RESISTÊNCIA

Sem renda, famílias da São Remo abandonam favela e ocupam terreno da USP em São Paulo

300 famílias lutam por moradia em área abandonada pela USP. Reitoria quer a desocupação da área

Brasil de Fato | São Paulo (SP) | |

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"A gente se reuniu e decidimos limpar para o nosso bem. Para a gente conseguir a gente precisa primeiramente tirar esse lixo", conta a mãe desempregada Renata Souza Oliveira - Pedro Stropasolas

Sem alternativa de renda após o fim do Auxílio Emergencial, cerca de 300 famílias da favela São Remo, zona oeste de São Paulo, vivem hoje em um terreno da Universidade de São Paulo (USP), nos arredores da comunidade. 

As famílias chegaram há cerca de um mês, e a maioria é chefiada por mulheres. No local, elas vivem hoje sem rede elétrica ou água encanada e se alimentam coletivamente em um barracão improvisado.

“Tem pessoas que foram despejadas e já trouxeram os móveis para cá e tá morando aqui, tem pessoas que tá com o aluguel atrasado e tá fazendo o que pode, pegando uma madeira aqui outra ali”, conta Talita de Oliveira Nunes, uma das lideranças da ocupação Buracanã, como é chamada.

A ocupação é um retrato do agravamento da crise socioeconômica que assola o país em meio à pandemia. 

"Não tem com quem eu deixar as minhas filhas, porque não tem escola, não tem creche. Eu tenho uma bebezinha de 2 anos, ela tem asma, não tem como eu mandar pra creche, não tem como eu pagar alguém pra cuidar dela. Ou eu trabalho para comer ou para pagar o aluguel e eu não tô conseguindo trabalhar para nenhum dos dois", revela Talita. 

A mesma dificuldade é sentida por Tatiane Cristina, mãe de quatro filhos, que hoje recebe apenas R$ 200 reais do Bolsa Família.

“Esse mês eu só peguei 200 reais. Comprei 150 de madeira, sobrou 50, comprei o leite do neném e pronto. Não deu nem para comprar a fralda. Tá faltando comida, sim”, revela.

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Abandonado há pelo menos 30 anos, o terreno da USP chegou a ser cedido à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) para a construção de moradias populares. O projeto, porém,  nunca avançou. 

Ao longo de todo esses anos, as famílias contam que a área vinha sendo usada para descarte de lixo e entulhos. 

Hoje, há ainda pessoas limpando o espaço para erguer seus barracos, como é o caso de Maria de Souza, que também deixou sua casa na São Remo por conta do preço do aluguel.

“A gente está limpando o mato aqui, muito lixo aqui, muito escorpião, muita caranguejeira, muita barata, muito rato. Tá muito complicado para nós aqui. Se a gente não precisasse, a gente não estaria aqui”, aponta. 

Ivania Pedro da Silva, de 34 anos, foi uma das primeiras a ocupar o terreno e é uma das lideranças. Ela trabalhava na área de limpeza do Hospital Universitário da USP e foi dispensada no ano passado. Hoje, sobrevive de bicos em um lava-rápido. 

“Quebrou as pernas de muita gente. Hoje eu fui na escola levar minha filha. A Vitória está no quarto ano e não sabe nem ler mais. Prejudicou em todas as áreas. Aí vem a dificuldade do desemprego. Você vai no mercado comprar coisas. 50 reais você compra 3, 4 itens. Essa pandemia veio para acabar com tudo mesmo”, conta a trabalhadora que também não recebe o Bolsa Família.

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“Eu estou sem benefício nenhum. Nunca tive direito a benefício. Consegui ter acesso a duas parcelas do Auxílio Emergencial, depois cortaram, não tive mais direito. E tô aí nessa luta”, revela a liderança.

No final de janeiro, por meio de notificação extrajudicial, a reitoria e a Superintendência de Prevenção e Proteção da Universidade de São Paulo (USP) chegou a pedir a desocupação da área.  A carta da USP falava em medidas coercitivas com apoio de autoridade policial, caso os ocupantes não saíssem do terreno em até 12 dias. 

Segundo Paula Nunes, advogada e covereadora da Bancada Feminista do PSOL, uma ordem de reintegração de posse só pode ser executada por meio de ação judicial, o que não foi o caso. A parlamentar vem ajudando as famílias nas negociações com a USP, a CDHU e a Subprefeitura do Butantã.

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“Nós seguimos em negociação com a USP, para que a USP desmobilize a polícia e para que a USP não manifeste seu interesse para que o terreno seja desocupado. Evitar que haja um despejo violento, e por outro lado garantir que lá exista um projeto de habitação popular construído pelo estado de São Paulo e que seja destinado às famílias que vivem e ocupam hoje o terreno", conta Paula.

Para apoiar as famílias, doações podem ser feitas por meio de transferência bancária pelo Pix: (11)970680035, ou entrega no local. Entre os itens mais prioritários, estão alimentos, água potável, equipamentos de proteção individual e produtos de higiene pessoal. 

Outro Lado

O Brasil de Fato entrou em contato com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU)  e com a Universidade de São Paulo (USP), mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem

 

Edição: Raquel Setz