comunicação publicaram trechos de mensagens entre Vizcarra e um ex-ministro nas quais eles supostamente discutem um encontro com executivos das empresas de construção envolvidas com os atos ilícitos.

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O presidente já era alvo dos parlamentares há alguns meses. O pedido de afastamento anterior, que não angariou os números necessários de votos, acusava Vizcarra de pressionar duas funcionárias do governo a mentir em um inquérito sobre a relação dele com um artista.

O caso eclodiu em maio, quando a imprensa descobriu que o Ministério da Cultura teria oferecido contratos supostamente irregulares de US$ 10 mil  ao cantor e compositor Richard Swing. Áudios com conversas entre Vizcarra e Karem Roca, secretária-geral da Presidência, teriam mostrado a organização de visitas de Swing à sede do governo.

Defesa presidencial

Vizcarra, por sua vez, negou o que chamou de alegações "infundadas" e acusou o Congresso de "brincar com a democracia". O combate à corrupção foi a principal bandeira erguida pelo político desde que chegou à Presidência.

“Saio do Palácio do Governo como entrei há dois anos e oito meses, de cabeça erguida e pronto para enfrentar as investigações que correspondem ao enfrentamento da falsidade das denúncias no âmbito do devido processo”, disse, em pronunciamento após acatar a decisão dos parlamentares. 

O político negou as acusações de forma veemente. “Reafirmo ao povo peruano que estou partindo com a consciência limpa e com o dever cumprido. Esperemos que o Peru sempre siga o caminho do bem, esperemos que o futuro seja o melhor para os peruanos em breve vamos averiguar quais são as razões subjacentes à tomada das decisões hoje tomadas no Congresso ”, afirmou.

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Em outro momento, Vizcarra afirmou que apesar de ter comparecido ao plenário do Congresso para apresentar seus argumentos, os parlamentares não o ouviram. “E se me ouviram, não me entenderam”, declarou.

Ainda que as acusações pesem sobre o ex-presidente, segundo a Agência France Presse, pesquisas mostram que 75% dos peruanos queriam a continuidade do governo. Já o Congresso enfrenta 59% de desaprovação.

Algumas manifestações contra o afastamento foram registradas nas ruas de Lima na noite desta segunda (9).

Histórico conturbado

Vizcarra estava no cargo desde 2018, quando assumiu diante da renúncia de Pedro Pablo Kuczynski, de quem era vice-presidente. Justamente por isso, neste momento não há um substituto direto e cargo é ocupado pelo presidente da casa legislativa.

O político conhecido como PPK também foi acusado de corrupção e atualmente cumpre prisão domiciliar. Ele é investigado pelo recebimento de pagamentos irregulares da empreiteira brasileira Odebrecht quando trabalhava na gestão de Alejandro Toledo (2001-2006), ex-presidente processado pelo mesmo caso.

Além de Vizcarra, PPK e Toledo, os ex-mandatários Alan García (1985-1990 e 2006-2011) e Ollanto Humala (2011-2016) também foram acusados de participação em esquemas de corrupção.

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Escândalos envolvendo a Justiça peruana também trouxeram sérios desgastes políticos ao país. Gravações telefônicas entre membros do Conselho Nacional de Magistratura (CNM), órgão responsável por nomear e fiscalizar juízes, foram divulgadas pelo site IDL-Reporteros e mostraram magistrados de diferentes instâncias combinando sentenças. 

O caso ficou conhecido como “Lava Juiz”, em referência à Operação Lava Jato, que possui desdobramentos no Peru. 

Um dos vazamentos expôs o agora ex-juiz César Hinostroza, então presidente de uma das varas da Suprema Corte, negociando inocentar um homem acusado de estuprar uma criança.

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Como resposta aos escândalos, Vizcarra anunciou um pacote com reformas para combater os casos de corrupção em agosto de 2018. Quatro medidas foram levadas a referendo popular.

As propostas aprovadas consistem na reforma do CNM, alteram o modo como é realizado o financiamento aos partidos políticos e barram a possibilidade de reeleição de congressistas. 

Os peruanos negaram a adoção de um sistema bicameral, onde haveria uma câmara baixa (Câmara dos Deputados) e uma alta (Senado Federal). O país segue apenas com uma casa legislativa. 

Edição: Leandro Melito