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No Ceará, 219 médicos declaram apoio a Bolsonaro, e 958 respondem: "Projeto de morte"

Núcleo cearense da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia reagiu imediatamente

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Desde o último dia 10, o Brasil é o epicentro global da covid-19, ultrapassando os Estados Unidos - Hospital de Clínicas de Porto Alegre HCPA / Divulgação

O núcleo cearense da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD) reagiu imediatamente ao manifesto assinado por 219 profissionais de saúde do estado em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na última segunda-feira (15).

Em resposta, no dia seguinte, a Associação lançou uma carta que já reúne quatro vezes mais assinaturas e critica a postura do governo federal durante a pandemia de covid-19.

"O governo federal boicota, desde o início, as medidas de combate à pandemia. (...) Chega de projeto de morte!", diz o texto. Até o fechamento desta matéria, a resposta havia sido assinada por 958 médicos críticos a Bolsonaro.

Desde o último dia 10, o Brasil é o epicentro global da covid-19, ultrapassando os Estados Unidos na média semanal de mortes pela doença.

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Vice-reitor bolsonarista assinou

O texto em defesa de Bolsonaro, lançado na última segunda (15), é intitulado “Manifesto dos médicos cearenses em prol do Brasil”. Trata-se de uma lista virtual, que foi removida do Facebook na última terça, mas ainda pode ser acessada neste link.

Um dos nomes que aparece como signatário é o do vice-reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC), o médico José Glauco Lobo Filho. A chapa que foi nomeada para a reitoria da universidade recebeu menos de 5% dos votos, mas foi escolhida pelo Ministério da Educação após declarar apoio a Bolsonaro, em 2019.

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O manifesto diz que o presidente “literalmente, derramou o próprio sangue pelo Brasil”, e “apesar de todo o seu empenho e dedicação, vem sofrendo perseguições incessantes.”

No entanto, o texto defende o uso de máscaras e apoia a campanha de vacinação, mas cita o "atendimento precoce", sem citar nenhum remédio específico.

Não existe tratamento precoce para a covid-19. Medicamentos difundidos por Bolsonaro e sua família, como hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina, não têm eficácia comprovada e podem causar reações adversas. 

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Parte dos médicos cearenses signatários do manifesto participaram de um protesto contra os profissionais cubanos que atuaram no Brasil, por meio do programa Mais Médicos, em 2013.

Os estrangeiros foram hostilizados no aeroporto, em uma ação organizada pelo Sindicato dos Médicos do Ceará, que foi chamada de "xenófoba" pelo Ministério da Saúde à época.

Resposta imediata

Confira na íntegra o “Manifesto dos Médicos Cearenses em Defesa da Vida, da Ciência, do SUS”:

"O Brasil se tornou o epicentro da pandemia de Covid-19, com a morte de mais de 278 mil pessoas. Mais de 2 mil óbitos por dia! Sentimento de luto também por colegas que estavam na linha de frente, expondo suas vidas para salvar vidas, num compromisso de humanidade.
 

Sem uma grande mudança no plano nacional, essa situação, já inaceitável, seguirá infelizmente piorando. O Governo Federal boicota, desde o início, as medidas de combate à pandemia.

Poderíamos até dizer que por incompetência, mas não: é justamente esse o projeto.

Nossos corpos, os corpos dos colegas médicos e de tantos outros profissionais de saúde, estão na linha de frente, com exaustão e dor. Nunca tivemos tantos colegas adoecendo e falecendo.

Enquanto isso, são inúmeras as declarações do presidente Bolsonaro em desrespeito aos profissionais de saúde, às vítimas da Covid-19 e aos seus familiares. De "não sou coveiro" à ordem para "invadir e filmar hospitais". De "deixem de mimimi" até a lamentação pela aprovação da vacina.

Em vez de vacinação, falam de ivermectina e cloroquina. Em vez de incentivar a prevenção e de salvar vidas, fazem chantagem com a falsa dicotomia "vida ou trabalho", promovem carreatas ilegais e "fake news". Falta respeito à saúde pública e a cada cidadão.

Como médicas e médicos, reivindicamos e reafirmamos:

1. Precisamos urgentemente de uma saída humanitária para essa grave crise! É fundamental garantir que a maior parte da população seja vacinada de forma rápida para impedir nova onda de casos. É necessário o isolamento social, para diminuir as mortes enquanto a vacina não chega a mais gente. É vital o auxílio emergencial em valor condizente com a dignidade;
2. Não podemos nos calar diante do projeto que prioriza a morte. Repúdio é o nosso sentimento pelo governo Bolsonaro;
3. Diante das pesquisas científicas e por princípio ético, nos recusamos a utilizar tratamentos e medicamentos sem comprovação científica de eficácia. Repudiando a insistência nesse caminho, defendemos as condutas corretas, que salvam vidas, com base na ciência;
4. Apoiamos a iniciativa dos governadores e prefeitos em ampliar a rede de assistência à saúde, em tomar as medidas de proteção coletiva e, inclusive, em adquirir vacinas eles mesmos, diante da absoluta lentidão do Governo Federal em tomar essas medidas;
5. Exigimos a responsabilização de Bolsonaro e de seu governo, que não tiveram seriedade contra a pandemia, permitindo que o País chegasse à atual situação, motivo de vergonha, lamento, preocupação, para nós e para o mundo.

Basta! Chega de desrespeito à vida! Chega de projeto de morte! Nós, abaixo assinados, médicas e médicos do Ceará, reivindicamos a defesa da vida, da ciência, do SUS."

Edição: Poliana Dallabrida