negócio da pandemia

Artigo | Vacinas, riscos e negócios, por Silvia Ribeiro

Desenvolvimento de vacinas para covid-19 é um jogada histórica de lucro para a grande indústria farmacêutica

Tradução: Luiza Mançano

Agência Latino-americana de Informação (Alai) |
 As empresas que anunciaram uma eficácia de mais de 90% em suas vacinas para covid-19, a Pfizer/BioNtech e a Moderna, utilizam uma nova técnica de engenharia genética (mRNA) nunca antes testada em humanos
As empresas que anunciaram uma eficácia de mais de 90% em suas vacinas para covid-19, a Pfizer/BioNtech e a Moderna, utilizam uma nova técnica de engenharia genética (mRNA) nunca antes testada em humanos - Foto: Drew Angerer/AFP

O desenvolvimento de vacinas para covid-19 é uma jogada histórica de lucro para a grande indústria farmacêutica. Não apenas por alcançarem eficácia e vendê-la, mas também devido à especulação financeira desde antes e, sobretudo, graças aos enormes subsídios governamentais que estão recebendo. Segundo o Financial Times, a venda da vacina pode representar um lucro puro, porque os custos já foram cobertos antecipadamente com dinheiro público.

Outro aspecto muito preocupante: as empresas que anunciaram uma eficácia de mais de 90% em suas vacinas para covid-19, a Pfizer/BioNtech e a Moderna, utilizam uma nova técnica de engenharia genética (mRNA) que nunca foi testada em humanos. A vacina é experimental não só pela emergência de covid-19, mas em sua própria técnica e efeitos imprevistos em geral. As afirmações de que são seguras são muito mais uma bravata comercial: não há como garantir que elas estejam livres de riscos a médio ou longo prazo.

Ou até mesmo a curto prazo, porque ainda não se sabe ao certo quais são os efeitos detectados ou não relatados. Em relação a isso, a União de Cientistas Comprometidos com a Sociedade e a Natureza na América Latina (UCCSNAL) fez um pronunciamento explicando os riscos potenciais e pedindo extrema cautela e uma avaliação independente antes da autorização de vacinas transgênicas.

As empresas sabem dessa falta de certeza. O CEO da Pfizer, Albert Bourla, tinha calculado friamente a venda de uma grande quantidade de suas ações no dia do anúncio da nova vacina, quando sofreram um súbito aumento de valor, pelo qual ele obteve US$ 5,6 milhões. A vice-presidente da empresa, Sally Susman, também vendeu ações naquele dia por 1,8 milhão de dólares. Além da deslealdade (permitida), isso revela que ambos calcularam que, em breve, suas ações podem cair. As ações da Pfizer subiram 7,7% e as ações da BioNtech, 13,9%. As ações da Moderna cresceram uma semana depois (13%).

Precisamos lembrar que o principal interesse das grandes multinacionais farmacêuticas não é a saúde, mas o lucro. Na verdade, seu cliente ideal são pessoas doentes, porque pessoas saudáveis ou mortas deixam de consumir. Esta indústria tem obtido tamanha  porcentagem de lucro que foi submetida a análises de várias comissões de concorrência, mesmo nos Estados Unidos, que confirmaram que elas tinham um retorno lucrativo mais alto do que muitos outros setores industriais. Além disso, elas têm um longo e péssimo histórico de reconhecer seus erros e assumir os graves efeitos colaterais que causaram a várias pessoas, bem como de assumir seus custos e indenizá-las. De acordo com uma pesquisa realizada pela Gallup, em 2019, as empresas farmacêuticas foram as mais mal avaliadas pelo público dos Estados Unidos, à frente, inclusive, das indústrias de petróleo e gás ou as de publicidade, devido aos seus abusos.

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No início da pandemia em 2020, várias grandes empresas farmacêuticas hesitaram em investir em vacinas porque, com as epidemias anteriores, os vírus sofreram mutações e elas não foram consideraram um bom investimento. Anna Gross relata, no Financial Times, que as empresas mudaram de ideia quando viram que o contágio acontecia entre pessoas e que isso garantiu uma área maior e um período de permanência muito maiores no caso desta pandemia. Mas o principal fator, acrescenta, foi a quantidade "sem precedentes" de subsídios governamentais, especialmente nos Estados Unidos. A operação “Warp Speed" da administração estadunidense deu US$ 1,2 bilhões à AstraZeneca; US$ 1,5 bilhões à Johnson and Johnson; 1,6 bilhões à Novavax; 1,95 bilhões à Pfizer; 2 bilhões à Sanofi/GSK e 2 bilhões à Moderna, incluindo investimentos e acordos de compra. David Mitchell, da associação civil Patients for Affordable Drugs [Pacientes por medicamentos acessíveis], salientou que, no caso da Moderna, o governo parece ter pago todos os custos de pesquisa e desenvolvimento, portanto, o alto preço de venda anunciado (60 dólares por vacina, 3-6 vezes mais alto que outras vacinas em andamento) corresponderia apenas ao lucro da empresa. A colaboração da Moderna com o Instituto Nacional de Saúde dos EUA, liderado por Anthony Fauci, proporciona ainda mais recursos públicos, tais como recrutamento e supervisão de voluntários, etc., para o desenvolvimento de vacinas. 

A Moderna ainda espera lucros adicionais de outras vacinas que estão a caminho, com a mesma tecnologia do mRNA, cuja eficácia nunca foi comprovada. Graças à necessidade de aprovação urgente devido à pandemia, as empresas esperam poder comercializar as outras dessas vacinas em breve.

Não podemos permitir que esta indústria lucrativa prossiga sem avaliações independentes rigorosas no maior experimento transgênico humano realizado até hoje. Tampouco podemos permitir que sejam apoiadas por dinheiro público, com testes realizados em voluntários que não estão informados sobre o verdadeiro espectro de riscos e incertezas em jogo. A vacina é a mais estreita das abordagens na pandemia, e não vai resolvê-la. Na verdade, espera-se que este mercado permaneça por anos. O que é necessário é questionar as causas e prevenir. Além disso, há outras vacinas em desenvolvimento que não acrescentam a nova camada de risco dessas novas vacinas da Pfizer, Moderna e outras vacinas de RNA e DNA.

*Silvia Ribeiro é integrante do Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC).

Edição: ALAI