NECROPOLÍTICA

No Grajaú, o drama das mães que perderam o auxílio: "Acabou com a vida da gente"

Enquanto famílias empobrecem, Governo não apresenta alternativas para retorno do benefício ou reajuste do Bolsa Família

Brasil de Fato | São Paulo (SP) | |

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Com 5 crianças para alimentar, Aline Bispo dos Cantos, de 27 anos, recebeu 160 reais do Bolsa Família em janeiro - Pedro Stropasolas

No Grajaú, extremo sul de São Paulo, as mulheres da Ocupação Jardim Gaivotas são símbolo do empobrecimento e da falta de perspectiva de renda após o fim do auxílio emergencial. 

"Acabou com a vida da gente. Hoje a gente tem para comer, amanhã a gente não sabe. Hoje a gente come o almoço para ter a janta. Ou a gente nem come para deixar para o filho comer. Porque é muito ruim seu filho pedir um leite e não ter para dar", conta a desempregada Erika Aparecida Severino, que sobrevive de doações para alimentar os seis filhos. 

Segundo pesquisa recente do Datafolha, 69% dos brasileiros atendidos pelo auxílio emergencial em 2020 ainda não conseguiram obter outra fonte de renda depois de dezembro. 

O benefício de R$ 600 chegou a mais de 126 milhões de pessoas, o que representa 60% da população brasileira, segundo o Ministério da Cidadania. De acordo com a Fundação Getúlio Vargas, de maio a dezembro, 15 milhões de brasileiros deixaram a extrema pobreza por causa do benefício.

Em meio à escalada de mortes pela covid-19, o governo federal não confirma a volta do benefício, apesar de pressão do Congresso Nacional, de movimentos populares e da sociedade civil. 


Erika vivia de bicos como trancista antes da chegada do vírus / Pedro Stropasolas

Auxílio vai voltar?

Na noite de quinta-feira (4), o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a considerar a possibilidade do retorno do auxílio emergencial, durante encontro com o novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). A retomada, porém, depende de reformas e contemplaria somente a metade dos beneficiários. 

“Eu não sei porque não deixaram o auxílio. Tava ajudando muita gente. Tava sendo uma boa ajuda para mim. Ontem mesmo meu filho que tá de leite, já não tinha. Fui na dona Ana pedir. Ontem a noite fui atrás de um pacote de açúcar que não tinha. Hoje ele pediu laranja, já não tinha para dar. Pede banana. Eu fico até chorando, porque não tem para dar para eles”, lamenta a auxiliar de limpeza Aline Bispo dos Cantos. 

A jovem mãe de 27 anos, também desempregada, sobrevive hoje do Bolsa Família para alimentar cinco crianças. Em 2020, todos os beneficiários do programa foram incluídos no pagamento do auxílio emergencial. 

“Esse mês agora eu peguei o Bolsa Família de 160 reais. Mas só que, como eu compro coisa fiada, eu tive que pagar o mercado. Fiquei só como 50 reais para ficar comprando pão”, relata.

Bolsa Família defasado

A defasagem do Bolsa Família, sem atualização dos valores, vem aumentando a vulnerabilidade das famílias, como aponta Leandro Teodoro Ferreira, presidente da Rede Brasileira de Renda Básica.

“Os aumentos do Bolsa Família nos últimos anos não foram suficientes para repor os valores da inflação. Em 2017 e 2016 eles já ficaram abaixo daquilo que era necessário", ressalta Ferreira.

"Agora a gente tem uma situação em que mesmo que as famílias sejam habilitadas a receberem o programa, talvez não seja o suficiente para que eles tenham a manutenção da sua dignidade em um cenário de tamanha dificuldade como o imposto pela pandemia."    

No orçamento de 2021, o governo federal chegou a sinalizar pela reestruturação e reajuste do programa, com o aumento de 5,5 bilhões de reais em relação a 2020. O orçamento, porém,  ainda não foi aprovado pelo Congresso Nacional. 

Atualmente, cerca de 1,4 milhão de famílias estão na fila para entrar no programa - apesar de já terem feito o cadastro no Ministério da Cidadania. 

O último reajuste no Bolsa Família foi de 5,6% e concedido ainda no governo Temer, em 2018. Em 2020, somente a inflação de alimentos, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), foi de 14,09%.


Em zona de manancial, comunidade do Jardim Gaivotas convive com a iminência constante de reintegração de posse / Vitor Shimomura

"Quanto mais pobre morrer, melhor"

Ana Maria Gomes Santos é quem organiza as poucas doações que hoje chegam para as 200 famílias no Jardim Gaivotas, situada em área densamente ocupada às margens da Represa Billings. Ela relata o drama de quem hoje só pode recorrer ao Bolsa Família para os gastos da casa. 

“Como que uma família sobrevive com 160 reais de Bolsa Família com 5 crianças?", questiona.

"Infelizmente eles acham que a gente não serve para nada, mas a gente serve para lavar os banheiros deles, a gente serve para cozinhar para eles, a gente serve para lavar, para passar, para cuidar dos filhos, essa é a classe que precisa. E nem isso a gente está conseguindo fazer mais, porque não tem mais emprego”, relata a liderança, que levava 3 horas para se deslocar até a casa da patroa, no bairro da Saúde, antes de ser dispensada sem qualquer remuneração. 

Também diarista, Maria Raimunda Pereira teme sair às ruas por conta do vírus: “Três meus têm problemas de respiração. Quanto mais pobre morrer para eles, melhor. Tudo que for para nós pobres, que eles puderem deletar, para eles é bem melhor", lamenta a trabalhadora.

Pereira precisa garantir o sustento de quatro crianças e relata a dificuldade que enfrenta para comprar alimentos devido ao aumento dos preços. "Aqui é 87 reais o gás. Você compra o gás, compra o arroz, o feijão, e acabou o dinheiro", pontua.

"O arroz tá um absurdo, o feijão também tá caro. Mesmo você recebendo um pouco da cesta, eles não dão a cesta para passar um mês, é quinze dias, uma semana. Não é só uma criança. É mais quatro e eu."

Outro lado

Questionado pelo Brasil de Fato sobre a possibilidade de retorno do auxílio emergencial, o Ministério da Economia respondeu que não irá comentar sobre o assunto. Até o fechamento desta reportagem, o Ministério da Cidadania não enviou seu posicionamento.

Edição: Leandro Melito