Paraná

AMEAÇA FASCISTA

As digitais do golpe e as mãos sujas de sangue

Bolsonaro quer assegurar que terá caminho livre para controlar a justiça, a mídia, as universidades

Ponta Grossa (PR) |
Regis Clemente: "Muitos foram os sinais de alerta, mas valia tudo para impedir uma suposta ameaça comunista, acabar com a corrupção e defender a família tradicional brasileira" - Giorgia Prates

Em minha terra natal, lá nas Minas Gerais, tem um ditado popular que diz que “tem pessoas que dão o tapa e escondem a mão”. Pois bem. O Brasil, desde a reeleição da presidenta Dilma Rousseff, em 2014, mergulhou numa aventura golpista.

A burguesia nacional, representada no governo de Dilma, queria mais espaço para ampliar seus interesses e garantir o aumento dos seus lucros, já vultuosos, e nunca ameaçados por nenhum dos presidentes petistas. E, para isso, derrubar uma presidente legitimamente eleita era uma missão inadiável.

Em todo esse contexto pré e pós-golpe de 2016, estavam presentes os grandes empresários, parte dos partidos políticos e seus representantes, latifundiários, setores da grande mídia, setores do poder judiciário, parte dos militares, a classe média (pasmem), grupos religiosos, enfim, liberais, neoliberais, as forças de direita, de extrema direita e até mesmo alguns ditos progressistas, juntos, num grande “acordo nacional”.

Diante desses acontecimentos, muito se falava sobre os rumos de um golpe com o avanço da direita e da extrema direita e dos movimentos nazi-fascistas no Brasil e no mundo. Sob o argumento de salvar o Brasil de uma ameaça que nunca existiu e de uma crise política estrategicamente orquestrada, chocaram o ovo da serpente.

Muitos foram os sinais de alerta, mas valia tudo para impedir uma suposta ameaça comunista, acabar com a corrupção e defender a família tradicional brasileira. Ideias exaustivamente exploradas por aqueles que, conscientemente, utilizavam os meios de comunicação, os espaços políticos e religiosos para disseminar mentiras e reforçar fantasmas.

Nas eleições de 2018, a serpente atendeu a invocação com sucesso e entregou os ovos eclodidos. O pleito eleitoral já apontava os rumos sombrios que se avizinhavam. Bolsonaro se elegeu. O repertório de justificativas dos votos de uma parcela da população brasileira se concentrava e extirpar a esquerda, os comunistas, a corrupção e resgatar os tais valores da família e do cidadão de bem.

Passados quase 30 meses do governo Bolsonaro, já tivemos inúmeras demonstrações de sua sanha golpista. No cenário atual, o desejo de Bolsonaro é um golpe para por fim à democracia, já golpeada em 2016 e que hoje está agonizando. Bolsonaro quer sufocá-la e se assegurar que terá caminho livre para controlar a justiça, a mídia, as universidades, o congresso, a polícia e as forças armadas, assim como caminho livre para reprimir aqueles que ousarem enfrentá-lo.

Somado à escalada autoritária, Bolsonaro já tem em seu porão, mais de 300 mil mortes que poderiam ter sido evitadas, não fosse o constante negacionismo, as fake news, a negativa em comprar vacinas e o deboche perante as vítimas e todo o povo brasileiro.

Recentemente, com o colapso sanitário que atinge todo o país, alguns dos fiadores da chegada de Bolsonaro ao poder começaram a anunciar sua despedida. Ocorre, no entanto, que os mesmos que agora dizem abandonar Bolsonaro, lhe deram e lhe dão sustentação quando se trata de aprovar leis e medidas econômicas que retiram e por vezes destroem direitos dos trabalhadores, quando se trata de privatizar as empresas públicas, quando envolve ataques aos servidores públicos, e até mesmo ao corte de orçamento destinado aos serviços públicos como educação e saúde.

Esses setores agem em mão dupla. Sustentam um projeto de ditadura prestes a ser colocado em prática. No entanto, tentam justificar o apoio às pautas do governo Bolsonaro, como se existissem dois governos e fosse possível defender a cabeça e ser contra o restante do corpo.

Nessa semana veio á tona, uma nova investida de Bolsonaro rumo à ditadura. A crise foi tamanha que militares integrantes do seu governo foram demitidos, comandantes das forças armadas pediram demissão e os demais chefes dos poderes legislativos e judiciário assistem ao vivo, as mãos no gatilho para oficialização da chamada ruptura institucional.

Bolsonaro passou 30 anos de sua vida como parlamentar, construindo porões. Desde 2018, ganhou apoio nessa construção. Há setores empenhados na ampliação do porão, há outros que tem as chaves do porão nas mãos. Há os que atuam como carcereiros, os que cuidam da manutenção dos espaços, abrindo, dia sim, dia não, pequenas fendas para ventilação, e outros que se encarregam de acender e apagar as luzes.

Os porões já começaram a ser utilizados. Algumas pessoas, nos últimos dias presas, enquadrados na Lei de Segurança Nacional -um mofo da ditadura, que ainda assombra esse país- por estenderem faixas em memória das vítimas da pandemia e por chamarem o presidente de genocida.

Nesses porões se ouvem gritos ecoando de um passado recente. Gritos de dor daqueles que já estiveram lá e deram sua vida, seu sangue, sua coragem em defesa da democracia no país. Gritos de indignação por esse país permitir, mais uma vez, que o cheiro de mofo da ditadura volte a tomar conta dessa nação. Gritos de denúncia para que a lata de lixo da história não seja definitivamente aberta. Todos os que participaram ou ainda participam de alguma forma do governo Bolsonaro tem sangue nas mãos, e, além de artífices são partícipes da execução desse projeto.

Essa semana Bolsonaro e os defensores dos porões da ditadura estão em êxtase com as comemorações do golpe militar de 1964, conclamadas pelo general do Ministério da Defesa. Comemoração de um golpe que se prolongou por 21 anos, matou centenas de brasileiros, perseguiu, prendeu e torturou outros milhares e desapareceu com outros tantos corpos daqueles que ousaram lutar pela democracia.

Os porões que Bolsonaro quer conduzir o Brasil, tem as marcas de sangue de milhares de brasileiros que sempre lutaram por democracia e por transformação social, pelo direito ao pão, à paz e à liberdade. Esse sangue está também nas mãos de todos aqueles que ainda se omitem perante à escalada autoritária e insistem em não pautar um dos vários processos de impeachment, encalhados no Congresso.

Esses setores omissos ou cúmplices estão com o dedo no gatilho, com o fuzil carregado, mirando na democracia e no futuro do Brasil. Se for disparado, terão as suas digitais registradas e não haverá mais condições de esconderem as mãos sujas de sangue.

Esse texto foi escrito em 31 de março de 2021. Ditadura nunca mais. Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça.

Edição: Pedro Carrano