Caribe

Pedido de demissão do primeiro-ministro haitiano aprofunda crise no governo de Moïse

O primeiro ministro Joseph Jouthe pediu demissão do cargo; há semanas, milhares protestam pela renúncia do presidente

Tradução: Roxana Baspineiro

ARG Medios | Porto Príncipe (Haiti) |
A carta de demissão do Primeiro Ministro haitiano Joseph Jouthe (no centro) agrava a situação no país caribenho, que vem passando por semanas de intensos protestos - Lautaro Rivara

O primeiro-ministro do Haiti, Joseph Jouthe, pediu demissão na última quarta-feira (10) perante o presidente Jovenel Moïse, que ocupa ilegitimamente o cargo desde 7 de fevereiro. Esta informação foi confirmada por fontes de dentro do governo aos jornais Alterpresse e Le Nouvelliste, que relataram que a carta de demissão teria sido apresentada, porém não recebeu uma resposta favorável e não tem data para ocorrer. Nenhuma fonte oficial se pronunciou sobre o assunto ainda.

Jouthe, membro do partido governista PHTK (Partido Haitiano Tèt Kale), foi designado pelo próprio Moïse como responsável do governo, em 2 de março de 2020. Dois meses antes, o Executivo havia decretado a dissolução do Parlamento, já que os mandatos dos senadores e de dois terços dos deputados do país haviam expirado sem que o governo organizasse as eleições legislativas previstas pela Constituição para renovar as bancadas.

De fato, segundo a Carta Magna do país, o primeiro-ministro deveria ter sido ratificado em suas funções pelo Poder Legislativo, o que nunca aconteceu. Moïse fechou assim um ciclo de dois anos de instabilidade no cargo, uma vez que, em meio aos protestos contra o aumento de combustível em julho de 2018, o então primeiro-ministro Jack Guy Lafontant renunciou.

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A notícia do pedido de demissão de Jouthe poderia aprofundar a crise política dentro do governo: do fechamento do Parlamento em janeiro de 2020 à recente intervenção do Tribunal de Cassação e outros tribunais de Justiça, soma-se a expiração do mandato constitucional de Moïse em 7 de fevereiro, e também parecem se juntar às clivagens internas em sua própria formação política.

O conflito que envolve o primeiro-ministro eclodiu na última quarta-feira (10) durante uma sessão do Conselho de Ministros, que debatia as medidas a serem tomadas para combater a onda de sequestros e assassinatos que assola o país – pelo menos 100 pessoas já foram sequestradas somente este ano –, além da situação de insegurança generalizada.

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Especula-se que a disputa entre os ministros poderia estar relacionada à recente prisão de Lissner Mathieu, um traficante de drogas haitiano-americano, e Peterson Benjamin, líder de uma das quadrilhas envolvidas em sequestros na capital Porto Príncipe. Ambos foram transferidos em 5 de março para os Estados Unidos após terem sido capturados pela Polícia Nacional haitiana.

Mathieu, conhecido como Ti-Nwa, foi encontrado com várias cédulas de identidade, incluindo um cartão oficial do Palácio Nacional, de modo que ele teria tido total liberdade para acessar os escritórios dos funcionários do governo e os do próprio presidente. No caso de Benjamin, ele seria um membro hierárquico das quadrilhas que controlam a cidade de Village de Dieu, de acordo com um porta-voz da Polícia Nacional.

Segundo o jornal Miami Herald, estas detenções poderiam ajudar a esclarecer os vínculos entre o governo de Moïse e o crime organizado. Organizações como a Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (RNDDH) e a Fundação Je Klere, assim como diferentes setores da sociedade civil, acusam Moïse de conluio com quadrilhas armadas, particularmente aquelas federadas por Jimmy Cherizier, um ex-policial. Segundo essas entidades, os sequestros e a realização de vários massacres estão diretamente ligados à tentativa do governo de desmobilizar os protestos antigoverno que vêm ocorrendo ininterruptamente há três anos.

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A situação política irregular no país caribenho também chegou ao Congresso dos Estados Unidos na última quarta-feira (10). O secretário de Estado Antony Blinken respondeu às "preocupações" sobre certas ações "autoritárias e antidemocráticas" do governo Moïse, marcadas pela "governança irregular por decreto". Ele afirmou, entretanto, que os Estados Unidos "garantirão" que as próximas eleições "sejam verdadeiramente livres e justas", ainda que elas não tenham data para ocorrer.

Edição: Vivian Fernandes