Povos indígenas

Agricultura do Rio Negro (AM): preservação ancestral e dinâmica de inovações

Saberes milenares de 23 etnias do Alto e Médio Rio Negro foram reconhecidas como patrimônio cultural há uma década

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ISA atua há mais de 25 anos em parceria com organizações indígenas no território do Alto e Médio Rio Negro - Carla Dias
A Agricultura Tradicional do Rio Negro não está restrita em plantar, mas em saber

Faz uma década que o Estado brasileiro reconheceu as práticas milenares de 23 povos indígenas do Alto e Médio Rio Negro, no Amazonas. A data de 10 de novembro de 2010 marca o registro de saberes ancestrais de cerca de 80 mil pessoas como um patrimônio cultural do país.

O Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro junta tanto a preservação das ancestralidades quanto a dinâmica das inovações entre a diversidade de etnias presentes no território. Assim, é desejo dos povos e dever do Estado, por exemplo, defender os saberes acumulados na relação com a biodiversidade e ampliar as redes de comercialização no território.

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Sandra Gomes é presidenta da Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro (ACIMRN), localizada no município de Santa Isabel do Rio Negro (AM). Ela faz parte da etnia baré e questiona a própria ideia das pessoas que ainda enxergam as perspectivas e cosmologias indígenas como atrasadas e estagnadas.

"Os saberes e fazeres dos próprios povos indígenas são vistos como saberes vivos e que vem se perpetuando a milhares de anos, frente a outros saberes que são impostos nas nossas culturas, mas que não se perpetuam como os saberes dos povos indígenas", ressalta.

Ou seja, na visão de  Sandra Gomes, o pensamento moderno seria mais uma tentativa de interrupção da perspectiva indígena que um anúncio de progresso. Apesar disso, ela reconhece os desafios nas comunidades, a exemplo da influência da indústria alimentar, principalmente entre o público mais jovem.

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A antropóloga Carla Dias, do Instituto Socioambiental (ISA), participou da solicitação de registro dos saberes indígenas Alto e Médio do Rio Negro no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).


Segurança alimentar é uma das riquezas preservadas entre as 23 etnias / Pedro Portella e Julia Baretto

Ela ressalta que a maior ameaça ao Sistema Agrícola do Rio Negro é a falta de reconhecimento das potencialidades produtivas, de segurança alimentar e de preservação da biodiversidade.   

Ao mesmo tempo, Carla Dias cita um dos projetos do ISA ao longo dos 25 anos de atuação com organizações indígenas do território

"São as compras institucionais. Compra de produtos agrícolas por instituições públicas. Então são as merendas regionalizadas, as compras que vão para o lanche das instituições públicas. E isso vem sendo destacado pelas associações indígenas como um projeto exitoso e que pode salvaguardar esse modo de vida tão rico e potente", avalia.

Sandra Gomes reforça a proposta de expansão da comercialização entre as 23 etnias. Entre a dinâmica de inovações e o resgate de ancestralidades, ela destaca a permanência do conceito de Bem Viver entra a diversidade dos povos, que no passado viviam em conflitos.

“A Agricultura Tradicional do Rio Negro não está restrita em plantar, mas em saber, ter esses conhecimentos. E o que nos faz, de um modo, fazer o Bem Viver são essas harmonias das trocas das plantas, harmonia das trocas das manivas, harmonia da troca dos saberes, onde todas as etnias fazem as trocas dos seus saberes entre os povos”, explica.    

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A Agricultura Tradicional do Rio Negro fornece uma variedade de saberes e sabores entre todos os 23 povos. Mas um dos principais alimentos é a mandioca.


Políticas públicas podem preservar biodiversidade e riqueza de sabores da região / Pedro Portella e Julia Baretto

De acordo com o Iphan, são mais de 300 variedades cultivadas. Tradicionalmente são realizadas atividades de colaboração em interdependência no território, como a preservação e troca de sementes.

O  espaço do Sistema compreende 9 terras indígenas totalizando onze milhões e seiscentos mil hectares. Os povos que participam da rede são Arapaso, Makuna, Baniwa, Bará, Barasano, Baré, Desana, Dâw, Hupdha, Karapanã, Kotiria, Kubeo, Koripako, Miriti-Tapuya, Nadëb, Pira Tapuya, Siriano, Tariana, Tukano, Tuyuka, Tapuya, Warekena e Yuhupdhë.

Edição: Douglas Matos