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“Abingate”: o escandaloso uso do Estado para proteger Flávio Bolsonaro

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PT apresentou mandado de segurança ao STF solicitando a exoneração de Alexandre Ramagem da Abin - Valter Campanato / Fotos Públicas
Sério, Procurador? Faltou o que? Laranjas desenhadas nos relatórios?

O uso do aparelho de Estado para perseguir adversários não é nenhuma novidade no governo de Jair Bolsonaro (sem partido). Os episódios com dossiês de militantes antifascistas dentro do Ministério da Justiça deram alguma luz do que se opera nos gabinetes da Esplanada do Ministérios. Por outro lado, a busca de nomes para ocupar os cargos de direção dos órgãos de segurança, com o intuito de blindar parentes e amigos, também já foi exposta pela fala do próprio presidente, conhecida pela divulgação do vídeo da reunião ministerial no dia 22 de abril.

:: Leia também: Bolsonaro implanta agentes da Abin em diversos ministérios ::

Em 30 de julho de 2020, Bolsonaro editou o Decreto nº 10.445, criando o Centro de Inteligência Nacional (CIN) ligado à Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Um de seus dirigentes é o policial federal Marcelo Bormevet, cedido à agência, bolsonarista ativo nas redes sociais. Ao tempo da edição do decreto, vários parlamentares de oposição verificaram que o texto induzia à produção de ilegalidades, violações de direitos fundamentais e desvios de finalidade. Apresentaram projetos de decreto legislativo tanto na Câmara quanto no Senado para sustar seus efeitos. Os projetos ainda não foram pautados.

Agora a edição do decreto passa a fazer mais sentido, justamente naquilo que fora denunciado pelos parlamentares.

Alexandre Ramagem, o delegado escolhido por Bolsonaro para a missão de proteger a família presidencial não pôde dirigir a Polícia Federal (PF). Sua nomeação foi suspensa pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Continuou diretor-geral da Abin e, ao que tudo indica, à disposição de prestar o mesmo serviço que faria na PF.

A revelação do uso da agência para produzir relatórios para a defesa do filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), é de uma gravidade espantosa. Pelo que foi revelado, há uma estrutura paralela montada dentro do órgão para atuar conforme os interesses da família Bolsonaro, alicerce aperfeiçoado por meio do Decreto 10.445/2020.

Reportagem da Revista Época afirma que a Abin produziu pelo menos dois relatórios para orientar advogados de Flávio Bolsonaro, em uma tentativa de anular o inquérito que apura o cometimento pelo senador dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e apropriação indébita, apelidado de “rachadinhas”, durante seu mandato de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Em um dos relatórios consta, especificamente: “Finalidade: defender FB no caso Alerj demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB”. Mais autoexplicativo impossível.

Os documentos tiveram a autenticidade reconhecida pelos advogados de defesa de Flávio Bolsonaro, abrindo uma crise com General Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, a quem a Abin é formalmente vinculada, que já havia afirmado publicamente que não teria ocorrido atuação da inteligência do governo no caso.

:: Relembre: Cármem Lúcia dá 24h para Heleno e Ramagem explicarem relatórios sobre caso Queiroz ::

Por outro lado, matéria do portal Agência Pública, no dia 15 de dezembro, já demonstrava como o presidente Jair Bolsonaro tem usado o órgão para fortalecer a espionagem sobre áreas críticas do governo, contra adversários, organizações não-governamentais (ONGs) críticas às políticas ambiental, indigenista e de direitos humanos, com nomeações de agentes nos diversos ministérios, alguns, pasmemos, nomeados apenas com o número de matrícula, sem nome.

Serviços de inteligência são organizações governamentais especializadas na coleta, análise e disseminação de informações sobre problemas e alvos relevantes para a política externa, para a política de defesa nacional e para a segurança pública de um país, formando, juntamente com as Forças Armadas e as polícias, o núcleo coercitivo do Estado contemporâneo.

Incapaz de oferecer qualquer solução às crises e desastres, muitas por ele próprio criada, sem qualquer planejamento estratégico para enfrentar as consequências da pandemia, Bolsonaro aprofunda de forma assustadora a degradação das relações institucionais e da política. Sua preocupação central é proteger a família. Para todo o resto serve o: “e daí?".

Falar em desvio de finalidade no uso de um órgão público para fins privados seria quase um contrassenso, porque o propósito indica ser justamente esse. No governo Bolsonaro, para blindar a família, vale editar normas legais alterando estrutura, nomear pessoas estranhas ao funcionamento da instituição, e sem qualquer pudor, mover a máquina como se fosse um apêndice de um escritório de advocacia.

O Partido dos Trabalhadores apresentou nessa terça-feira (22) um mandado de segurança ao Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando a exoneração de Alexandre Ramagem, o mínimo que se pode solicitar em um escândalo dessa proporção, e a abertura de investigação de sua atuação e do presidente da República.

Na sexta-feira (18), a ministra Cármem Lúcia já havia determinado à Procuradoria-Geral da República (PGR) a abertura de inquérito para apuração dos fatos, que considera muito graves. Em sua decisão a ministra disse que os elementos relatados podem configurar os crimes de prevaricação, advocacia administrativa, violação de sigilo funcional, crime de responsabilidade e improbidade administrativa. Augusto Aras, por sua vez, em mais uma de suas platitudes, solicitou informações à Abin, mas para nossa total perplexidade, minimizou a decisão, aduzindo que há suspeitas, mas que ainda não há elementos que justifiquem uma investigação formal.

Sério, Procurador? Faltou o que? Laranjas desenhadas nos relatórios?

Edição: Camila Maciel