"acordo histórico"

Venezuela e centrais sindicais brasileiras vão levar oxigênio semanalmente a Manaus

Epicentro da crise sanitária, cidade vive caos e é palco de "corrida frenética" pelo produto, alvo de preço abusivo

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Amazonas recebeu doações de vários outros lugares, mas quantidade pode não ser suficiente para abastecer demanda local, estimulada pela aceleração da pandemia - Ministério da Saúde/Divulgação

O Fórum das Centrais Sindicais, que reúne as seis principais entidades brasileiras do ramo — CUT, Força Sindical, UGT, CTB, CSB, NCST —, selou o que considera ser um “acordo histórico” com o governo da Venezuela para assegurar um fornecimento semanal de oxigênio a Manaus (AM), cidade onde a carência do produto tem levado dezenas de pacientes à morte.

A partir de agora, o país vizinho deverá enviar 80 mil m³ do insumo à capital amazonense, que contará com a parceria das centrais nos processos de captação, transporte e distribuição.

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“As centrais vão mobilizar todos os seus entes — estaduais, sindicatos, federações, confederações — e também a IndustriAll Brasil neste trabalho urgente para garantir o envio de caminhões à Venezuela para a retirada do oxigênio que será levado e distribuído em Manaus. É uma troca baseada na cooperação, e isso se chama solidariedade de classe”, afirmaram as entidades em nota publicada nesta quarta (20).

A quantidade que será doada é equivalente a três dias de produção das empresas que abastecem a cidade com oxigênio hospitalar. A primeira leva tem previsão de chegada para a próxima semana e vem depois de o país ter enviado, nos últimos dias, um montante de mais de 130 mil m³ de oxigênio para o Brasil.

O Amazonas já recebeu também doações de vários outros lugares, como do governo de Pernambuco e da Prefeitura de Recife, que enviaram 200 concentradores de oxigênio para serem distribuídos a 49 cidades que estão em condições mais precárias de oxigênio e também de acesso à capital.

Para tentar aliviar o problema, foi montada uma operação multilateral que envolve diferentes órgãos públicos e as Forças Armadas. Ao todo, a Força Aérea Brasileira (FAB) levou ao Amazonas mais de 160 toneladas de carga, incluindo 12 usinas de oxigênio, 36 tanques de oxigênio líquido, 1.510 cilindros com a versão gasosa do produto e 40 respiradores.  

Apesar de comemorada, a quantidade de doações até agora pode não ser suficiente para abastecer a demanda local, estimulada pela aceleração da pandemia. De acordo com o governador do estado, Wilson Lima (PSC), por exemplo, a necessidade de oxigênio hospitalar saltou de 15 mil m³ para 75 mil m³ nas duas semanas que antecederam o colapso do último dia 15, quando diversos pacientes morreram. 

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“Corrida frenética”

Representantes de entidades civis que hoje se unem para prestar socorro às unidades de saúde relatam problemas diversos, como as enormes filas para adquirir o produto junto a fornecedores locais. É o que destaca Beatriz Calheiro, do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Amazonas (Sinteam).

“Pra você ter noção, hoje quem está na fila pra comprar oxigênio pra tratamento domiciliar passa o dia todo na fila aguardando sua vez, entrega o cilindro e, em regra, a empresa entrega o cilindro cheio no dia seguinte. Ele não recebe logo. É uma corrida frenética porque você sabe que vai faltar amanhã, então, tem que estar na fila hoje”, conta Beatriz Calheiro, que integra um comitê local de socorro a pacientes.

Diante da escassez, a especulação, um problema já conhecido em outros contextos de mercado, deixou familiares de pacientes, profissionais de saúde e colaboradores ainda mais preocupados. O preço do oxigênio hoje salta aos olhos de quem busca o produto na rede local.

 “Num período normal, a recarga custa abaixo de R$ 100 pra um cilindro de 50 litros e, em período eventualmente mais delicado, o cilindro e a recarga custam R$ 300 ou não passa de R$ 500 o kit. Agora estão cobrando R$ 2 mil por um cilindro de 5 litros, que não dura horas pra um único paciente”, narra a sindicalista do Sinteam.

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Sistema de Justiça

O caos sanitário em Manaus é acompanhado por diferentes órgãos, como o Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Amazonas (MP-AM), que abriu um procedimento para investigar as causas e consequências da carência de oxigênio no estado. Ministério Público Federal (MPF), MP do Trabalho (MPT), MP de Contas (MPC), Defensoria Pública da União (DPU) e Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) também se envolveram no desenrolar da crise.

As seis instituições obtiveram, por exemplo, na segunda (18), uma decisão da Justiça Federal favorável a um pedido que havia sido feito de forma conjunta para obrigar o governo Bolsonaro a enviar cilindros de oxigênio ao estado. A União também foi obrigada a preparar e apresentar um plano de abastecimento da rede do Amazonas, transferir os doentes para outros estados assegurando os custos do tratamento, entre outras medidas.

Edição: Camila Maciel