CEEE-D

Governo do RS manobra e publica edital de privatização de distribuidora de energia

Entidades contestam argumentos do governo; leilão está previsto para fevereiro

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Governo Leite publicou edital de leilão da CEEE - Distribuição; Procedimento é contestado sob argumentos econômicos e técnicos - foto Fernando Vieira/CEEE

O governo Eduardo Leite (PSDB) deu prosseguimento ao plano de vender o braço de distribuição da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE-D), ao publicar nesta terça-feira (8) o edital de privatização. Como noticiado no Brasil de Fato RS, o governo do RS abriu mão de bilhões de reais para viabilizar venda da CEEE-Distribuição, fazendo manobra contábil para abater cerca de R$ 2,8 bilhões em dívidas com objetivo de viabilizar o leilão.

Não fosse por essa intervenção do governo estadual, o leilão não seria possível. Após o sucesso da operação, a CEEE-D pode ir ao balcão de negócios, partindo do preço mínimo de apenas R$ 50 mil.

Os quase R$ 3 bilhões abatidos das dívidas foram para reduzir parte da dívida que a CEEE-D tem de ICMS não pago ao próprio governo do estado. ICMS é a sigla para Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, cobrança que incide sobre produtos da indústria, combustíveis, alimentos e bebidas, por exemplo.

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No caso da CEEE, o ICMS é cobrado dos consumidores na conta de luz, valor este que deveria ser repassado para o Tesouro do Estado, algo que deixou de ser feito durante os governos Sartori e Leite. A administração da CEEE, que é escolhida pelo governo, decidiu não fazer esses pagamentos, resultando em um grande endividamento da CEEE-D nos últimos anos. A existência dessa dívida, inclusive, foi um dos principais argumentos usados pelo governo para a venda. Uma dívida que o próprio governo Leite ajudou a aumentar.

O próprio governo admitiu que o procedimento foi uma manobra contábil, ao definir a operação como "dação de pagamento", termo jurídico utilizado para quando um credor aceita como pagamento algo que não estava previamente acordado. Ou seja, o governo não só abrirá mão desse valor de ICMS, mas fará uma injeção de R$ 2,8 bilhões no caixa da CEEE-D para garantir sua venda, visto que, com a dívida total de R$ 4,4 bilhões de ICMS, o controle acionário da empresa não poderia ir a leilão.

O argumento do governo é de total falta de alternativas para a companhia, que precisa ser privatizada por ser deficitária e ineficiente: "Ao abrir mão de R$ 2,8 bilhões, o governo do estado assegura o recebimento de R$ 1,6 bilhão. Se não privatizasse, teria de liquidar a empresa, porque não conseguiria manter a concessão", disse Artur Lemos, secretário do Meio Ambiente e Infraestrutura.

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Funcionários da CEEE discordam

Funcionários do Grupo CEEE contatados previamente pela reportagem, na condição de anonimato, relataram haver diversas outras alternativas que não impliquem na venda de ativos. Argumentam que, apesar do braço de distribuição ser deficitário, a CEEE como um todo presta um serviço de qualidade, é lucrativa e realiza investimentos. Ou seja, as soluções para a distribuição estão dentro do próprio grupo CEEE, inclusive dispensando o investimento do estado. Ao contrário, privatizar a CEEE vai simplesmente deixar dívidas para o próprio estado, como admite o governo ao afirmar que os "passivos trabalhistas permanecerão na companhia".

Para se ter uma ideia da capacidade de investimento da CEEE como um todo, pode-se usar como exemplo a participação da CEEE-GT em leilões de novos empreendimentos, sendo que atualmente, se prepara para participar do Leilão Aneel 001/2020, previsto para ainda este ano, com três lotes no Rio Grande do Sul.

Além disso, em 2020, a CEEE-GT investiu cerca de R$ 83 milhões, além dos cerca de R$ 170 milhões em 2019, o que demonstra que a empresa tem alto poder de investimento em melhorias do sistema. O lucro líquido da CEEE-GT, em 2019, foi de R$ 391 milhões, além de existirem participações da CEEE-GT em outras empresas, que, sozinhos, podem valer cerca de R$ 1,5 bilhão.

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Caos de energia no Amapá deveria servir de alerta

A distribuição da energia elétrica é uma área estratégica, devido à tamanha dependência do uso deste tipo de energia. O recente caos gerado pela falta de energia elétrica na maior parte dos municípios do estado do Amapá deveria acender um alerta para o Rio Grande do Sul, no momento em que o estado do norte teve privatizada a distribuição de energia, tal qual se pretende agora no RS.

Segundo Sandro Peres, do grupo de apoio aos funcionários da CEEE, o apagão do Amapá aconteceu por haverem lógicas distintas no funcionamento de empresas públicas e privadas: “Uma falha desta magnitude jamais aconteceu em nosso estado devido aos excelentes índices de disponibilidades de energia elétrica apresentado pela CEEE junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).” Ele afirma ainda que, enquanto nas empresas públicas há uma constante preocupação e preparação para cenários de contingência, nas empresas privadas o foco é sempre voltado para o atendimento imediato.

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Outras entidades também se manifestam

Também contrário à venda da CEEE-D, o Sindicato dos Eletricitários do RS (Senergisul) se posicionou sobre o assunto ao ser consultado pela reportagem:

"Somos totalmente contrários à privatização das Empresas que compõe o Grupo CEEE. Se observarmos a história recente vemos uma privatização de 2/3 da Distribuição de Energia no Estado, ocorrida em 1998, onde o passivo e os compromissos ficaram como herança maldita para a Empresa Estatal. Pois a CEEE, mesmo com esse ônus buscou bons resultados, mesmo sendo obrigada a comprar energia de Itaipú em dólar e sendo administrada por políticos que nada tem a ver com o negócio da companhia. Mesmo assim, a CEEE tem feito muitos investimentos e se creditando com potenciais valores financeiros devido pelo governo federal, ultrapassando a ordem de R$ 8 bilhões".

A direção do Senergisul reforça que a CEEE-GT é superavitária, enquanto a Distribuidora é deficitária por más gestões dos últimos governos. Mesmo assim, ressaltam que existem alternativas para a redução do déficit da Distribuidora.

César Augusto, presidente do Sindicato dos Técnicos Industriais de Nível Médio do RS (Sintec), que representa trabalhadores de diversas empresas públicas e privadas do setor, entre elas os técnicos industriais da CEEE, também contatado pelo BdF RS, comentou o processo de privatização no mesmo sentido dos eletricitários:

"Em 1997, infelizmente, a empresa passou por um processo de privatização, onde teve cerca de dois terços vendidos. O terço remanescente ficou muito prejudicado, pois teve que arcar com todo o passivo da empresa. Mesmo com esse cenário adverso, a empresa sempre conseguiu se qualificar como uma das melhores do Brasil, em indicadores de avaliação junto aos consumidores".

César ainda lembra que, a posição do Sintec de defesa da empresa passa pelo entendimento de que as empresas públicas terão um papel fundamental no cenário pós pandemia, lembrando que os grandes investimentos são feitos por empresas públicas: "existem uma série de investimentos que precisam ser feitos em linhas de transmissão e subestações, obras estas que poderiam ajudar em uma retomada econômica".

Infelizmente, os argumentos econômicos e técnicos não foram suficientes para mover o governo na decisão de encaminhar a privatização. Ao que tudo indica, há uma motivação ideológica nas ações do governo, afirmou um funcionário contatado.


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Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira