Sufoco

Entenda as "novas regras fiscais" da PEC do auxílio emergencial aprovada nesta quarta

Combo de ajustes fiscais inclui gatilhos de contenção de gastos para entes federados e congelamento de salários

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
"Se emenda for aprovada, faltarão mais respiradores, mais estradas, mais vagas nas universidades”, projeta Henrique Fontana - Divulgação

O texto que libera a nova rodada de concessão do auxílio emergencial no país foi aprovado, em primeiro turno, na madrugada desta quarta-feira (10) pela Câmara dos Deputados. 

Durante os debates que ocorreram ao longo de terça (9), a oposição reforçou a preocupação com o pacote fiscal que o governo Bolsonaro condicionou à liberação do benefício.

O texto tramita como Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186, a “PEC Emergencial”, e traz um arsenal de novas regras fiscais. Os parlamentares analisaram destaques apresentados por deputados com o objetivo de alterar trechos da PEC. 

Para estados, municípios e Distrito Federal, o relatório aprovado prevê que, ao se ultrapassar a marca de 95% das despesas correntes da máquina, os órgãos locais coloquem em vigor as medidas de ajuste. A regra é uma espécie de gatilho para a contenção dos gastos.

Atingindo esse patamar, o ente federado deverá impedir qualquer tipo de aumento de remuneração ou benefício, incluindo progressões e promoções de carreira, criação de cargos, realização de concursos e contratação de servidores e militares. No caso deste último ponto, a exceção será a contratação de temporários.

O estado ou município em questão também deverá proibir qualquer nova despesa, subsídio, refinanciamento de dívidas ou aumento de despesa acima da inflação. Se burlar essas regras, o governo local não terá direito a garantias ou crédito da União, entre outras coisas. 

O petista Henrique Fontana (PT-RS) realçou que a PEC tende a desidratar a estrutura dos serviços públicos, como é o caso da rede pública de saúde, hoje excessivamente demandada por conta da crise sanitária e do descontrole da pandemia.

A bancada do PT vinha defendendo a continuidade do auxílio de R$ 600, valor pago ano passado, mas sem o novo pacote fiscal. 

 “Essa emenda quer congelar os investimentos públicos em áreas vitais para o país e onde ele não pode ser congelado. Se for aprovada, faltarão mais respiradores, mais estradas, mais vagas nas universidades”. 

A PEC também projeta que os entes federados podem acionar o gatilho de contenção quando as despesas correntes superarem 85% das receitas correntes.

A medida pode se dar por decisão direta do Poder Executivo local, entrando em vigor imediatamente e tendo validade de 180 dias.

A decisão deve ser submetida ao crivo do Legislativo após a formalização do ato pelo gestor público. Tecnicamente, a regra é uma autorização constitucional para esse tipo de ajuste.   

O texto cria ainda uma norma mais rígida para acionar o Teto de Gastos, ajuste fiscal hoje em vigor no país: a União deverá aplicar as mesmas regras citadas anteriormente para estados e municípios se, na época de formulação da Lei Orçamentária Anual (LOA), a despesa obrigatória do Estado ultrapassar 95% da despesa total.

Ele também determina que o Executivo envie ao Congresso, em até seis meses após a aprovação da medida, um plano gradual de redução de incentivos fiscais no país, com a estipulação de metas a serem cumpridas.

O texto ainda libera medidas relacionadas a novas privatizações e impede reajuste do salário mínimo acima da inflação.

“Uma das políticas mais importantes que o ex-presidente Lula aplicou foi o programa de valorização do salário mínimo, com ganhos reais, acima da inflação, pra melhorar o poder de consumo, o bem-estar da população e gerar crescimento econômico. Esta emenda é um descalabro”, criticou Henrique Fontana. 

Já a deputada Luiza Erundina (PSOL-SP) criticou o congelamento de salários do funcionalismo e classificou a medida de Bolsonaro como “PEC da morte”. 

“É a ‘PEC da morte’ porque sacrifica os servidores públicos e quem tem menos renda neste país. O servidor público é uma condição para o bom funcionamento do Estado brasileiro, do Estado democrático na condição de juiz, de árbitro do bem comum no país”.

O tema também tem provocado reações e mobilizações de diferentes sindicatos e categorias profissionais pelo país. Em manifestação feita nesta terça, o relator da PEC na Câmara, Daniel Freitas (PSL-SC), disse que, apesar dos protestos, não irá retirar o congelamento de salários do parecer. “Meu relatório leva ao plenário exatamente o texto que recebemos do Senado”, afirmou. 

O auxílio emergencial

Tecnicamente falando, o texto do governo abre uma exceção nas rígidas regras fiscais que hoje vigoram no país para viabilizar o auxílio emergencial.

A ideia é liberar despesas de R$ 44 bilhões para as parcelas que serão destinadas aos trabalhadores. O valor está abaixo do montante previsto em 2020, quando o benefício resultou em um investimento de mais de R$ 320 bilhões entre maio e dezembro.

Desta vez, ainda não se sabe ao certo os valores, a quantidade de fatias nem o número de beneficiados, detalhes que serão apontados somente após a promulgação da PEC e por meio de uma medida provisória.

Mas o certo é que, diante da redução orçamentária, uma fatia bem menor da população será atendida, ponto que tem gerado muitas críticas ao governo.

A previsão é de que sejam quatro parcelas com valor médio de R$ 250, destinadas a cerca de 40 milhões de pessoas. Em 2020, foram 68 milhões de beneficiários. 


Ansiosamente aguardado pela população mais vulnerável do país, auxílio emergencial ainda não tem data para saque da primeira parcela / Divulgação

A política vem sendo demandada por diferentes setores desde a virada do ano, quando se encerrou o ciclo da primeira rodada do benefício.

Apesar da pressão multilateral, a gestão Bolsonaro vem adiando a resolução da questão e decidiu inserir o auxílio no jogo político do Congresso como uma espécie de contrapartida à aprovação de novos ajustes fiscais. 

A barganha é uma tática para tentar emplacar o conteúdo do texto original da PEC 186, que foi protocolada pelo governo em 2019 e começou a tramitar no Senado, mas não avançou por conta dos seus efeitos fiscais, especialmente para as áreas de saúde e educação.

A primeira versão previa o fim do piso constitucional de gastos com esses dois setores, o que fez com que as bases populares nos estados pressionassem os parlamentares a não aprovarem a medida.

Após intensas costuras, a PEC acabou desidratando parcialmente no Senado, com a exclusão desse trecho, mas ainda recebe duras críticas na Câmara, onde enfrenta uma espécie de segundo round da disputa, já que a Casa obrigatoriamente precisa aprovar a proposta para que ela possa valer.

 

Edição: Leandro Melito