Articulações

Há espaço para barrar retrocessos, dizem senadores da oposição sobre disputas na Casa

Apesar de parlamentares pró-agenda liberal presidirem 7 de 13 comissões do Senado, oposição mantém otimismo

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (C), e novo presidente da Câmara, Arthur Lira (dir.), foram eleitos com apoio de Bolsonaro, após liberação de R$ 3 bi em emendas parlamentares - Sérgio Lima/AFP

Apesar da composição da maioria das presidências das comissões do Senado Federal seguir a tendência de avanço das pautas econômicas do governo, ainda há espaço para articulações capazes de barrar os retrocessos para o campo progressista. Essa é a avaliação de senadores da oposição ouvidos pelo Brasil de Fato.

Das 13 comissões permanentes, 7 serão presididas por parlamentares que apresentam histórico favorável a projetos da agenda liberal.

A oposição garantiu a liderança de três comissões permanentes – Comissão do Meio Ambiente, Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa e Comissão de Agricultura e Reforma Agrária. Outras cinco serão presididas por senadores considerados independentes.

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Para o senador Humberto Costa (PT-PE), eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), é possível explorar as divergências em favor da oposição.

“Tem gente que concorda com a política econômica do Bolsonaro, mas têm restrições a uma série de outras coisas”, pontua. Mesmo assim, o parlamentar avalia que, em geral, o governo consegue emplacar mais vitórias do que derrotas.

Caso Fundeb

Um exemplo do potencial de construir articulações para derrotar o governo em matérias de grande importância foi a vitória no caso do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), em janeiro de 2020.

A primeira versão do texto foi aprovada na Câmara dos Deputados com influência da base bolsonarista.

Os governistas haviam incluído emendas que destinavam 10% dos recursos do Fundeb para instituições filantrópicas e para a educação profissionalizante – incluindo entidades do Sistema S – , o que poderia retirar R$ 15,9 bilhões da educação pública, segundo uma estimativa da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca).

Os trechos acabaram sendo retirados durante a tramitação no Senado, que enviou à Câmara uma nova versão sem as emendas propostas pela ala governista. O novo texto, então, foi aprovado por 470 votos a 15 e sancionado sem vetos por Bolsonaro.

Articulação com "independentes"

“O Senado tem sido menos governista que a Câmara”, avalia Costa. “Sobretudo, se analisarmos os temas centrais, as medidas provisórias e as pautas que nós enfrentamos e conseguimos fazer alterações, derrubando matérias que vieram da Câmara, como Emendas Constitucionais”.

Para o senador, negociar com os parlamentares que não se alinham automaticamente às pautas do governo e apresentam algum nível de independência é uma das saídas da oposição. “Quando a gente consegue mobilizar os 40% [independentes], o governo não consegue ter os 60% que precisa e o derrotamos, como no caso de Emendas Constitucionais”.

Para Rogério Carvalho (PT-SE), líder da bancada do PT no Senado, os presidentes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) são exemplos de parlamentares não alinhados automaticamente às pautas do governo federal.

"Quem assumiu a CCJ e a CAE tem uma posição de maior independência. Principalmente o Otto Alencar na CAE, que tem uma perspectiva crítica ao governo”, pontua.

Em agosto de 2020, o senador Otto Alencar (PSD-BA) declarou que rejeita o alinhamento automático ao governo federal e o “voto de cabresto”. O partido do senador Alencar, o PSD, está listado entre as siglas que compõe o chamado centrão.

A avaliação de Randolfe Rodrigues (REDE-AP) sobre a composição das comissões e as possibilidades para a oposição no próximo biênio também é otimista.

No entanto, diferentemente de Rogério Carvalho (PT-SE), o parlamentar da REDE aponta a CCJ, dirigida pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), como um exemplo de uma comissão importante presidida por uma liderança afinada com o presidente Jair Bolsonaro.

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"Mesmo assim, eu acredito que há um espaço maior para a oposição no Senado”, avalia o parlamentar. “A recente constituição da liderança da oposição [cargo criado para facilitar a interlocução entre as oposições] foi feita exatamente para ter um equilíbrio de forças”.

O senador também expressa otimismo em relação à presidência do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), recém-eleito com apoio do Planalto e de dez partido, incluindo PT, PDT e REDE. “Ele se assemelha mais ao perfil de Rodrigo Maia.”

A REDE conseguiu uma vice-presidência na CDH, ocupada pelo senador Fabiano Contarato (REDE-ES).

Comissões presididas pela oposição

Para os parlamentares entrevistados pelo Brasil de Fato, a oposição no Senado conseguiu ser bem representada na Mesa Diretora, nas lideranças e nas Comissões Permanentes.

No caso do PT, duas comissões estratégicas para fazer oposição ao governo são presididas por membros do partido: as comissões de Direitos Humanos e a de Meio Ambiente.

A Comissão de Meio Ambiente é presidida por Jaques Wagner (PT/BA) e vice-presidida por Confúcio Moura (MDB/RO).

Sobre as suas expectativas na CMA, Wagner declarou ao Brasil de Fato que trabalha para que: “seja um espaço de diálogo, de superação de falsas dicotomias, de possibilidade de desbravarmos a área de tecnologia e descobrirmos, cada vez mais, a chamada economia verde.”

A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) é presidida por Humberto Costa do (PT-PE). O cargo de vice é ocupado por Fabiano Contarato (REDE-ES).

O senador Humberto Costa contou ao Brasil de Fato que, enquanto presidente da CDH, pretende acompanhar as mudanças que a ministra Damares Alves realiza no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

“Ela está afastando pessoas que tenham qualquer vinculação com essa temática, botando militares e gente que não tem nenhum compromisso.”

O senador também manifestou estar especialmente preocupado com o tema do armamento da população. “Na nossa avaliação é que Bolsonaro está realmente preparando uma milícia para estar ao seu lado”, avalia o parlamentar.

“As comissões de Direitos Humanos e Meio Ambiente têm potencial enorme de puxar debates de interesse da agenda internacional que mexem com interesses econômicos", avalia Rogério Carvalho (PT-SE). 

Outra comissão gerida por uma legenda da oposição é a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), presidida pelo senador Acir Gurgacz (PDT/RO). A vice-presidência não está definida ainda.

Apesar de ser uma comissão considerada sob o controle da oposição, pelo fato de o senador ser filiado ao PDT, o perfil ruralista de Gurgacz converge com os interesses do agronegócio que segue na base governista em sua maioria.

Edição: Poliana Dallabrida