Coluna

Tudo é chocante, absurdo e previsível, mas temos que reagir

Imagem de perfil do Colunistaesd
Mais de duas mil mortes por dia de covid-19, muitas delas evitáveis se não tivéssemos um governo federal genocida - Amazônia Real / Fotos Públicas
Diante do caos social, no entanto, os pedidos de impeachment não avançam

Nesses dias em que o Brasil bate recordes de mortes por covid-19, eu tenho tentado buscar minha pulsão de vida nos encontros remotos. As aulas na universidade seguem a todo vapor. Se por um lado, é difícil lecionar cursos que foram elaborados para serem presenciais, por outro, é revigorante estar na sala de aula, mesmo que virtualmente e que a maior parte da interação aconteça via chat. (E é uma loucura fazer uma determinada explanação sobre um conteúdo e tentar acompanhar as reações simultâneas no chat em turmas lotadas).

Nesta última semana, em uma das aulas em que tratava sobre a modernidade, li uma frase de Rousseau citada por Marshall Berman em Tudo que é sólido desmancha no ar: “Tudo é absurdo, mas nada é chocante, porque todos se acostumaram a tudo”. Caiu como uma luva para o momento que vivemos.

Mais de duas mil mortes por dia de covid-19, muitas delas evitáveis se não tivéssemos um governo federal genocida, que indica tratamento precoce comprovadamente ineficiente enquanto nega a ciência, que não apoia medidas de distanciamento social e que faz corpo mole para garantir a vacinação da população. O mais óbvio seria colocar na berlinda o Ministro da Saúde o presidente da República, questioná-los de maneira eficaz. Ainda mais quando o mandatário dá sinais evidentes de que é perverso, ao dizer que chorar os mortos é “mimimi”. Sua interdição é medida de saúde pública.

Diante do caos social, no entanto, os pedidos de impeachment não avançam. Pelo contrário: o que caminhou foi a retirada de direitos dos trabalhadores, em um conluio ultraliberal entre aqueles que se dizem da direita democrática no Legislativo e os fascistas que estão no comando do Executivo.

A aprovação da PEC 186 é um absurdo. O amigo Gustavo Noronha, economista, resumiu bem o drama: nos contaram que teriam que congelar o salário dos médicos, professores, policiais etc. por 15 anos para que fosse possível um auxílio emergencial de quatro meses. Na verdade, diz Gustavo, essa é uma ficção sem base na realidade econômica. O plano deles sempre foi desestruturar o Estado e atacar o trabalhador.

Assim, sua aceitação pelo Congresso Nacional e pela sociedade em geral não é chocante. Já perdemos a reforma trabalhista e a reforma da Previdência. A própria eleição de Jair Bolsonaro (sem partido) foi uma derrota imensurável. Este é mais um passo em sua agenda, prometida, negociada e devidamente entregue ao mercado. Era previsível.

Mas, por mais que ele tenha também dito que mataria uns 30 mil, não podemos nos acostumar ao seu cumprimento de promessas de campanha. Nos acostumarmos com a política de morte é a maior tragédia porque perdemos nosso impulso para reagir. Seja como for possível diante dessa tragédia pandêmica, temos que reagir. É mandatório. É urgente. É imprescindível. Encontrar saídas por meio de alianças é urgente não para 2022 - sim, que bom que temos esse horizonte de volta -, mas para ontem. É literalmente uma questão de vida ou morte.

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Chagas