Coluna

A pipoca ancestral e a vida moderna

Imagem de perfil do Colunistaesd

Ouça o áudio:

Carrinho de pipoca dos anos 1920. O cinema e o circo ajudaram a espalhar o gosto pela pipoca - Imagem de época reproduzida por Popped Culture: A Social History of Popcorn, de Andrew Smith 
Em português pipoca vem do tupi e quer dizer “estalando a pele”

Em meados da década de 1920, em São Paulo, os petiscos preferidos da cidade eram quatro, vendidos pelas esquinas: batata cozida, pinhão, amendoim e pipoca. O jornalista Sylvio Floreal, escreveu sobre as preferências da cidade nas páginas de seu livro de crônicas chamado de Ronda da meia-noite. Pseudônimo de Domingos Alexandre, Floreal era tipo muito conhecido por essas bandas: um pouco gordo, tinhas cabelos bem penteados pra trás da cabeça, andava com uma bengala esquisita e possuía curiosidade insaciável pelos tipos que vagavam pela metrópole em formação. Ele reparava que o pinhão e a batata assada tinham dado lugar para o amendoim e para a pipoca, petiscos incentivados pela vida rápida dos circos, teatros e cinemas.

A pipoca era, portanto, o petisco da modernidade, da velocidade, da voracidade, do tempo rápido e dos novos espetáculos que começavam a agitar São Paulo. Se a pipoca foi associada à modernidade dos anos 1920, vemos que ela tem uma história muito, mas muito mais antiga. Arqueólogos provaram que os povos do Peru consumiam pipoca em cerca de 4.700 anos antes de Cristo e que restos de milho de pipoca estourada foram encontrados no México cerca de 3.600 anos a.C.

Assim, a pipoca fazia parte inerente da cultura asteca havia muitos séculos antes da chegada dos espanhóis. Abismados, quando chegaram entraram na grande cidade do México, eles se espantaram ao verem os pequenos grãos de milho estourados adornarem os cabelos das moças do lugar. A pipoca, estourada nas fogueiras diretamente do milho ou feitas em panelas tampadas com areia, era parte inerente da cultura local. Logo passou a agradar também os estrangeiros.

A poesia da árvore de folhas douradas: a Gingko Biloba

O milho para fazer pipoca é uma variedade especial, chamada cientificamente de Zea mays everta, com espigas menores que as do milho que estamos acostumados na feira. Seus grãos podem aparecer em diferentes formas, pontudos, achatadinhos, redondos, e as espigas podem ser de diferentes cores, amarelo, branco, roxo, rosa – não precisa ser aquele milho, transgênico amarelo e gordo, ainda que a maioria dos milhos para pipoca seja desse tipo.

Nos EUA, em inglês, se diz popcorn. Mas em espanhol a pipoca tem um nome lindo. Como o milho estourado lembra as pombas brancas, as pipocas são chamadas palomitas. Em português pipoca vem do tupi e quer dizer “estalando a pele”. No norte do Brasil, diz-se também popoca ou pororoca, que significa estrondar, e é usado também para o encontro das águas pluviais com o oceano. Por muito tempo as marcas de doenças de pele, como a bexiga, também eram chamadas de pipocas justamente por causa do significado.

Num enorme lapso temporal, vemos que a pipoca era conhecida como um petisco saboroso nas feiras e mercados estadunidenses ao longo do século 19. Parques de diversão, corridas de cavalo, festas típicas eram locais em que o milho de pipoca, estourado não mais numa panela com areia, mas com gordura animal ou vegetal, fazia sucesso.

Churrasquinho, cerveja e pipoca: o gosto da liberdade

Aqui no Brasil, há registros de um cavalo de corrida chamado Pipoca nas corridas cariocas do Prado Boa Vista em maio de 1884. Sinal de prestígio do petisco e do uso corrente da palavra na sociedade. E vemos pipoca em muitas poesias, crônicas e matérias de jornais como uma comida leve, de entretenimento, de comer junto.

Quando o cinema se popularizou, aqui e no mundo, como uma diversão de massas, a pipoca do circo e das feiras entrou para as salas de exibição para nunca mais sair. Criaram-se os carrinhos de pipoca que, invariavelmente, estavam nas portas dos cinemas. E a pipoca passou a ser sinônimo de modernidade, de diversão e de filmes. Sylvio Floreal, na sua crônica ligeira sobre os petiscos da capital, captou muito bem o espírito de seu tempo.

Edição: Rodrigo Chagas