Protestos

Índia | Camponeses prometem marchar até capital se governo não atender suas demandas

Organizações do campo divulgaram um calendário de mobilização que vai até 26 de janeiro, Dia da República no país

Tradução: Roxana Baspineiro

Peoples Dispatch |
Os camponeses têm acampado em vários lugares na fronteira da capital, Nova Delhi, exigindo a revogação das leis agrícolas promulgadas pelo governo de Modi - Peoples Dispatch

Os camponeses indianos que estão acampando nos arredores da capital do país, Nova Delhi, advertiram que intensificarão suas ações de protesto caso o governo de Modi não atenda às demandas apresentadas. As organizações camponesas anunciaram, no último sábado (2), que organizarão uma série de ações que culminarão com um ato com tratores na capital em 26 de janeiro, data em que a nação asiática celebra o Dia da República.

Até agora, o governo se recusou a aceitar a principal demanda dos camponeses, que é a revogação de três leis sobre o campo aprovadas no Parlamento em setembro de 2020. Os camponeses temem que estas leis resultem em reduções drásticas nos preços de seus produtos agrícolas e facilitem a entrada de mais empresas na agricultura. Milhares de camponeses têm protestado há mais de um mês contra essas leis, entre outras demandas. Atualmente, os manifestantes estão acampados em cinco locais nos arredores de Nova Delhi.

O Dia da República é comemorado anualmente um grande desfile demostrando o poder militar e a diversidade cultural da Índia. Um líder político estrangeiro sempre acompanha o dia como convidado especial. Este ano, o Primeiro Ministro do Reino Unido, Boris Johnson participará das comemorações.

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Nos últimos dias, os camponeses e o governo fizeram novas rondas de negociações. A última tinha ocorrido em 30 de dezembro, quando o governo aceitou duas das quatro demandas dos camponeses.  No entanto, o governo se recusa a fazer qualquer concessão sobre a revogação das leis do campo e sobre o oferecimento de uma garantia legal sobre o Preço Mínimo de Apoio [MSP – um preço determinado pelo governo para a compra produtos agrícolas dos camponeses]. Representantes de 41 grupos camponeses organizados na Frente Camponesa Unida – Samyukta Kisan Morcha (SKM) participaram das negociações.

Uma das demandas que o governo concedeu foi a de eximir os camponeses de multas no contexto da recente legislação que criminaliza a queima nos cultivos. Esta medida foi implementada para limitar os níveis de poluição do ar em Nova Delhi e regiões vizinhas. A outra correspondente à retirada da controversa Lei de Eletricidade 2020, que eliminaria o subsídios e garantias especiais para os trabalhadores do campo.

Negociações com o governo: o que aconteceu até agora?

Seis ciclos de negociações aconteceram desde que as leis foram aprovadas pelo governo em setembro. Quatro pontos da nova legislação suspensos depois que os camponeses começaram a bloquear a capital.

Os duas primeiras rondas de negociação aconteceram entre 14 de outubro e 13 de novembro, mas nenhum acordo foi alcançado. Depois disso, milhares de camponeses chegaram às fronteiras de Nova Delhi, junto com outros grupos de trabalhadores rurais de estados vizinhos.

O diálogo realizado entre o governo do primeiro-ministro Narendra Modi e a população agrária, realizado em 3, 5 e 7 de dezembro, envolveram dezenas de movimentos camponeses de toda a Índia, que tenraram negociar com a delegação de ministros. Nada foi acordado nessas rodadas porque os camponeses se mantiveram firmes, concordando apenas em participar da negociação sobre as três leis e aumentar os preços mínimos existentes, o que o governo rechaçou.

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O primeiro-ministro indiano não participou do diálogo, enviando o Ministro do Interior, Amit Shah, para se encontrar brevemente com os camponeses. Somente após um mês de protestos e uma forte campanha de boicote contra entidades corporativas próximas ao governo, foi possível, no sexto ciclo, incluir a agenda principal, conforme exigido pelos camponeses.

A luta se intensifica, o apoio cresce

Os protestos se intensificaram diante da ausência de avanço nas negociações e as organizações camponesas estabeleceram uma jornada de protestos para os próximos dias. A mobilização inclui a realização de marchas e protestos em frente à casa de governadores de diversos estados e uma marcha até à capital, saindo dos cinco locais onde estão acampados atualmente.

Ao final de dezembro, a Confederação Central dos Sindicatos da Índia (CITU) realizou uma greve nacional em mais de 10 mil locais de trabalho. Além de apoiar as demandas dos camponeses pela revogação das três leis sobre o campo e da Lei de Eletricidade 2020, eles também exigiram a revogação de três novos códigos trabalhistas e a suspensão das recentes privatizações do governo. Os trabalhadores sindicalizados também exigiram uma um auxílio emergencial para trabalhadores autônomos e agrícolas devido à pandemia.

O Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas da Índia (AIAWU) também convocou uma greve para esta quinta (07) e sexta (08).

Enquanto isso, a All India Kisan Sabha (AIKS), que faz parte da coalizão que organiza o bloqueio na capital, mobilizou milhares de camponeses de diferentes partes do país para se juntar à mobilização. Um contingente de quase 500 camponeses do estado de Maharashtra chegou a Nova Delhi no 25 de dezembro, após atravessar 1.300 km.  Vários outros contingentes de Rajasthan, Uttar Pradesh e Bihar também chegaram aos arredores de Nova Delhi após enfrentarem bloqueios policiais em estados vizinhos.

Diversos protestos foram realizados em outros estados indianos, organizados por partidos de esquerda e outros grupos de oposição que enfrentaram a repressão policial na semana passada. Mais protestos também estão sendo convocados.

Neste período, tem crescido também a solidariedade aos camponeses acampados, que receberam doações financeiras e de itens essenciais.

Boicote corporativo

Um elemento central da jornada de mobilização é como os grupos camponeses têm realizado uma campanha permanente contra as maiores corporações do país, que são as principais beneficiárias do governo do partido oficial Bharatiya Janata, do primeiro-ministro Modi. No ato organizado nacional no começo de dezembro, os manifestantes fizeram um chamado ao boicote de várias grandes corporações como multinacional Reliance Industries e o Grupo Adani, de propriedade dos bilionários Mukesh Ambani e Gautam Adani.

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Ambani e Adani são os homens mais ricos da Índia. As recentes políticas governamentais no setor agrícola parecem apoiar as mais recentes iniciativas das corporações no setor. Ativistas e economistas argumentam que a retirada dos subsídios para irrigação e eletricidade, juntamente com a ausência dos preços mínimos e dos Comitês de Mercados de Produção Agrícola (APMCs), somada às novas leis sob as novas leis, colocariam os agricultores à mercê das grandes corporações

O boicote também foi apoiado por vários grupos da sociedade civil, partidos políticos e cidadãos. Por exemplo, segundo o Sindicato Bharatiya Kisan-Ugrahan, um dos organizadores do protesto, a subsidiária da Reliance, a empresa de telecomunicação Jio Infocomm, teve mais de mais 700 mil linhas de celular canceladas na duas semanas após o chamado do boicote.

Edição: Peoples Dispatch