Democratização

Projeto pautado no Senado pode levar internet boa a zonas rurais e periferias urbanas

Texto prevê uso de fundo que já arrecadou R$ 20 bilhões para estruturação de redes em lugares com baixo índice de IDH

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Projeto de lei prevê infraestrutura de internet para zonas afastadas dos centros urbanos - Edilson Rodrigues/Agência Senado

Levar internet banda larga de qualidade a moradores de zonas rurais e periféricas urbanas é o principal motivo do projeto de lei 172/2020, texto previsto para ser votado nesta quinta-feira (19) no Senado Federal.

A proposta prevê uso do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), cujo valor arrecadado supera R$ 20 bilhões desde sua criação, em 2000, para financiar a expansão, uso e melhoria das redes e serviços de telecomunicações.

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O fundo é mantido principalmente a partir da contribuição de 1% sobre a receita bruta das operadoras de serviços de telecomunicações – apenas em 2019, por exemplo, foram arrecadados cerca de R$ 795 milhões.

O dinheiro, no entanto, nunca foi aplicado diretamente na área. Por estar dentro do orçamento federal, os recursos acabam usados para outras áreas, principalmente para o pagamento de dívidas públicas.

“É um recurso que nunca foi utilizado no setor. Foi pensando na época da privatização das telecomunicações no Brasil para cobrir uma falha de mercado, porque já se previa, com a privatização, que o investimento maior iria onde teria mais retorno, renegando as áreas de baixo interesse comercial, onde está a população de baixa renda”, explica a pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Cristiana Gonzalez, consultora da Coalizão Direitos na Rede.

Já se previa, com a privatização, que o investimento maior iria onde teria mais retorno

O texto prevê que o fundo poderá ser aplicado em projetos desenvolvidos pelo poder público, como prefeituras, ou em iniciativas da própria população, como bibliotecas comunitárias. Para Cristiana, levar redes às áreas mais remotas do país é urgente.

“É fundamental que a gente tenha um plano estratégico que forneça essa infraestrutura para toda a população brasileira, porque as políticas vão se acumulando e assim vão se acumulando as desigualdades também”, diz.

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A pesquisadora ressalta que o acesso aos conteúdos online é preponderante para a formação de cidadãos informados e com capacidade crítica.

“A importância é você prover maiores oportunidades de acesso a conteúdo que está na internet, desde culturais a educacionais, informação mesmo. A gente discute muito a desinformação, e eu acho que uma das raízes está em justamente termos um acesso precário ao conteúdo da internet.”

O projeto pode mudar a realidade de pessoas como o agricultor familiar Willian Clementino da Silva Matias, de 40 anos. Ele cursa direito na Universidade Federal do Goiás, pelo Programa Nacional de Educação nas Áreas da Reforma Agrária (Pronera), mas mal consegue ter acesso ao material de estudo porque a internet não chega à casa dele.

"Temos limitações pela ausência de internet na nossa casa, pois o pouco sinal que tem não é suficiente sequer para fazer chamadas. Nesse sentido, faz-se necessário buscar na vizinhança que possui internet com muito limite. Se tivéssemos internet dedicaria um bom tempo principalmente a noite para estudos, pesquisas e a produção do meu Trabalho de Conclusão de Curso. Hoje, a internet é essencial para campo", diz Willian.

O agricultor afirma que precisa ir até a casa do pai, a 600 metros, para usar uma rede 3G, ainda assim limitada. Ele diz se sentir vítima de um sistema cruel. "O sentimento de exclusão e de atraso por não ter internet, me torna impotente, fragilizado, além do que as pessoas pesam e falam sobre. Já sinto até timidez em repetir por diversas vezes minha situação, pois não sou vitima pessoalmente, sou vitima de um sistema politico cruel que é excludente de classe, raça, o 'capitalismo selvagem'. Contudo, sigo lutando acreditando que meu grito falará por muitos mais invisíveis do que eu".

Pequenos servidores

Além da equalização socioeducacional, o uso do Fust também pode contribuir para que o mercado seja mais competitivo aos pequenos empresários, segundo Marina Pita, jornalista e coordenadora do Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social).

Para isso, o projeto prevê a criação de um “fundo garantidor” para pequenos servidores. “Os bancos não aceitam como garantia o carro do pequeno provedor, a casa do pequeno provedor ou mesmo uma rede do pequeno provedor. Um dos pontos mais importantes é a possibilidade de usar o Fust para fazer um fundo garantidor. Ele dá uma garantia para o empréstimo dos pequenos provedores. Isso é fundamental, porque são esses caras que levam banda larga para interior do Brasil”, afirma Marina.

Com o fundo garantidor, também se assegura que os investimentos não furem o “teto de gastos”, limitação orçamentária prevista pela Emenda Constitucional 95, de 2016. “Se você usa esse recurso do Fust para fazer o fundo garantidor, você não ultrapassa o teto dos gastos, porque não é um gasto”, simplifica a coordenadora do Intervozes.

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Documento

A Coalizão Direitos na Rede, formada por mais de 40 organizações acadêmicas e da sociedade civil em defesa dos direitos digitais, divulgou um documento em que pede que os senadores priorizem a aprovação do texto. O apelo é para que a votação seja tratada como urgente. Leia o documento completo.

"Considerando o contexto de crise econômica e de saúde pública que vivemos atualmente, torna-se urgente a aprovação do PL 172/20 que trará inúmeros benefícios para a sociedade, de forma que deve ser prioridade na agenda do Congresso Nacional", dizem as entidades no texto.

Edição: Rodrigo Chagas