Paraná

Solidariedade

Com ação de Natal, MST Paraná ultrapassa 500 toneladas de alimentos doados

Mais de 170 assentamentos e acampamentos do MST partilharam alimentos da Reforma Agrária no estado durante a pandemia

Curitiba (PR) |
Iniciativas partiram de mais de 170 comunidades de acampamentos e assentamentos de 80 municípios do estado - Breno Thomé Ortega

Solidariedade não é doar o que sobra, é partilhar o que tem. Esse foi o lema das famílias Sem Terra de todo o Brasil desde o início da pandemia da Covid-19. No Paraná, do final de março até as vésperas do Natal, centenas de iniciativas partiram de mais de 170 comunidades de acampamentos e assentamentos de 80 municípios do estado, e também da secretaria estadual do movimento.

Para fechar o ano no tom da solidariedade de classe, a campanha Natal da Reforma Agrária Popular gerou doações em todas as regiões do estado. Foram partilhadas 59,5 toneladas de alimentos em todas as regiões, e 3.400 “Marmitas da Terra” em Curitiba e região, entre os dias 16 e 23 de dezembro. Com essa ação, o MST Paraná chegou à marca de 501 toneladas de alimentos doados e 38 mil refeições produzidas e compartilhadas.


Foram partilhadas 59,5 toneladas de alimentos em todas as regiões do PR e 3.400 “Marmitas da Terra” em Curitiba e região / Valmir Fernandes

Para além de ser um marco quantitativo extraordinário, Ceres Hadich, assentada no norte do Paraná e integrante da direção nacional do MST, ressaltou a importância de ter sido possível chegar a tantas pessoas que enfrentam a fome neste período de pandemia.

“Tem uma simbologia muito forte também em relação ao alcance desses alimentos, que buscaram carregar também esperança. A nossa base acampada e assentada fica feliz por poder fazer parte dessas ações, mas fica feliz também porque muito mais do que alcançar um número a gente alcançou pessoas, famílias que precisavam”, explicou.

A variedade de alimentos partilhados expressou a riqueza da produção de comida pelas famílias da Reforma Agrária: foram mais de 80 tipos de alimentos. Dos tradicionais arroz e feijão, passando pelas abóboras de diversos tipos, leite processado e in natura, mel, mandioca sempre em grande fartura, legumes e verduras em grande variedade, laranja, limão, melancia, abacaxi, abacate e o colorido das frutas de cada época.

Tudo colhido das roças, hortas, quintais e pomares, ou processado nas cooperativas do povo Sem Terra. A maior parte deles também carregou o projeto da agroecologia, livres de agrotóxicos, com relações justas de trabalho e cuidado com a natureza.

“Muito mais do que comida, junto desses alimentos e dessas marmitas a gente estava mandando uma mensagem de que a reforma agrária é possível e necessária”, garantiu Ceres Hadich. 


A variedade de alimentos partilhados expressou a riqueza da produção de comida pelas famílias da Reforma Agrária / Lia Bianchini

Além da solidariedade, as ações denunciam os índices recordes de desemprego e de fome, e a falta de políticas de fortalecimento da agricultura familiar e da produção de alimentos. Em outubro, o desemprego afetava 13,8 milhões de pessoas, segundo o IBGE. Os desalentados (que gostariam de trabalhar, mas não procuraram vagas por terem perdido as esperanças) são 5,8 milhões de brasileiros. A estimativa é de que em janeiro de 2021 a pobreza extrema (pessoas que vivem com US$ 1,90 por dia) deve atingir de 10% a 15% da população brasileira (27,4 milhões de pessoas), de acordo com projeção da Fundação Getúlio Vargas.

Dom Naudal Alves Gomes, bispo da Igreja Episcopal Anglicana de Curitiba, relacionou a ação do MST com a busca de Jesus pela “justiça do reino”, em que ninguém deve passar fome. “Vocês trazem uma expressão concreta de solidariedade, de fraternidade e de respeito como ser humano. É também uma questão de justiça, porque alimentar-se não é só parte da justiça social, mas é parte também, na compreensão cristã, da justiça do reino”, disse, durante a benção das 700 marmitas distribuídas para pessoas em situação de rua do centro da capital paranaense, na noite do dia 23 de dezembro.

Dom Severino Clasen, arcebispo metropolitano de Maringá, esteve na ação realizada pelo MST em Paiçandu, noroeste do estado, no dia 19 de dezembro. “Aqui nós temos o alimento puro, verdadeiro, que sustenta, e que nós podemos desenvolver mais, incentivando a família que trabalha no campo para que tenha em primeiro lugar mais apoio, mais apreço, mais respeito e mais cuidado para que este alimento nunca falte na mesa dos nossos semelhantes. Passar um natal com uma cesta de alimentos igual a esta isso traz muita alegria e satisfação para tantas e tantas famílias”, garantiu o líder religioso. 


Cestas de alimentos doadas em Curitiba / Giorgia Prates

Além das ações de alimentos, camponeses e camponesas do MST criaram 17 hortas e lavouras comunitárias para garantir a continuidade das doações e também o autossustento das famílias. Um desses plantios ocorre no assentamento Contestado, na Lapa, com a contribuição dos mais de 100 voluntários e voluntárias da ação Marmitas da Terra, organizada em Curitiba para a produção das refeições que vêm sendo distribuídas ao longo dos últimos oito meses.

A prevenção ao novo coronavírus e os cuidados com a saúde foram reforçados pelo “Curso de Agentes Populares de Saúde do Campo”, organizado de forma online pelo Setor de Saúde do estado. Mais de 80 militantes (95% mulheres) concluíram a formação realizada entre agosto e dezembro. A primeira experiência de “Agentes Populares de Saúde” urbano ocorreu em Curitiba, na vila Torres, e outras estão sendo planejadas para ocorrer em 2021. A iniciativa é inspirada na ação de mesmo nome realizada pelo MST em Pernambuco.

A saúde popular também se expressou por meio da produção de embalagens de mel com açafrão pelo coletivo de Setor de Saúde Chica Pelega, do assentamento Contestado, da Lapa. O composto contribui para a melhora da imunidade e previne infecções. Mais de quatro mil unidades foram produzidas e distribuídas junto às Marmitas da Terra para pessoas em situação de rua ao longo dos últimos meses. 


Embalagens de mel com açafrão produzidas pela Setor de Saúde do MST foram doadas com as Marmitas da Terra / Lizely Borges

Confira o resumo das ações do Natal da Reforma Agrária Popular:

Centro

Nove comunidades do MST de Guarapuava e Pinhão, região Centro-sul do Paraná, doaram 14,5 toneladas de alimentos a mais de mil famílias em situação de vulnerabilidade no dia 19. Pepino, abóbora, batata, alface, repolho, mandioca, beterraba e verduras diversas fizeram parte das cestas distribuídas em Guarapuava. Em maio deste ano, as comunidades Sem Terra da região já haviam feito uma doação de 54 toneladas de alimentos em Guarapuava, como parte da campanha nacional de solidariedade do MST.

Sul

Na região sul do estado, as doações se concentraram em Curitiba, Araucária e Campo Magro, cidades da região metropolitana da capital. As iniciativas foram do dia 21 ao dia 23, com a distribuição de 3.400 marmitas, sete toneladas de alimentos frescos doados por seis comunidades do MST, mil embalagens de mel com açafrão, e mil Cestas Esperanças, organizadas pela Rede de Produtos da Terra - compradas a preço de custo por pessoas apoiadoras da ação, sindicatos e entidades parceiras. A ação foi realizada pelo Sindicato dos Petroleiros do Paraná e Santa Catarina (Sindipetro PR e SC) e a ação Marmitas da Terra, com o nome de “Nosso Natal é Pela Vida”.

Norte

No dia 22 de dezembro, cerca de 18 toneladas de alimentos foram doados em Londrina por famílias de sete acampamentos e assentamentos da região. As cestas foram distribuídas em bairros da zonas Norte, Sul, Leste, inclusive para indígenas em situação de vulnerabilidade no município. Desde o início da pandemia, a região partilhou cerca de 125 toneladas de alimentos.

Sudoeste

Uma ação coletiva regional entregou mais de 12 toneladas de alimentos no dia 16, nos municípios de Dois Vizinhos, Clevelândia, Francisco Beltrão, Vitorino, Coronel Vivida e Clevelândia, ambos no sudoeste. Ao todo, mil quilos de alimentos frescos foram doados pelas famílias Sem Terra. A iniciativa foi articulada pelo Fórum Regional das Organizações e Movimentos Populares do Campo e da Cidade do Sudoeste do Paraná (do qual o MST faz parte), o Comitê Resistência e Solidariedade, as Dioceses de Palmas e de Francisco Beltrão, e a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.

Oeste

Quatro mil pães caseiros foram doados por famílias Sem Terra a moradores do bairro Interlagos, em Cascavel, no dia 22. Os alimentos receberam a benção do padre Lucas Marobin, do Seminário Propedêutico Jesus Bom Pastor, e Dom Luís Carlos Gabas, da igreja Anglicana. Os quatro mil pães, cada um com cerca de 500 gramas, foram produzidos principalmente por mulheres de quatro padarias do MST de Santa Tereza do Oeste de Cascavel, com apoio de seis acampamentos e assentamentos.

Noroeste

Cerca de 250 famílias de Paiçandu, noroeste do Paraná, receberam sete toneladas de alimentos no dia 19. A partilha resultou do trabalho de famílias assentadas e acampadas presentes em 13 municípios da região. Parte dessa produção doada é organizada pelas cooperativas de reforma agrária, além de produtos agroecológicos da Escola Milton Santos de Agroecologia. As famílias beneficiadas receberam arroz, feijão, açúcar mascavo, fubá, legumes dos mais variados, verduras, leite, pães e panetone.

Centro-oeste

Assentamentos e acampamentos da região centro-oeste do Paraná doaram 10 toneladas de alimentos. A primeira ação ocorreu no dia 19, em Rio Branco do Ivaí, a partir das doações de duas toneladas vindas das famílias do Assentamento Egídio Brunetto, no mesmo município. Os alimentos foram destinados a 70 famílias que enfrentam risco alimentar na periferia da cidade.

Em Jardim Alegre, os alimentos partilhados vieram do Assentamento 8 de Abril, localizado no mesmo município. No total, foram cinco toneladas de alimentos, entre legumes, tomates, tubérculos, grãos e 800 panificados, como pães e bolos produzidos pelo coletivo de mulheres da comunidade.

Em Campo Mourão, três toneladas de alimentos foram doadas para famílias da periferia e também à Santa Casa no município, no dia 21. Os alimentos foram doados por cinco acampamentos e assentamentos de Peabiru e Quinta do Sol. A ação teve apoio do Comitê de Apoio às Pessoas em Situação de Risco Social de Campo Mourão (Unespar), Casa Terra Coletiva, APP Sindicato, Pastoral da Criança da Paróquia São Francisco de Assis, Capela Nossa Sra. Aparecida (Vila Guarujá) e Associação de moradores do Jardim Modelo.

 

Edição: Lia Bianchini