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Brasil, a bala em lugar no voto

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Quando mais um ano está terminando sem que se saiba quem mandou matar Marielle e Anderson, também não se sabe como as milícias adquiriram tanta desenvoltura e impunidade - Fernando Frazão / Fotos Públicas
A violência está na carga genética de um país que foi escravocrata na maior parte de sua existência

O candidato a vereador Ricardo Moura, do Partido Liberal, gravava uma live na rua quando um desconhecido aproximou-se e desferiu-lhe dois tiros. No chão, o microfone do celular captou um palavrão e um longo grito de dor da vítima. Aconteceu em Guarulhos (SP) nesta semana.

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Foi apenas mais um incidente dramático na campanha de 2020 na qual, com frequência assustadora, a disputa tem trocado o voto pela bala.

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Que a violência está na carga genética de um país que foi escravocrata na maior parte de sua existência é uma obviedade. Mas, convenhamos: a violência está se tornando cada vez mais escancarada, desbravando fronteiras.

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Penetrou o terreno da política onde, embora pré-existente, era um pouco mais sutil. Note-se o caso do Rio: em 2020, seis pessoas já foram assassinadas durante a campanha no Estado. A mais recente delas o candidato a vereador Valmir Tenório, do PT de Paraty.

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Mas não é só o Rio ou São Paulo. No país, a cada 13 dias, acontece um atentado contra candidatos, pré-candidatos ou seus apoiadores.

Está no relatório Violência Política e Eleitoral no Brasil – Panorama das violações de direitos humanos de 2016 a 2020, realizado pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global. Outro levantamento, da revista Época, indica dez assassinatos de políticos no Brasil em menos de dois meses.

O estudo apurou que houve, pelo menos, 125 assassinatos ou atentados contra políticos entre 2016 e 1° de setembro de 2020. Foram 327 casos de violência política, incluindo 85 ameaças, 33 agressões, 59 ofensas, 21 invasões e quatro casos de prisão ou tentativa de detenção. E ocorreram em 24 Estados. São ataques que crescem contra políticos, acirrando-se após as eleições de 2018.

É uma brutalidade que se expressa especialmente nas eleições municipais, como as que teremos no final de semana. Em 87% dos atentados, as vítimas foram vereadores, candidatos à vereança, prefeitos ou postulantes à prefeitura.

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Os autores das intimidações e agressões costumam ser adversários políticos. Mas podem ser também a expressão do narcotráfico e de uma instituição que, no Rio, controla 57,5% da capital: a milícia. No território dos paramilitares, só faz campanha quem tem o respaldo dessa organização integrada por ex-policiais e policiais que aderiram ao crime. Candidatos são barrados e nem carros com adesivos podem circular. Como observa a antropóloga Jacqueline Muniz, a milícia já opera como “um partido político informal”.

Quando mais um ano está terminando sem que se saiba quem mandou matar Marielle e Anderson, também não se sabe como as milícias adquiriram tanta desenvoltura e impunidade. Mas é lícito imaginar que algum vínculo haverá com a eleição de um de seus admiradores confessos, Jair Bolsonaro, e sua pregação bélica. É algo que, diante da inação ou conivência das instituições, o jornalismo deveria revelar em vez de deixar esse encargo para a História.

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Leandro Melito