Teletrabalho

Escola cobra banco de horas de servidores que não fizeram trabalho remoto na pandemia

Modalidade não fazia sentido para trabalhadores das áreas de conservação, inspetoria, portaria e recepção

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Escola Viva foi comprada este ano pelo grupo Bahema Educação - Divulgação/Escola Viva

Servidores das áreas de conservação, inspetoria, portaria e recepção da Escola Viva, no bairro Vila Olímpia, em São Paulo (SP), estão sendo cobrados por "horas não trabalhadas" durante os cinco meses em que as aulas ficaram suspensas, devido à pandemia de covid-19. Diferentemente dos professores, estes não puderam trabalhar remotamente nesse período, na modalidade conhecida como home office ou teletrabalho, e receberam salários normalmente nesse período

A Escola Viva é uma das mais tradicionais do bairro, com mais de 40 anos de funcionamento, e foi comprada em 2020 pelo grupo Bahema Educação. Guilherme Affonso Ferreira Filho, um dos fundadores do grupo, em 2016, organizou o 3º Fórum Liberdade e Democracia, que contou com a participação do então deputado federal Jair Bolsonaro e de um dos fundadores do Movimento Brasil Livre (MBL), Fábio Ostermann.

Relato dos trabalhadores 

A reportagem do Brasil de Fato ouviu trabalhadores que estão sendo cobrados pelo banco de horas acumulado na pandemia. Eles preferiram não usar seu nome verdadeiro nem informar publicamente o cargo que desempenham na escola, para evitar represálias.

Nenhum deles sabe exatamente o número de horas que deve à escola. A estimativa é entre 700 e mil horas.

Sérgio Fernandes lembra que não houve acordo formal sobre o tema quando as aulas foram suspensas, em maio. "Eles mandaram mensagem via ClassApp [aplicativo usado para comunicação interna], pedindo para a gente ficar em casa, dizendo que a gente ia receber normalmente, e explicando que eles iam pensar como fazer com esses dias que a gente não ia trabalhar", conta.

As aulas voltaram no início de outubro, e os trabalhadores foram comunicados pelo setor de Recursos Humanos (RH) da escola que o período não trabalhado fora contabilizado em um banco de horas, que deve ser zerado nos próximos 18 meses. O comunicado foi verbal e nenhum trabalhador assinou qualquer documento.

Fernandes lembra que ficou espantado com a resposta da escola a um colega, durante a reunião.

"A gente fez uma pergunta para a responsável do RH: Se, eventualmente, a gente for mandado embora, como fica esse banco de horas que a gente está devendo para a escola? Vocês descontam da rescisão, ou não? Aí, ela respondeu: 'Depende muito do bom senso da escola. Poder descontar, pode'."

Essa condição se aplica a cerca de 50 trabalhadores, somando todas as áreas. Muitos deles já começaram a fazer horas-extras entre outubro e dezembro para reduzir o banco de horas. O receio de Fernandes é ser chamado para trabalhar nos finais de semana pelos próximos 18 meses, sem nenhum tipo de compensação.

A trabalhadora Daniela Zimmermann relata que os colegas estão atordoados com a notícia e ainda não acionaram advogados ou sindicatos. "A gente não entendeu o porquê. Se nós estávamos em casa, e a escola pagou esses dias, por que estamos devendo?", questiona.

Outro lado

O Brasil de Fato entrou em contato com a Escola Viva solicitando um posicionamento. Até a publicação desta reportagem, não houve retorno.

O que diz a lei

Segundo Adriana Calvo, diretora da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados de São Paulo (OAB-SP) e professora da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o governo Bolsonaro editou, no dia 22 de março, a Medida Provisória (MP) 927, que criou a figura do banco de horas, durante o estado de calamidade pública provocado pela pandemia de covid-19, com o cumprimento de alguns requisitos: acordo coletivo ou individual escrito a ser compensado em um prazo de até 18 meses.

Ocorre que a MP não foi aceita e transformada em lei pelo Congresso Nacional no prazo de 120 dias após sua publicação, perdendo a vigência no dia 30 de julho deste ano; e que, mesmo assim, de acordo com os trabalhadores, não houve qualquer tipo de acordo formal, coletivo ou individual, escrito.

“Comunicado verbal não é um documento plausível, não é um acordo. Estou vendo falhas da escola na hora de implementar o que dizia a MP 927”, afirma Calvo, para quem a escola foi mal assessorada juridicamente.

Mesmo com base na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 71, o banco de horas deve ser feito por meio de acordo formal e coletivo de trabalho.

De acordo com a docente, é possível entrar com uma denúncia no Ministério Público do Trabalho, o qual deve estabelecer um inquérito civil para apurar as denúncias, e, em seguida, uma ação civil pública contra a escola.

Se a instituição tivesse estabelecido um acordo até 30 de julho, o cenário seria diferente, mas ainda mais complexo, uma vez que a MP perdeu a vigência, mas o estado de calamidade continua a existir. “Ambos os lados teriam argumentos. A escola teria estabelecido o banco com base em uma medida provisória que no momento estava em vigor”, afirma Calvo.

“Se a MP estava em vigor e o empregador praticou o ato. Ele poderia exigir isso até dia 31 de dezembro, mesmo que expirada, porque ele praticou durante a vigência. Mas há quem diga que ele só poderia ter cobrado até 30 de julho.” Não há, portanto, uma decisão fechada sobre o caso, dependendo da conclusão da jurisprudência de cada tribunal.

Edição: Michele Carvalho