Impactos econômicos

Bares históricos de São Paulo lutam para sobreviver à pandemia de covid-19

Delivery é uma das estratégias mais utilizadas por restaurantes que precisaram fechar o atendimento presencial

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Além de música, bebida e comida, o Espaço Cultural Al Janiah também é espaço de exibição de filmes e debates - Reprodução Facebook

No dia em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o mundo vive uma pandemia de covid-19, em 11 de março de 2020, Lívia Mannini aguardava o dia seguinte para reabrir o Bar do Alemão, existente há cerca de 52 anos no município de São Paulo, mas que desde final do ano anterior vinha passando por dificuldades financeiras.

A ideia era abrir durante o dia, uma vez que abrir à noite não vinha gerando lucros suficientes para mantê-lo aberto. 

A notícia de que a doença havia tomado conta do planeta, forçando os estabelecimentos a fecharem as portas, atingiu em cheio as expectativas da gestora do estabelecimento, e o enxuto quadro de quatro trabalhadores. 

A solução encontrada por Mannini e outros donos de bares e restaurantes no Brasil todo, foi partir para a entrega por delivery. "A gente se adaptou como pôde”, conta a gestora do Bar do Alemão. 

“Foi uma decisão rápida que eu tomei de partir para o delivery. Eu não tinha condições de manter o bar fechado. Se fosse fechar, fecharia de vez. O bar realmente precisava funcionar, então partimos para o delivery", conta Mannini. Cerca de 10 meses após o início da pandemia, ela afirma que ainda está “enfrentando uma guerra".

Desde segunda-feira (25), o governo estadual determinou a volta da fase laranja do Plano São Paulo de enfrentamento à covid-19 em determinadas regiões do estado, incluindo a capital.

Sendo assim, restaurantes e bares só podem funcionar por oito horas diárias, com atendimento presencial limitado a 40% e fechamento às 20h.

“Hoje a gente está segurando a onda. Estamos falando de pingar para não secar. Economia total, equipe enxuta, trabalhando só um turno e não se joga meio pedaço de pão fora. Espírito de guerrilha. Isso é o jeito que a gente encontrou”, afirma Mannini.

Outro estabelecimento conhecido em São Paulo que luta para sobreviver é o Espaço Cultural Al Janiah. Segundo uma publicação nas redes sociais, o estabelecimento ressalta que, “desde antes da pandemia, o país já passava por crise econômica".

"Com as restrições que chegaram com essa crise sanitária sem precedentes, tivemos que pensar em novos meios de sustentar o Al Janiah, como o serviço de delivery, sem experiência alguma ou preparo para o que estaria por vir”, relatam os donos do estabelecimento em sua página oficial. 

Com os reveses econômicos, a existência do bar, conhecido pela propagação da cultura arábe e defesa dos direitos humanos, está em xeque.

“Hoje, não temos mais a quem pedir emprestado, não temos o básico para comprar insumos, ingredientes, embalagens. Estamos com meses de aluguéis atrasados e já sem nada em vista no horizonte para amenizar esses problemas", relatam os proprietários.

Diante da situação, eles passaram a traçar estratégias para sobreviver. Em janeiro deste ano, iniciaram uma campanha online para conseguir doações e mais pedidos de delivery, o que resultou em um aumento expressivo no número de entregas. "Nossa força está viva e reside no coletivo. Nosso número de pedidos triplicou. Nosso Whatsapp chegou a travar! E isso nos emocionou. Foi muito emocionante”, disseram.

Cerca de 30% dos bares no estado de São Paulo já fecharam

Segundo Percival Maricato, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo (Abrasel-SP), 30% dos bares e restaurantes já fecharam e cerca de 300 estão fechando por dia no estado de São Paulo, desde março de 2020. Somente em São Paulo, com a proibição do consumo de bebidas em bares, a estimativa da associação é de uma diminuição de 50% no faturamento.

Por mais que os dados sejam estarrecedores, Maricato ainda considera os percentuais baixos diante da realidade, “um milagre”.

“Qualquer pesquisa diz que uma pequena empresa fecha em alguns meses se não faturar. Ora, é até um milagre que tenha sobrevivido 70% do setor. Ninguém sabe como sobreviveu”, afirma. 

Mesmo com o início da campanha de imunização contra a covid-19, as expectativas não são animadoras, já que a quantidade de doses existentes - cerca de 12 milhões - ainda está aquém do necessário para vacinar grande parte da população brasileira, um total de 420 milhões de doses.

Frente ao cenário de aumento do número de casos e óbitos e o recrudescimento das medidas de segurança, Maricato estima que apenas 20% dos bares e restaurantes do país devem sobreviver se a pandemia durar em média mais quatro meses. 

A possibilidade de fechar as portas é uma realidade vivida por Stefânia Gola, proprietária da casa de música de São Paulo Ó do Borogodó, existente desde 2001.

Desde o dia 14 de março, o estabelecimento, conhecido entre os paulistanos pelas rodas de pagode e samba, se mantém fechado. Diferente do Bar do Alemão, que é um restaurante, a casa de música não tem cozinha e, por isso, sequer faz sentido abrir para delivery. 

Cerca de 10 meses depois, a situação é “completamente dramática”, afirma Gola.

 “A gente está pensando entre entregar o ponto ou fazer uma arrecadação coletiva de dinheiro. Mas a gente tem muita dívida e não sabe se vai conseguir sobreviver à pandemia", relata.

Stefânia e Leonardo Gola, seu irmão e também proprietário do Ó do Borogodó, estimam que a dívida chegue atualmente a cerca de R$ 300 mil. Até o fim de 2020, os donos conseguiram honrar com os pagamentos de salário dos quatro funcionários, o que começou a mudar em janeiro deste ano.

“É um ano sem recolher imposto, sem pagar aluguel, conta de água e luz”, lamenta Stefânia, que diz nunca ter passado por uma situação parecida como esta e ainda não sabe se o caminho será fechar as portas. 

“A gente não vai abrir sem vacina, nesse esquema com número limitado de pessoas. Isso não é uma possibilidade pra gente. A gente é o sinônimo da aglomeração. Não tem como não ser um bar não aglomerado”, afirma.

Desemprego e informalidade

Na visão de Percival Maricato, os bares e restaurantes que cumprem os protocolos de segurança não são responsáveis pelo agravamento da pandemia, que encerrou a semana do dia 23 de janeiro com 7.149 mortes confirmadas por covid-19, o pior cenário desde agosto, de acordo com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

Para o presidente da Abrasel-SP, falta fiscalização para controlar estabelecimentos que fogem dos protocolos e festas clandestinas, por exemplo.

“As eleições, por exemplo, foram muito graves, as festas natalinas, o pessoal se juntando na praia, o transporte público. O governo tem de encontrar formas de conseguir falar com a população excluída social e economicamente. Uma outra praga que está ocorrendo é que se fecham os bares e restaurantes formais e estimula a proliferação de informalidade”, afirma Maricato.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE), a taxa de informalidade atingiu 38,8% da população ocupada, ou seja, cerca 32,7 milhões de trabalhadores informais, no trimestre de agosto a outubro de 2020.

No mesmo período, a quantidade de trabalhadores sem carteira assinada no setor privado cresceu 9% em relação ao trimestre anterior; e daqueles que passaram a trabalhar por conta própria, 4,9%. Já o desemprego atingiu 14,1 milhões de pessoas.

O que o Estado faz para amenizar a situação?

De acordo com Percival Maricato, a Prefeitura de São Paulo “não fez absolutamente nada” que ajudasse efetivamente bares e restaurantes.

Stefânia Gola, também afirma que não houve respaldo: “Os pouquíssimos auxílios que a Prefeitura ofereceu eram para pessoas que não tinham dívidas com a Prefeitura. Não ofereceu nenhum tipo de subsídio, absolutamente nenhum respaldo. É um completo abandono”, afirma a dona do Ó do Borogodó. 

Na mesma linha, Lívia Mannini afirma que “o governo deixou a gente atrasar um pouco os impostos, como o FGTS. Mas depois, quando fomos pagar finalmente, eles cobraram juros. Não tinha nenhum subsídio”.

A gestora do Bar do Alemão ainda critica a posição dos aplicativos de entrega, como Ifood, Uber Eats e Rappi, por cobrarem taxas elevadas. “No começo, eles davam desconto, mas gradativamente foi diminuindo e chegando aos preços regulares. Mas eles esqueceram que a gente continua na pandemia”, afirma Mannini. 

O outro lado

O Brasil de Fato entrou em contato com as três empresas de aplicativos de entrega citados e a Prefeitura de São Paulo solicitando um posicionamento sobre as reclamações apresentadas, além de medidas para auxiliar na diminuição do impacto da crise financeira intensificada pela pandemia. 

O Uber Eats afirmou, em nota, que houve gratuitidade das taxas de entregas no início da pandemia, além da insenção da taxa quando a retirada era realizada pelo próprio usuário.

"Foi feito um investimento de milhões de reais para viabilizar entregas grátis para pedidos feitos em milhares de pequenos e médios restaurantes parceiros do Uber Eats", afirmam em nota. Também dizem que passaram "a oferecer pagamentos diários para restaurantes parceiros pequenos e independentes, em mercados específicos".

Também em nota, o Ifood afirmou que "se dedicou a buscar soluções que amenizem os impactos econômicos e sociais do período desafiador da pandemia para os restaurantes cadastrados em sua plataforma". A empresa ainda informou que "zerou a taxa de pedidos feito pelo ‘Pra Retirar’ (no qual o cliente pede pelo app e retira no restaurante). São mantidas apenas as taxas de meio de pagamento do pedido".

Até o momento, a Prefeitura de São Paulo e a empresa Rappi não responderam às solicitações.

Edição: Leandro Melito