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Lula a Reinaldo Azevedo: "Nunca perdi a honradez que aprendi com minha mãe"

“Tenho sempre a mão de Deus ou da minha mãe guiando meus passos. Não acumulo ódio dentro de mim”, disse Lula

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Lula repetiu o que já disse em muitas outras entrevistas. “Eu tinha consciência que o objetivo da Lava Jato era encontrar um pretexto para colocar Lula na cadeia" - Ricardo Stuckert / Fotos Públicas

Durante cerca de uma hora e meia, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu, nesta quinta-feira (1º), entrevista a um de seus principais detratores na mídia comercial, o jornalista Reinaldo Azevedo. À frente do O é da Coisa, na BandNews, Azevedo iniciou o programa fazendo um mea culpa que se repetiu em outras situações. Ao som de músicas de Chico César, o jornalista reconheceu ter errado ao ser contra a política de cotas para negros nas universidades. Um dos legados dos governos petistas.

Azevedo mudou sua postura em relação a Lula e ao Partido dos Trabalhadores após ler o processo da Lava Jato e não encontrar ali nenhuma prova que justificasse a condenação de Lula. A ação judicial, hoje reconhecidamente parcial e eivada de erros, foi uma das responsáveis pela derrocada da economia do país e pelo fim dos governos petistas.

“Eu considero e outros consideram: uma farsa judicial”, afirmou o jornalista. “Desde o primeiro momento, quando percebi os arroubos autoritários da Lava Jato pergunto: onde é que está a prova? Mantenho meu desafio. Quero saber, mandem as páginas onde estão as provas contra o Lula”, disse, antes de perguntar como foi, para Lula, ter sido uma das pessoas mais influentes do mundo e acordar na cadeia?

“Não vim me matar”

Lula repetiu o que já disse em muitas outras entrevistas. “Eu tinha consciência que o objetivo da Lava Jato era encontrar um pretexto para colocar Lula na cadeia. Falei para o Moro que eles estavam condenados a me condenar porque tinham ido longe demais. Eu estava no sindicato e tinha muitas decisões para tomar. Tinha gente que queria que eu fosse a uma embaixada, saísse do Brasil. Tomei a decisão que tomei porque já tenho bisneto, não queria ser chamado de fugitivo”, lembrou o ex-presidente.

“Tomei a decisão de ir para a Polícia Federal porque queria provar lá dentro que eles eram mentirosos. Tenho sempre a mão de Deus ou da minha mãe guiando meus passos. Sou um homem que não acumula ódio dentro de mim. Tenho desafiado o mundo a mostrar uma prova de acusação contra mim”, afirmou.

“Cheguei lá, conversei com o delegado, arrumei minha cama. Queriam que eu tirasse o cinto, o cadarço do sapato. Eu disse: não vim aqui pra me matar, vim pra provar que eles (o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol) são mentirosos. Vou dormir mais tranquilo que Moro vai dormir. Deitei e dormi. Sou bom de cama.”

Lava Jato saiu da minha vida

Azevedo riu: “essa frase pode deixar muitas fãs alvoroçadas”. E insistiu se o ex-presidente em nenhum momento teve vergonha por ter sido submetido ao esse constrangimento mesmo que injusto.

“Te digo que em nenhum momento baixei minha cabeça para as infâmias. Sabia o que estava acontecendo. Não perdi em nenhum momento a honradez que aprendi com minha mãe. Tinha certeza da mentira”, afirmou Lula. “Essa gente acredita que a Terra é plana. Eu acredito que é redonda e o mundo gira. Estou muito contente que a Lava Jato saiu da minha vida. Estou esperando isso desde 2016”, ressaltou Lula, lembrando que a motivação de tudo era retirá-lo das eleições de 2018, que resultaram no governo Jair Bolsonaro.

Lula sugeriu a Reinaldo Azevedo convidar o diretor técnico do Dieese ou o presidente da CUT para falarem sobre os estragos promovidos pela Lava Jato no Brasil. “Deram prejuízos de R$ 172 bi que deixaram de ser investidos, R$ 47 bi de impostos que deixaram de ser recolhidos, R$ 20 bi sobre a folha de pagamento, R$ 85 bi de massa salarial. Quatro milhões e 400 mil trabalhadores perderam emprego”, cobrou Lula.

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“Que fique claro, ninguém está passando pano em corrupção”, afirmou Azevedo. “Empresas são flagradas em corrupção no mundo inteiro, mas aqui quebra a empresa e o país.”

Momentos difíceis

O jornalista Reinaldo Azevedo insistiu na tese do desânimo do ex-presidente nos 580 dias na cela em Curitiba. Lula lembrou dos piores momentos mesmo antes da sua prisão. “A morte da dona Marisa foi apressada por conta da pressão psicológica sobre ela e meus filhos”, disse, lembrando ainda da morte do neto Arthur e do irmão Vavá.

Azevedo relatou o preconceito de classe escancarado nas conversas entre os procuradores da Lava Jato, que zombavam de dona Marisa. “Insuportável ter pessoas que cuidam do Estado brasileiro e ter esse grau de rancor e preconceito de classe”, disse. “Eu vivo isso há muito tempo e tenho controle psicológico para não fazer disso uma raiva sistematizada. Sofri preconceito na pele a vida inteira. Pessoas tiraram foto dela (dona Marisa) na UTI, fazendo deboche”, relatou. Lula lembrou ainda que o “filho de Bolsonaro mais novo falou em notícia boa quando morreu o neto Arthur.

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O líder petista conta ter se preparado muito para não ficar desanimado enquanto esteve preso. “Tinha de passar energia para eles porque tinha uma coisa fantástica acontecendo do lado de fora na vigília (a Vigília Lula Livre, em Curitiba), enfrentando provocações, dormindo ao relento”, disse, falando da sua gratidão por essa solidariedade que o acompanhou pelos 580 dias em que permaneceu preso.

Petrobras

Azevedo questionou Lula sobre a “lambança” envolvendo a Petrobras. “O que tinha de errado? Por que aconteceu, como aconteceu? Não havia mecanismos de controle?”, perguntou o jornalista. “A Petrobras é um monstro”, disse Lula. “Na outra encarnação o presidente da Petrobras tem de ser eleito e escolher o presidente da República”, comparou. “A capacidade de investir da Petrobras é maior que do governo”, disse, falando sobre a alta qualificação dos diretores petistas indicados por ele para a empresa. José Sérgio Gabrielli foi eleito por vários anos o melhor dirigente de uma petroleira do mundo.

“Tinha o José Eduardo Dutra e o Estrela que achou o pré-sal. Nunca foram acusados de nada e se teve caiu por terra”, cravou, ressaltando que foram os diretores de carreira da empresa, como Renato Duque, Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco. “Se houve corrupção tem de apurar. Mas a Lava Jato premiou os ladrões. Eles ficaram com dinheiro”, acusou. “A Lava Jato tinha objetivo político, destruir partidos, desmoralizar o Congresso Nacional, a Suprema Corte. Moro foi tratado como se fosse Deus.”