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A aposta de Fidel e o fracasso do Brasil

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A Soberana 2 é apenas uma entre as cinco vacinas em desenvolvimento na ilha. Projeta-se a produção de 100 milhões de doses neste ano - Reprodução
Tudo isso aconteceu antes de Lula reaparecer em cena para escrachá-lo na TV como negacionista

O Brasil inteiro sabe que Jair Bolsonaro negou a pandemia. Até suas matilhas mais dementes admitem isso. Era “só uma gripezinha”. Depois negou o isolamento, as máscaras, os testes. Eram coisa de maricas. E negou a vacina. Que chamou de “vachina”, no caso da Coronavac, também apelidada “vacina do Dória”. Não serviria para segurar aquilo que um de seus cupinchas batizou de “comunavírus” e, além do mais, poderia transformar os supostos imunizados em jacarés.

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Tudo isso aconteceu antes de Lula reaparecer em cena para escrachá-lo na TV como negacionista da ciência. De pronto, passou a jurar que defende a vacinação desde criancinha. Porém, correndo atrás do prejuízo, chegou na xepa da feira e ficou sem as vacinas necessárias. Sem as doses que poderia ter comprado em 2020, o resultado é uma vacinação que se arrasta, permitindo ao vírus continuar circulando e aprimorando seu poder letal através de novas e mais ferozes mutações.

Após desprezar 70 milhões de doses da Pfizer que poderiam estar no Brasil em dezembro passado, fazer beicinho para a Coronavac e patinar na aceitação da Sputnik, o governo federal viu murchar seu cronograma deste mês. Dos 47,3 milhões de vacinas previstas chegarão 25,5 milhões.

Com este desenlace, mais a cifra medonha de 337 mil mortos no seu colo e a perspectiva de um segundo mandato cada vez mais avariada, o governo do negacionista agora cata vacinas pelo mundo.

Como a História gosta de ironias, enquanto Bolsonaro fracassa, surge uma novidade interessante. A Soberana 2 chegou à fase 3 de seus testes e poderá estar disponível ainda no primeiro semestre. A primeira vacina da América Latina, é um produto de Cuba. Desenvolvida pelo Instituto Finlay de Vacinas (IFV), mereceu reportagem em The Washington Post na semana passada.

“Contra todas as probabilidades, Cuba se tornaria uma potência do coronavírus” é seu título. Nela, conta-se que a Soberana 2 é apenas uma entre as cinco vacinas em desenvolvimento na ilha. Projeta-se a produção de 100 milhões de doses neste ano.

Tudo começou com Fidel Castro, um devorador dos textos da publicação científica New England Journal of Medicine, na década de 1980. Interessado na fabricação de interferon para combater um surto de dengue na ilha, ele “prometeu construir um rolo compressor de biotecnologia no Caribe”, começando modestamente com “seis pesquisadores em um minúsculo laboratório de Havana”.

Desde então, o IFV lançou vacinas contra meningite, difteria e leptospirose. Hoje, além da imunização contra a covid-19, desenvolve projetos de vacinas multivalentes contra as diversas meningites, mais drogas contra o cólera, a pneumonia e a febre tifóide.

A aposta cubana em educação e pesquisa resultou, reconhece o jornal estadunidense, "em um aparato biotecnológico surpreendentemente sofisticado para um pequeno país em desenvolvimento com, pelo menos, 31 empresas de investigação (científica) e 62 fábricas”. Produz oito das 11 vacinas que necessita que também exporta para 30 países.

Isto acontece sob o brutal bloqueio econômico dos EUA e seus aliados há seis décadas. Apesar das dificuldades – e vive um novo surto com mil casos diários -- Cuba tem se saído acima da média no combate ao coronavírus. Com pouco mais de 11 milhões de habitantes, registra 440 mortes desde o começo da pandemia. A população brasileira é 18 vezes maior do que a cubana, mas os óbitos no Brasil são 765 vezes os de Cuba.

Há um abismo óbvio também entre a qualificação dos governantes. Um que preza e aposta na ciência e outro que a nega. Um que enfrenta a nação mais poderosa do planeta e outro que se agacha perante ela. Um que planeja e outro que não tem plano algum.

Agora, quando o personagem que nos degrada quer achar vacinas, bem poderia ouvir uma resposta ríspida. Em meio a tanta desolação, nesta contagem infinita de perdas, a tristeza poderia dar lugar à raiva para dizer: “Vai pra Cuba, Bolsonaro!”


*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Durão Coelho