CRISE MIGRATÓRIA

Justiça contraria União e não autoriza desocupação de ponte entre Brasil e Peru

AGU tem dois dias para se manifestar sobre assistência às famílias. Cerca de 60 imigrantes seguem acampados no local

Brasil de Fato | São Paulo (SP) | |

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Há duas semanas, grupo conseguiu romper o bloqueio na Ponte da Integração, mas foi reprimido pela polícia em Iñapari - Alexandre Noronha/Amazônia Real

Em despacho publicado nesta segunda-feira (1), a justiça não autorizou a desocupação da Ponte da Integração, entre as cidades de Assis Brasil (AC) e Iñapari, no Peru, onde cerca de 60 imigrantes, sobretudo haitianos, permanecem bloqueando a fronteira com o país vizinho. 

A decisão provisória da 2ª Vara Federal Cível e Criminal da SJAC questiona a União sobre quais medidas o governo federal vem oferecendo às famílias que ocupam o local e solicita um plano de remoção e reassentamento para os ocupantes - caso haja a desobstrução da área. 

“A União não informou quais medidas tomou até agora ou o que pretende fazer para tentar solucionar os problemas advindos da situação”, diz trecho do despacho judicial, que dá um prazo de 48 horas para nova manifestação da União sobre a questão.  

O despacho judicial é uma resposta ao pedido de reintegração de posse ajuizado pela Advocacia Geral da União (AGU), na última sexta-feira (26), que sustenta que o bloqueio da ponte representa um risco à segurança nacional e tem gerado prejuízos econômicos à região. 

A decisão do juiz Herley da Luz Brasil se deu após os pareceres da Defensoria Pública da União (DPU) e do Ministério Público Federal (PF) sobre o caso, que se manifestaram contrários à desobstrução da ponte após o pedido da AGU. 

Tanto a DPU quanto o MPF criticaram a falta de ações diplomáticas e humanitárias por parte do governo federal para resolver a questão, além do uso da força. 

As entidades destacam que ao menos 40% dos imigrantes que estão na região da fronteira são mulheres ou crianças.

Até o momento, a medida mais efetiva por parte do Governo Federal foi autorizar, por meio de portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o uso da Força Nacional no Acre por 60 dias no município, em apoio às forças policiais do estado. Hoje, são 12 militares na região. 

“Ele (o despacho) deixa evidente a necessidade da União apresentar informações sobre o que fez para garantir os direitos do grupo e para dar uma resposta ao fluxo de migração na região”, aponta João Chaves, coordenador do Grupo de Trabalho Nacional da DPU sobre migrações, refúgio e apatridia. 

Chaves destaca o pedido da DPU para a realização de uma audiência na próxima quarta-feira (3) em Assis Brasil (AC), em busca de uma solução pacífica para a situação. 

“Nosso pedido é que ocorra a audiência para que os migrantes possam se manifestar e ser buscada uma solução amigável para o conflito, além da necessidade de garantir assistência social”, aponta o defensor, que irá à fronteira para participar das negociações.

A crise migratória em Assis Brasil (AC) 

No dia 16 de fevereiro, cerca de 400 imigrantes tentaram deixar o Brasil e entrar na cidade de Iñapari, onde foram expulsos com violência pela polícia peruana

O Peru não está permitindo a entrada de pessoas vindas de países onde circulam novas cepas no coronavírus. Hoje, o país permite apenas a passagem de caminhões com alimentos e combustíveis. 

Com a ocupação da ponte pelas famílias, o tráfego dos veículos, porém, está interrompido. Só no lado peruano, são 37 caminhões parados com cargas perecíveis.

Parte das famílias que aceitou deixar a ponte e voltar para o lado brasileiro, hoje está  alojada em abrigos cedidos pela prefeitura de Assis Brasil (AC).

Além do colapso na assistência social do município e da superlotação dos abrigos, onde vivem atualmente cerca de 400 pessoas, Assis Brasil tem a maior taxa de contaminação pela covid-19 no estado do Acre.

Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chegou a visitar o Acre para sobrevoar as áreas alagadas pelos rios, mas não comentou o impasse migratório na região fronteiriça.

O que diz o Itamaraty

Em nota enviada à reportagem, o Ministério de Relações Exteriores diz que segue mantendo “contato regular com as autoridades peruanas a respeito da questão” e que elas “têm reafirmado a situação de fechamento da fronteira terrestre para o ingresso de estrangeiros não residentes em seu território”. 

O Itamaraty afirma também que as negociações com o governo peruano vêm sendo coordenadas pela Casa Civil da Presidência da República, por meio de grupo interministerial.

Edição: Leandro Melito