Interventora

Reitora nomeada em Sergipe é da mesma igreja do ministro da Educação, Milton Ribeiro

Professora Liliádia Barreto não fazia parte da lista tríplice e sequer se candidatou ao cargo na UFS

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Pastor Milton Ribeiro é ministro da Educação do governo Bolsonaro desde julho - Isaac Nóbrega/PR

A professora do curso de Serviço Social, Liliádia da Silva Oliveira Barreto, foi empossada no último dia 23 pelo Ministério da Educação (MEC) como reitora pro tempore da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Assim como o ministro Milton Ribeiro, que a nomeou, ela frequenta a Igreja Presbiteriana do Brasil.

Barreto jamais se candidatou ao cargo na reitoria. Foi o sétimo caso em que o governo Bolsonaro nomeou para o cargo de reitor um docente que não constava na lista tríplice enviada pela universidade ao MEC após consulta pública.  

Milton Ribeiro é pastor presbiteriano e integra o governo Bolsonaro desde 16 de julho. Nos 40 primeiros dias de gestão, ele nomeou dois presbiterianos para cargos-chave no MEC: Alysson Carvalho, ligado ao Instituto Presbiteriano, para o Conselho Nacional de Educação, e Inez Augusto Borges, como assessora especial do Ministério.

Perfil

Integrantes da comunidade presbiteriana em Sergipe, que não quiseram se identificar, confirmaram ao Brasil de Fato que Liliádia frequentava cultos e atividades da igreja há pelo menos dez anos e que seu esposo, Silas Barreto, atuou como diácono presbiteriano em Aracaju (SE). Os dois são casados desde 1994 e têm duas filhas.

Eleitos pela igreja e ordenados por um conselho, os diáconos se dedicam a obras de caridade e são responsáveis por garantir a ordem na igreja e “nos lugares reservados ao serviço divino”.

Aos 50 anos, Liliádia Barreto não tem experiência administrativa e nunca chefiou o departamento de Serviço Social da UFS, onde é vista como “peixe fora d’água”. Quase todos os colegas seguem a linha crítica, baseada no pensamento econômico da obra de Karl Marx, predominante no país desde a década de 1980, enquanto a nova reitora entende a profissão desde um ponto de vista “mais liberal e tradicional”, conforme descreveu um ex-aluno que não quis ser identificado.

O Conselho Departamental de Serviço Social da Universidade Federal de Sergipe (DSS/UFS) criticou a professora por assumir “vergonhosa posição de intervenção, como parte do projeto bolsonarista” e ressaltou o compromisso do departamento com a defesa do Estado laico.

“Tomamos com profunda indignação a indicação e o aceite da nomeação da referida professora e colega desse departamento, de modo que repudiamos o modo como se deu tal indicação, bem como o seu aceite”, informou o Conselho por meio de nota. “Reafirmamos o compromisso histórico-político desse Departamento com um projeto de universidade assentado na laicidade, no seu caráter público, na autonomia, bem como na defesa intransigente da democracia”.

Associação de Pós-Graduandos e Pós-Graduandas da Universidade Federal de Sergipe (APG), o Sindicato dos Trabalhadores Técnico-administrativos em Educação da UFS (SINTUFS), o Diretório Central de Estudantes (DCE) e a Associação dos Docentes da Universidade Federal de Sergipe (ADUFS) também protestam contra a posse da reitora pro tempore, à qual se referem como interventora.


Natural de Nilópolis (RJ), Liliádia Barreto assumiu reitoria da UFS sob protestos no dia 23 de novembro / Divulgação

Em sala de aula

Nascida em Nilópolis (RJ), Liliádia Barreto prestou concurso público para o Departamento de Serviço Social da UFS em 1997. Havia uma vaga para docente, e ela ficou em segundo lugar. Depois de recorrer à Justiça, foi admitida como professora em 2006.

Uma ex-aluna formada em 2010, que não quis se identificar, lembra que as três primeiras turmas que tiveram aulas com Liliádia entregaram abaixo-assinados à chefia do departamento para que a professora fosse substituída. “Ela não escondia sua visão política de direita. Na aula dela, a sala ficava esvaziada, porque era uma perda de tempo. O material didático e a ementa diziam uma coisa, mas ela ensinava outra”, relata. “A nomeação foi uma surpresa para todo mundo, e mostra como a direita está organizada na universidade”.

Caio Graco teve aulas com Liliádia na disciplina Seguridade Social, em 2019. Foi a primeira disciplina que ela ministrou após concluir os estudos de doutorado em Saúde Coletiva na Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IMS/UERJ).  

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Como o período coincidiu com os debates sobre a reforma da Previdência no Congresso Nacional, as divergências entre estudantes e professora ficavam evidentes.

“Havia bastante atrito. Enquanto a turma fazia a crítica, ela dizia que era necessário fazer a reforma, mas às vezes se eximia de insistir nesse posicionamento, porque havia uma diferença de visões muito grande”, lembra o estudante, que é membro do Centro Acadêmico de Serviço Social Maria Anízia Góis de Araújo (Cassmaga). “Ela é uma liberal convicta, de direita”.

Mais uma vez, os estudantes foram ao departamento para pedir a substituição da professora, mas não tiveram a demanda atendida.

Caio Graco ressalta que o vínculo da professora com a igreja é conhecido pelos estudantes, mas não impactava diretamente no ensino.

“Como a disciplina [Seguridade Social] era mais técnica, ela não conseguia tanto colocar suas ideias religiosas”, lembra. “Em outras disciplinas, já não posso falar. Transparecia em algumas falas, como ‘A Deus toda glória’, toda hora falando ‘Deus, Deus, Deus’... mas não que isso implicasse na aula em si”, lembra Graco.

O discurso de posse, no dia 23, deixou claro que a professora não esconde sua fé religiosa.

“Rogo ao Deus Altíssimo o direcionamento para tomar decisões apropriadas com excelência. (...) A Ele toda glória”, disse. “Que Deus nos abençoe” foram as palavras finais do discurso.


Estudantes, servidores e professores protestam contra a intervenção na UFS / Reprodução/Sintufs

Impasse

A expressão pro tempore significa temporário. O motivo alegado para a nomeação de um nome fora da lista tríplice foi a “não conclusão” do processo de escolha do reitor que sucederia ao professor Angelo Antoniolli, cujo mandato terminou em dia 18 de novembro. A eleição foi realizada em 15 de julho.

Dois dias antes do fim do mandato, Antoniolli recebeu um ofício do Ministério informando que havia um inquérito civil do Ministério Público Federal (MPF) para apurar uma suposta irregularidade no processo eleitoral e solicitando esclarecimentos. O então reitor explicou que o inquérito tratava de questões já decididas pela Justiça Federal – tanto que acabou arquivado em 25 de novembro.

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No último dia 27, o MPF instaurou um novo inquérito, desta vez para apurar eventual ofensa ao princípio da autonomia universitária no processo de nomeação de Liliádia. O MEC e a reitora deveriam informar, em até 72 horas, as razões do desrespeito ao processo de escolha do reitor com base na lista tríplice. Não houve resposta até o momento.

Outro lado

O Brasil de Fato entrou em contato com as assessorias do Ministério da Educação e da reitora Liliádia Barreto para comentar as informações levantadas pela reportagem, mas não houve retorno. A matéria será atualizada assim que as respostas forem enviadas.


Mapa da intervenção do MEC sob governo Bolsonaro / Arte: Brasil de Fato

Edição: Rogério Jordão