Chapa branca

Trabalhadores da EBC denunciam interferência do governo no programa "Sem Censura"

Nota da Frente Nacional em Defesa da EBC diz que a direção impõe convidados em vez de propor um debate aberto

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Programa tem uma das maiores audiências da TV Brasil - Reprodução / TV Brasil

A Frente Nacional em Defesa da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que reúne servidores públicos, sindicatos de jornalistas e profissionais preocupados com interferências do governo federal na emissora, denuncia esta semana mais uma mudança na programação sem participação do público ou da equipe produção.

O alvo da vez, ironicamente, é o programa "Sem Censura", criado em 1985 para celebrar a liberdade de imprensa e o fim da ditadura militar (1964-1985).

Segundo nota divulgada pela Frente, mudanças no formato tornarão o programa "chapa branca". "Desde que o governo Bolsonaro decidiu usar a TV Brasil para empregar amigos e fazer promoção pessoal, o Sem Censura vem sofrendo intervenções", diz o texto.

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A Frente Nacional em Defesa da EBC denuncia que a direção da empresa pretende impor convidados em vez de propor um debate aberto, o que tende a comprometer a pluralidade. 

"O programa de entrevistas – que antes tinha mais de duas horas de duração – hoje aperta convidados em 30 minutos, garantindo que não haja espaço para críticas ao governo, temas polêmicos ou destaque para a diversidade", ressalta a nota..

Um novo apresentador também deve ser escalado para a atração, que tem uma das maiores audiências da TV Brasil.

"Na prática, o governo acaba com o Sem Censura e com tudo o que o programa representa", diz o texto. Um dossiê produzido pelos próprios trabalhadores mostrou que, de janeiro a julho de 2020, o governo Bolsonaro interferiu 138 vezes na empresa.

Confira a nota na íntegra:

Com 35 anos de história, o Sem Censura, um dos programas de maior audiência da TV Brasil é o novo alvo de aparelhamento estatal. O vespertino – que ofereceu voz e espaço a vários setores da sociedade por décadas e tornou-se um marco após ditadura militar – foi totalmente reformulado pela nova gestão da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). As mudanças foram feitas de cima para baixo, sem a participação do público ou da produção da casa, para transformar o programa em mais um chapa-branca, com prejuízos à população. Um novo apresentador deve ser escalado para a atração, que terá formato próximo ao atual Roda Viva, da TV Cultura.

Desde que o governo Bolsonaro decidiu usar a TV Brasil para empregar amigos e fazer promoção pessoal, o Sem Censura vem sofrendo intervenções. O programa de entrevistas – que antes tinha mais de duas horas de duração – hoje aperta convidados em 30 minutos, garantindo que não haja espaço para críticas ao governo, temas polêmicos ou destaque para a diversidade.

Toda a história do Sem Censura e as perdas que o programa vem sofrendo nos traz a diversos questionamentos. Qual o motivo de tantas mudanças? Por que acabar com um espaço plural de debates, querido pela sociedade, reduzindo a frequência e o tempo? Qual interesse da direção da EBC em impor convidados em vez de propor um debate aberto? Hoje, o Sem Censura recebe sugestões até pelas redes sociais, onde também é transmitido ao vivo.

Criado em 1985 com o intuito de marcar a liberdade de imprensa e o fim da censura no declínio do regime militar, o programa se dispôs a debater diversos temas com pluralidade e transparência e a receber personalidade de destaque, especialmente da área cultural.

Marcado pela presença de mulheres fortes em seu comando, o programa acolheu a música, o teatro, o cinema, a literatura e as artes plásticas brasileiras. Ofereceu tempo de exposição e aprofundamento para artistas que divulgaram seus trabalhos e se sentiram confortáveis em estar em uma televisão que reconhecia seu valor e importância, assim como a dos seus projetos culturais.

O Sem Censura se consolidou ainda como um elo entre a TV Educativa e a nova TV pública. A transição da TVE até chegar à TV Brasil tem no Sem Censura um dos laços de uma identidade que preserva o sagrado compromisso com a sua audiência: trazer um conteúdo de qualidade e com participação ativa deste público, com o objetivo de construí-lo em conjunto. Por isso, além da pauta cultural, as pautas de serviços sempre fizeram parte das discussões do temas do programa, momento em que os espectadores opinavam e tiravam suas dúvidas.

Em 2020, no entanto, tudo o que o Sem Censura representava perdeu espaço. Sob administração dos militares, o vespertino sofreu um corte drástico e as primeiras intervenções no formato para desfigurar o modelo de entrevistas e debates na tv. Ainda no ar, de segunda a sexta, o programa tem apenas 30 minutos e passará a ser semanal, a partir do dia 16. A escolha dos convidados sai das mãos da produção interna da TV Brasil, feita pelo quadro de funcionários, e passa para a nova direção do programa, designada para alavancar a propaganda ao governo, como já denunciado no 2º Dossiê sobre Censura na EBC, de setembro deste ano.

Na prática, o governo acaba com o Sem Censura e com tudo o que o programa representa.

Alertamos para mais esse ataque à democracia, com a perda de um importante espaço de diálogo e de pluralidade na TV aberta.

A EBC não é do governo, a EBC é do povo!

Assinam:

Frente Nacional em Defesa a EBC e da Comunicação Pública
Comissão de Empregados da EBC
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal
Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo
Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão no Estado de São Paulo
Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão no Distrito Federal
Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão no Estado do Rio de Janeiro
Tereza Cruvinel, jornalista e ex-presidente da EBC
Laurindo Lalo Leal Filho, jornalista, professor e ex-Ouvidor Geral da EBC
Cristina Castro, coordenadora da Comissão Permanente de Comunicação e Liberdade de Expressão do Conselho Nacional dos Direitos Humanos

Edição: Leandro Melito