entrevista

Nordeste concentra 5 das 7 capitais que têm prefeito com maioria na Câmara Municipal

Para o sociólogo Marcos Paulo Campos, maioria nas 5 Câmaras decorreu da continuidade de grupos políticos ou da reeleição

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
"A eleição no Nordeste teve essa espécie de conforto político para os prefeitos, porque as suas coligações fizeram maioria no legislativo municipal", destaca Marcos Campos - Foto: Câmara Municipal de Fortaleza

Somente sete capitais brasileiras terão prefeitos com maioria nas respectivas câmaras municipais, e cinco dessas capitais estão no Nordeste. O destaque foi feito pelo sociólogo e professor Marcos Paulo Campos, da Universidade Vale do Acaraú (UVA), em Sobral (CE), durante entrevista ao Brasil de Fato Ceará.

"A eleição no Nordeste teve essa espécie de conforto político para os prefeitos, que as suas coligações fizeram maioria no legislativo municipal. Uma dessas capitais é Fortaleza", que elegeu Sarto Nogueira (PDT), ressaltou.

Campos destacou, ainda, que as capitais do Nordeste cujos novos prefeitos obtiveram maioria no legislativo são aquelas onde há continuidade de grupos políticos ou onde há reeleição. "Recife, onde também há continuidade do grupo político; Bruno Reis, em Salvador, também fez a maioria; Álvaro Dias em Natal; e Edivaldo em Aracaju", exemplifica.

Confira a entrevista a seguir.

Brasil de Fato – Qual sua análise acerca das Eleições 2020 na região Nordeste?

Marcos Paulo Campos – O que nós podemos dizer é que o Nordeste, assim como em 2018, no ano de 2020 se apresentou em um movimento particular em relação ao conjunto do país. Em 2018 houve a ascensão da extrema direita, com [o presidente Jair] Bolsonaro, mas o Nordeste recusou essa ascensão. Em 2018, os nove estados do Nordeste deram a maioria dos votos para o candidato da oposição, Fernando Haddad (PT).

Em 2020, nós tivemos uma espécie de reapresentação competitiva e bem sucedida eleitoralmente dos partidos da direita tradicional. Inclusive, os que mais crescem são aqueles que estão vinculados a sobrevivências partidárias do período ditatorial, que são o DEM, o PP e o PSD. No caso do Nordeste, o que nós observamos é que também houve um movimento próprio, porque, se no conjunto do país houve uma espécie de eleição de continuidade, com propensão de sucesso eleitoral para essas siglas da direita tradicional e não da extrema direita, no caso do Nordeste, o que aconteceu foi um movimento de mais competitividade eleitoral em que teve destaque a centro-esquerda. E, nesse sentido, quando a gente olha para 2018, sete dos nove estados do Nordeste resolveram as eleições em primeiro turno. Nessa eleição de 2020, sete das nove capitais do Nordeste só resolveram as eleições no segundo turno; e, na maior parte dos resultados, os partidos que tiveram maior sucesso são os partidos da centro-esquerda: PSB, PDT; e da direita tradicional: O DEM; da centro-direita: PSDB; e um caso também com uma sobrevivência aí do período ditatorial.

Então o comportamento político, por exemplo, das capitais do Nordeste, também esteve distanciado, seguindo rumo próprio em relação ao país, assim como aconteceu em 2018. É importante dizer que, com as muitas diferenças entre capitais, regiões metropolitanas e cidade de pequeno e médio porte, a gente pode dizer que a tendência de continuidade se apresentou fortemente nas cidades de pequeno e médio porte da região, mas que as capitais apresentaram sintomaticamente uma competitividade eleitoral muito mais forte com propensão para a centro-esquerda. É importante colocar que nos resultados, quando a gente olha o resultado do primeiro e do segundo turno, nós encontramos o PDT e o PSB, cada um com duas capitais no Nordeste. Temos uma capital do Progressistas, uma capital do DEM e uma capital do Podemos, ou seja, houve uma maior presença da direita tradicional e de partidos do bolsonarismo, mas não com dominância. E uma capital do MDB e uma capital do PSDB que são, digamos assim, partidos mais vinculados à tradição política pós-88.

Em Fortaleza, a coligação do prefeito eleito, José Sarto (PDT), conseguiu eleger 25 vereadores. Já a do candidato Capitão Wagner (Pros), o segundo colocado, teve 12. Na sua opinião, o que representa esses dados para os próximos quatro anos?

Com relação a essa segunda pergunta, é importante ter em vista que só sete capitais no país terão prefeitos com maioria na câmara e cinco dessas capitais estão no Nordeste. Então a eleição no Nordeste teve essa espécie de conforto político para os prefeitos, porque as suas coligações fizeram maioria no legislativo municipal. Uma dessas capitais é Fortaleza. Nesse sentido, é importante colocar que as capitais do Nordeste que estão tendo prefeitos com maioria no legislativo são aquelas onde há continuidade de grupos políticos ou onde há reeleição. Recife, onde também há continuidade do grupo político; Bruno Reis, em Salvador também fez a maioria; Álvaro Dias, em Natal; e Edivaldo em Aracaju. Então essa marca de grupos políticos que se demoram no poder colaborou em certa medida para essa situação. E o fato de o Capitão Wagner ter feito apenas doze vereadores indica que ele precisaria ter um leque maior de aliança para conseguir vencer as eleições. Isso pode ser um dos indícios de porquê ele não conseguiu sucesso eleitoral.

Essas eleições também trouxeram algumas novidades, como a eleição do primeiro prefeito do Psol no Ceará e da primeira candidatura coletiva, “Nossa Cara”, em Fortaleza. Essas novidades podem significar alguma mudança no cenário político, principalmente no Ceará?

Isso não foi no Ceará, foi no país todo, um avanço do Psol, e isso é uma coisa salutar para a democracia porque o Psol é um partido que tem um programa político claro, que ele apresenta permanentemente nas eleições, tanto nas suas candidaturas para o legislativo como para o executivo, e nesse sentido, o seu crescimento melhora o ambiente geral da democracia brasileira. No caso específico do Ceará, a vitória de uma candidatura coletiva chama a atenção para uma inovação eleitoral que vem acontecendo desde 2012, mas que nessas eleições pode ter tido a sua maior expressão nessa década, nesse período todo. E as candidaturas coletivas, ao que tudo indica, vieram pra ficar.

A candidatura coletiva que foi vitoriosa no Psol não está vinculada às correntes internas do partido. Ela é um projeto de inovação política por dentro do sistema representativo que vem de movimentos sociais e que foi acolhida pelo partido e que teve, inclusive, mais sucesso eleitoral do que candidaturas vinculadas a grupamentos, a correntes internas do Partido Socialismo e Liberdade. Tanto é esse o caso da candidatura coletiva como é esse também o caso do candidato Gabriel Aguiar, mais votado do Psol em Fortaleza. Tanto Gabriel Aguiar como a candidatura Nossa Cara não têm vínculos diretos com correntes internas do Psol. São lideranças, são movimentos de renovação que encontraram no Psol o seu ambiente institucional de expressão.


Mandato coletivo “Nossa Cara” (Psol), eleito para a Câmara Municipal de Fortaleza com 9.824 votos / Reprodução - Redes Sociais

Você pode falar um pouco mais sobre essa questão das candidaturas coletivas?

Ainda sobre as candidaturas coletivas é importante considerar o levantamento do Cepesp [Centro de Política e Economia do Setor Público], da Fundação Getúlio Vargas, que indica que essa experiência de inovação eleitoral está presente no Brasil desde 2012, mas ela começou muito pequena. Em 2012 foram três candidaturas coletivas; em 2016 foram treze; e em 2020 o que nós encontramos são 257 candidaturas coletivas por todo o país. O partido que mais acolhe essa inovação eleitoral é o Psol, tendo noventa e nove candidaturas, o segundo que mais acolhe é o PT com cinquenta e uma candidaturas coletivas. Em seguida vem o PCdoB com 23, o PDT com 11, o PCB com nove, a Rede com oito, o PV com oito. Também há experiências de candidaturas coletivas para além do campo da esquerda e da centro-esquerda. Seis candidaturas coletivas no DEM, cinco no Podemos, cinco no PSL, quatro no Cidadania, três no MDB, três no Avante e três no PP.

No Ceará, também vimos uma virada nas eleições para a prefeitura de Caucaia. A pesquisa Ibope do segundo turno mostrou Naumi Amorim (PSD) com 62% dos votos válidos, e Vitor Valim (Pros) com 38%. Mas o que vimos nas urnas foi a vitória de Valim com 83.588 (51,08%) dos votos. Na sua opinião, por que houve essa mudança tão grande das pesquisas para o resultado final?

Com relação ao resultado de Caucaia, nada foi mais importante para compreender essa virada que levou a vitória do Vitor Valim sobre o Naumi Amorim do que o escândalo de reta final que envolveu o irmão do candidato Naumi, até então prefeito de Caucaia, encontrado com muitos recursos financeiros, muito dinheiro vivo, inclusive, guardado dentro das próprias calças. Então, o escândalo de reta final e o estilo do escândalo, porque ele teve situações vexatórias e ele aconteceu em um momento em que foi possível que as cenas circulassem entre o eleitorado. Ele aconteceu na imediata véspera da eleição. As imagens puderam ser consumidas, a situação pôde ser conhecida, ela foi muito noticiada. Então isso significa que o escândalo de reta final continua tendo um peso na definição do eleitor, e foi isso que alterou o resultado em Caucaia.


Vitor Valim foi eleito com 83.588 (51,08%) dos votos em Caucaia (CE) / Foto: Redes Sociais

Como você avalia os oito anos do mandato do prefeito Roberto Cláudio (PDT) em Fortaleza? 

Os oito anos do prefeito Roberto Claudio podem ser pensados com alguns movimentos. Inicialmente ele foi o prefeito que tentou, digamos assim, expressar toda a competência que ele afirmou como sendo o seu maior crédito para superar o candidato opositor a ele em 2012.

Em 2012, Fortaleza viveu uma disputa parecida com que Recife viveu em 2020. Em 2012 houve um embate em Fortaleza entre o PT e o PSB, naquele momento, onde estavam todos os membros do grupo dos “Ferreira Gomes”. E o Roberto Claudio apresentou para a população a possibilidade de dirigir a cidade mantendo, digamos assim, um espirito de cuidado com o social, de desenvolvimento social urbano, mas de forma mais competente do que estava sendo realizado pelo governo da então prefeita Luizianne Lins e do que poderia ser realizado por quem ela indicava como sucesso, que era o candidato Elmano de Freitas, pelo PT.

Nesse sentido, o primeiro momento do governo Roberto Claudio foi marcado por uma tentativa de apresentar essa competência pela execução de obras publicas de grande monta que alterara a mobilidade urbana e que, inclusive, prepararam a cidade para a Copa do Mundo de 2014. Depois nós tivemos um outro momento de refluxo dessas grande obras, tensões mais pesadas entorno de algumas intervenções urbanas que não estavam localizadas na periferia de Fortaleza. As obras do prefeito Roberto Claudio que mais geraram debate na cidade estavam mais localizadas na Regional II, mais localizadas nos ambientes onde se apresenta o maior Índice de Desenvolvimento Humano da cidade como, por exemplo, a intervenção que ele propôs e acabou recuando com relação à Praça Portugal. Nós tivemos também nesse momento, todo um caldo de tensões entre o prefeito Roberto Claudio e o sindicalismo da cidade, com destaque para o sindicalismo da saúde, os agentes comunitários de endemias.

E nós tivemos um terceiro momento em que a prefeitura de Fortaleza ficou muito mais ressoando o desenho de programas apresentados pelo governo do estado numa parceria institucional e política muito intensa, que se consolidou na atividade conjunta e nas decisões conjuntas tomadas pelo prefeito Roberto Claudio, em direta e, inclusive, conjunta construção com o governador Camilo Santana. Então a prefeitura do Roberto Claudio tem esses três momentos.

Retrato final desses anos é que Fortaleza continua sendo uma cidade muito desigual, territorialmente muito dividida, e que essa divisão territorial, inclusive, se apresenta do ponto de vista eleitoral com um resultado de segundo turno em que a diferença entre o candidato que continuará, digamos assim, liderando a prefeitura é um candidato que herda o capital político do Roberto Claudio, ele continua o capital político do Roberto Claudio e do grupo “Ferreira Gomes”, mas ele é eleito com uma diferença muito pequena, significando que a cidade continua dividida do ponto de vista as suas desigualdades sociais, continua dividida do ponto de vista territorial e apresentou uma forte divisão eleitoral.


Sarto tem muitos desafios pela frente, avalia Marcos Paulo Campos / Foto: Reprodução

Agora Sarto, sucessor de Roberto Cláudio na Prefeitura de Fortaleza, terá seu primeiro mandato como prefeito. Quais as expectativas para o mandato de Sarto?

Primeiro é que ele consiga dialogar com todo o setor da cidade que não votou nele e que, portanto, tem um olhar para a ação da prefeitura mais crítico. Segundo, que ele consiga dar conta da tarefa de preparar a cidade para a vacinação, ao mesmo tempo em que ela deve continuar seguindo orientações particulares para enfrentar a situação de pandemia. Terceiro, que ele seja capaz de preparar o conjunto dos serviços públicos para a retomada de demandas que aparecerão no pós-pandemia e, quarto, que ele consiga fazer tudo isso numa situação em que, como todos sabemos, a arrecadação das prefeituras encontram-se prejudicadas. Não são desafios fáceis, mas ele foi eleito, recebeu a confiança e tem a legitimidade para realizar. Vamos aguardar o que acontecerá.

Fonte: BdF Ceará

Edição: Monyse Ravena e Camila Maciel