Rio Grande do Sul

Agrotóxico

"O Parlamento gaúcho não se vergará aos interesses da indústria química"

A afirmação é do advogado e ex-deputado Antenor Ferrari, autor da Lei dos Agrotóxicos no Rio Grande do Sul

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Para Antenor o uso indiscriminado de veneno, além de atacar a população, também fere o direito à saúde pública - Divulgação/MST

O advogado e ex-deputado Antenor Ferrari, autor da Lei dos Agrotóxicos no Rio Grande do Sul, emitiu opinião em apoio à mobilização contra o Projeto de Lei 260/2020, de autoria do governo do estado. O projeto tramita na Assembleia Legislativa em regime de urgência, e poderá ser votado a partir do dia 15 de dezembro para não trancar a pauta.

Diante da ausência de diálogo do governo gaúcho com a população e das graves consequências desse projeto, diversas entidades de todos os setores da sociedade assinaram carta pública de mobilização contra o PL 260. O documento, disponível para quem quiser assinar, já conta com mais de 200 assinaturas. Acesse: https://bit.ly/CartaPúblicaDefesaDaVida

Autor da Lei dos Agrotóxicos, Antenor Ferrari era deputado do MDB, em 1982, quando criou a Lei. A proposta ganhou repercussão estadual e nacional por ser a primeira lei de controle de aplicação de venenos agrícolas e insumos químicos, por agricultores, na produção de alimentos em países considerados de terceiro mundo.

Em seu texto, enviado ao deputado estadual Edegar Pretto (PT), coordenador da Frente Parlamentar Gaúcha em Defesa da Alimentação Saudável, Ferrari lembrou que o projeto, de sua autoria, foi construído por muitas mãos e inteligências de quase uma centena de entidades da sociedade civil, ligadas à agricultura, saúde e meio ambiente, universidades, sindicatos na área agrícola, saúde e ambiental, OAB e imprensa.

O ex-deputado diz que a lei representou um marco contra a utilização indiscriminada de produtos agroquímicos, que torna os agricultores, por manipularem os produtos, e os consumidores pelo consumo, suas grandes vítimas. “No ato mais essencial de nossas vidas, o nosso alimento diário, somos traídos pela falta de escrúpulo da indústria química, que envenena nossos corpos, dos nossos filhos e netos”, cita.

Neste ano, a Lei dos Agrotóxicos completou 38 anos de vigência, sem modificações, apesar das constantes tentativas de mudança. Antenor Ferrari acrescenta que o uso indiscriminado de veneno, além de atacar a população, também fere o direito à saúde pública. “Não se trata de uma simples lei, mas de um direito natural e universal à vida e saúde pública”, ressalta.

Ele ainda avalia que não se justifica, de maneira nenhuma, que o povo gaúcho seja submetido a um atraso tão grande para a ‘sanha de lucros de poucos’. “O Rio Grande do Sul é um grande produtor agrícola, e sempre conviveu com nossa lei. Isso não impediu também de sermos um grande estado exportador, e isso prova que a lei deu certo”, afirma.

O ex-deputado encerra sua manifestação com um apelo para que deputados e deputadas estaduais não assumam a responsabilidade de deixar agricultores, especialmente da pequena propriedade, em grande risco para beneficiar indústrias que não conseguem fazer lobby onde produzem seus agroquímicos. “Lamento que o governo do estado queira mexer numa lei de grande repercussão. O Parlamento gaúcho, tenho certeza, não se vergará aos interesses da indústria química. É preciso cuidado. Nos países em que estes produtos são fabricados, mas têm a utilização proibida, ou o lobby é muito caro, ou seus governos são mais competentes e honestos que os nossos”, conclui.

Leia a íntegra da manifestação do advogado e ex-deputado Antenor Ferrari, autor da Lei dos Agrotóxicos no Rio Grande do Sul:

A Lei dos Agrotóxicos foi construída pelas mãos e inteligências de quase uma centena de entidades da sociedade civil, ligadas à agricultura, saúde e meio ambiente, universidades, sindicatos na área agrícola, saúde e ambiental, OAB e imprensa.

Representou um marco contra a utilização indiscriminada de produtos agroquímicos, que torna os agricultores, por manipularem os produtos, e os consumidores pelo consumo, suas grandes vítimas.

No ato mais essencial de nossas vidas, o nosso alimento diário, somos traídos pela falta de escrúpulo da indústria química, que envenena nossos corpos, dos nossos filhos e netos, pelos efeitos de mutação que se realizam em nossas vidas e danos até na gravidez.

Ao contaminar a nós todos pelos alimentos, a indústria química nos impele a afetar as futuras gerações pela persistência de produtos em nosso organismo. Uma das consequências é o câncer. Estes agrotóxicos ferem de morte toda a população e seu direito à saúde pública, consagrados pela Constituição. Não se trata de uma simples lei, mas de um direito natural e universal à vida e saúde pública.

No meu entendimento é um grande retrocesso alterar o que é mais essencial na Lei, que é a proibição de utilizar no Rio Grande do Sul produtos fabricados no exterior, especialmente nos países mais ricos do mundo, cujo uso não é permitido em seus locais de origem justamente por afetarem a saúde e o meio ambiente de suas populações.

Não se justifica, de maneira nenhuma, submetermos o povo gaúcho a um atraso tão grande para a sanha de lucros de poucos. O Rio Grande do Sul é um grande produtor agrícola, e sempre conviveu com nossa lei. Isso não impediu também de sermos um grande estado exportador, e isso prova que a lei deu certo.

Mudar a lei pra quê? Para colocar a saúde do nosso já sofrido povo em risco? Só para atender aos interesses da maior indústria química do mundo? A quem interessa liberar tudo?

Solicito aos nobres deputados e deputadas estaduais que avaliem bem, e tenho segurança que o farão. Não vale a pena assumir a responsabilidade de deixar os nossos agricultores, especialmente da pequena propriedade, em grande risco para beneficiar indústrias que não conseguem fazer lobby onde produzem seus agroquímicos. Elas se aproveitam de nossa insensibilidade para mudar aqui.

Por que a indústria química não pressiona o Congresso de países como Alemanha, França, Grã-Bretanha, Itália e Japão? Por que não investem dinheiro e poder lá, mas só aqui? Será mais barato aqui ou imaginam que somos mais ignorantes que seus povos? Por fim, por que será que nestes países ricos, onde os produtos são proibidos de serem utilizados, a indústria não faz lobby para registro e aprovação de seus venenos?

Será que as autoridades da agricultura, do meio ambiente e saúde destes países são incompetentes e antipatriotas para não permitirem a aplicação em seus países de origem?

Lamento que o governo do estado queira mexer numa lei de grande repercussão, contrariando centenas de teses de mestrado e doutorado de diversas universidades da Europa, feitas por alunos e mestres das áreas de saúde, agricultura e meio ambiente, e que até hoje servem de parâmetro contra a tentativa de lucro fácil das indústrias que não conseguem corromper seus governos e parlamentos e, transferem a responsabilidade para outros países como o nosso.

A própria Constituição deveria exigir que todos os produtos que ingressam no nosso país tivessem que ter aprovação de seus países de origem para consumo lá. Seria justo e ético, e os organismos internacionais deveriam estabelecer esta orientação mundial.

O Parlamento gaúcho, tenho certeza, não se vergará aos interesses da indústria química, e nem aos anseios de um governo que manda às escondidas alterações de uma lei tão importante, que serve de referência mundial.

Quanto custará à população gaúcha este pedido de urgência, para ser aprovado no segredo e na madrugada? É preciso cuidado. Nos países em que estes produtos são fabricados, mas têm a utilização proibida, ou o lobby é muito caro, ou seus governos são mais competentes e honestos que os nossos.

*Com informações da Assessoria do Deputado Estadual Edegar Pretto (PT)


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Edição: Katia Marko