Pernambuco

LITERATURA

Cida Pedrosa: “O poema pode mudar o mundo”

Vencedora do prêmio Jabuti e eleita vereadora do Recife, Cida Pedrosa comenta os desafios da escrita e da luta política

Brasil de Fato | Recife (PE) |

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Além de premiada, Cida foi eleita vereadora do Recife pelo PCdoB, obtendo 3.697 votos - Riq de Eça/Cepe Editora

Cida Pedrosa, nascida em Bodocó, é advogada, escritora e agora nas últimas eleições foi eleita vereadora do Recife pelo PCdoB, obtendo 3.697 votos. A política também foi vencedora do Prêmio Jabuti 2020 na categoria Poesia. E foi sobre sua vida, obra e desafios para o mandato que Cida falou na edição desta semana do Revista Brasil de Fato Pernambuco. Confira:

Brasil de Fato PE: Você foi eleita vereadora recentemente e quais são as lutas e as pautas que você pretende defender no seu mandato?

Cida Pedrosa: A minha  primeira pauta é feminismo. Nós fizemos uma reunião online com mais de 120 mulheres e construímos um arcabouço bem importante do que seriam os princípios e o que esse mandato vai pautar, defender e propor. Lembrando que eu fui secretária da mulher e que não existia comissão da mulher na Câmara dos Vereadores e foi uma articulação da secretaria com a presidência da câmara que fez com que essa comissão fosse criada. Nosso mandato tem várias questões também pelo enfrentamento às mudanças climáticas, que é outra pauta importante. Recife tem uma das leis mais avançadas do Brasil no que diz respeito a isso e que também foi uma construção quando eu era secretária de meio ambiente.

Temos também a pauta da diversidade, porque eu sou advogada de direitos humanos há muitos anos. Impossível você pensar uma sociedade feliz sem pensar uma sociedade equânime, sem racismo e que respeite a diversidade. Como sou poeta, sou também militante da cultura desde os 16 anos. Essa pauta também foi construída muito coletivamente. Para você ter uma ideia, eu assinei as cartas de vários coletivos e temos o que vai da defesa intransigente do artista, eu acho que triste de um povo que não respeita sua cultura. Triste de uma nação que não tem a cultura como o objeto de identidade maior. Esta é uma luta que quando eu olho no espelho todo dia de manhã e digo “o que é que tu és?” Eu sou Cida Pedrosa, poeta, sertaneja e mulher. Essa é minha tríade, o resto eu fui adquirindo e fui me tornando feminista, ambientalista, advogada dos direitos humanos. 

BdF PE: Você tem uma experiência como Secretária Municipal, tanto na pasta das Mulheres como do Meio Ambiente. Como você pretende utilizar dessas vivências para a sua nova fase política?

Cida: Essas experiências foram fantásticas. Embora eu já fosse feminista... para você ter uma ideia, quando eu fui ser secretária do meio ambiente a primeira conferência do município que teve metade de delegadas e metade de delegados foi a que eu coordenei enquanto secretária. Eu costumo dizer sempre que sou uma feminista no poder. A minha corrente no feminismo é a que chamamos da corrente emancipatória que a gente não separa a luta de classe, o combate ao racismo e a luta de gênero, que é a questão da interseccionalidade. E a gente acredita que só vamos estar bem e emancipadas quando o ser humano for emancipado, ou seja quando homens e mulheres sejam emancipadas. 

BdF PE: Além de ter sido eleita vereadora, também recebeu o prêmio Jabuti, na categoria de poesia, com o livro Solo para Vialejo. Fala um pouco sobre ele e como foi o seu processo de escrita.

Cida: Primeiro que esse livro é um livro de muita emoção e de trabalho imenso. Ele é um poema longo, um livro de 129 páginas de um único poema. É a primeira vez inclusive que eu me atrevi a escrever um poema longo, porque eu sempre fui uma mulher que fazia poemas curtos e no máximo de médio porte. Já começa daí, porque é uma coisa muito diferente na minha vida. Ele saiu primeiro 10 páginas que foram escritas quando eu cruzava do Bodocó pro Crato. Eu estou em Bodocó agora, na minha cidade. Vim lançar o livro aqui. Não tinha conseguido lançar ainda por causa da pandemia e eu estava muito angustiada porque eu preciso vir aqui sempre, duas ou três vezes para me refazer e ainda não tinha vindo este ano. Para meu livro ser validado, ele precisa ser lançado em Bodocó, então vamos lançar. Eu tive uma crise de emoção neste instante, porque eu fico andando nas ruas e as pessoas falando comigo, sabe? Dá uma vontade de chorar enorme porque é como se eu fosse o orgulho da cidade, mas, na verdade é o sítio onde eu nasci que é meu orgulho. 

Eu vou falando dessas coisas e vou me encontrando. Meu pai tocava vialejo, não tocava bem, mas, tocava e gaita é um dos instrumentos do Blues. Ele me deu um vialejo quando eu era menina, um vialejo azul. E eu parto em busca desse vialejo, que eu nunca aprendi a tocar. Eu termino o livro dizendo isso e eu sonhei em tocar esse vialejo. É essa busca para dentro de mim para esta música. Eu falo dos olhos azuis do meu pai que me ensinaram a ver o mundo para além dos seus olhos azuis. São dessas coisas assim. Na verdade, o nome do livro inicial era canto para Muddy Waters, o livro começou com esse nome e eu sempre escrevia ouvindo blues, em especial Muddy Waters, sempre. Eu amo gaita e amo os bluezeiros que tocam gaita, eu amo Bob Dylan e falo dele, eu amo de paixão Robert Jonhson e falo disso, falo de duas encruzilhadas. Falo da encruzilhada de Robert lá dos EUA e falo das encruzilhadas de ciganos daqui da minha infância  e que tocavam instrumentos de corda maravilhosos. Ai eu vou juntando essas coisas todas. 

BdF PE: Conta mais sobre a sua experiência com a escrita e o que significa receber um prêmio meio a uma pandemia. 

Cida: Estamos vivendo um dos anos mais difíceis no Brasil, com uma crise econômica, crise política, com esse desgoverno federal, uma pandemia, que por si só já é terrível, imagine uma pandemia que você não tem um governo central que a comanda? Eu saí da Secretaria da Mulher dia 3 de abril para ser candidata, em plena pandemia. Desmarquei 22 reuniões de despedidas que eu tinha marcado, escrevi um livro, chamado Estesia. Eu lancei o livro virtualmente e os bolsominions invadiram a minha live com som de metralhadora, com hino militar, com cena de violência. Foi um ano muito difícil, mas, que eu consegui escrever, consegui fazer uma campanha. Durante a campanha eu dizia “não precisa nem ganhar, só em ir conversar numa comunidade todo dia pra falar mal de Bolsonaro já estava valendo”. A campanha foi um espaço de luta de ideias e isso é muito bom.

 Ai eu sou eleita e de repente eu ganho o prêmio, que eu achava de verdade, que eu detesto falsa modéstia, que meu livro era bom e que ele concorria direitinho na categoria poesia e eu fiquei muito honrada de estar nos 5 últimos com Bell Puã, que é uma pernambucana negra. Se ela tivesse ganhado estaria tão feliz quanto. Ganhar esse grande prêmio é o reconhecimento de uma carreira que começou aos 15 anos de idade, porque eu publiquei no jornalzinho da escola nessa idade. E aos 15 anos eu decidi ser escritora porque as palavras não cabiam mais na minha cabeça. Dói quando eu não escrevo, dói muito. É uma angústia violenta, por isso que eu não paro de escrever. 

Escrever dá um trabalho, seria muito melhor fazer outra coisa, mas, eu não posso parar, porque tem uma coisa aqui dentro, sabe? Eu sou disléxica, escrever pra mim é um parto. Eu troco s, ss, ç, z e s, sh, x.. eu fotografo as palavras. Quando eu tinha 18 anos eu estava na rua 7, que era o epicentro da cultura de Pernambuco, mostrei um texto que tinha vários erros de português, mangaram bem muito de mim. Eu corri pra casa do meu mestre, Marco Camaroti, que já está no céu e que abre meu primeiro e segundo livro, dizendo que não ia escrever mais. E ele me abraçou, era um homem enorme, e disse “ó, Cida, é o seguinte: todo dia Deus manda um monte de revisor pra terra, tem dia que ele tá descuidado e manda um poeta para escrever”, pronto, e aí eu assumi que eu sou um descuido de Deus. Eu acredito que o poema pode mudar o mundo ou uma pessoa, ou o dia de uma pessoa. E é por isso que eu escrevo. Essa é a minha maior militância de todas as minhas militâncias.

 

Edição: Vanessa Gonzaga