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A fome e o vírus não esperam: auxílio emergencial e vacina já!

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Segundo o IBGE, as famílias com menor renda tendem a gastar todo o seu rendimento em itens básicos como alimentação, medicamentos e transporte - Comunicação MTD
Quem consegue comprar alimentos, tem dificuldades para cozinhar

“No me asusta la amenaza, patrones de la miseria, la estrella de la esperanza continuará siendo nuestra". 

(Victor Jara, Vientos del Pueblo)

 

O ano de 2020 foi bastante duro para o povo brasileiro. A pandemia tirou milhares de vidas e adoeceu milhões de pessoas. Além disso, reforçou a perda de direitos da classe trabalhadora que já vinha ocorrendo desde o golpe de 2016. As consequências desse cenário foram a volta da fome e da inflação – de acordo com o IBGE, já são mais de 84 milhões de pessoas vivendo com insegurança alimentar, mas os dados são de 2016-2017. Com certeza estamos bem piores agora.

Infelizmente, 2021 ainda não trouxe ventos mais favoráveis. O agravamento da pandemia somado a uma vacinação insuficiente, sem auxílio emergencial de R$ 600 e com o aprofundamento das políticas neoliberais, levam nosso povo a um futuro de incertezas.

A inflação não para de subir e o IPCA aponta aumento de 5,2% em 2020. No entanto, para os mais pobres, com renda de um a cinco salários mínimos, foi de 6,22%. Se considerarmos só o período da pandemia, de março de 2020 a fevereiro de 2021, a alta chega a 6,75% para este grupo. Só o preço dos alimentos subiu 15% no país, quase três vezes a taxa oficial de inflação.

Quem consegue comprar alimentos, tem dificuldades para cozinhar. Em um ano, o preço médio do botijão de gás subiu mais de 18%, passando de R$ 69,94 para R$ 82,73 em março de 2021. Hoje, em alguns lugares, o botijão chega a ser vendido por inimagináveis R$ 113,00. Por conta disso, infelizmente, tem crescido o número de famílias que usam álcool e lenha (ou qualquer pedaço de madeira) para poder cozinhar.

E porque os pobres sofrem mais? Segundo o IBGE, as famílias com menor renda tendem a gastar todo o seu rendimento em itens básicos como alimentação, medicamentos e transporte. Quanto menor a renda da família, mais se gasta proporcionalmente com alimentação. Do outro lado da balança, famílias de maior renda gastam mais com serviços, como internet, educação, saúde, telefone, TV, passagem aérea e hospedagem. Em 2020, os alimentos subiram muito, já os serviços, em comparação, subiram pouco (1,73%).

É desesperador. Imagine uma família, vivendo o pior momento da pandemia, todos em casa desempregados, com pouco dinheiro no bolso, indo ao mercado e vendo preços 100% mais caros? Óleo de soja e arroz foram os que mais subiram, mas produtos do dia a dia como frutas, verduras e leite também ficaram muito caros. Carne virou item de luxo. Diante de um cenário tão difícil, o que podemos fazer?

A solidariedade é um dos caminhos. Desde o início da pandemia, inúmeras organizações se juntaram para organizar a luta contra a fome. O Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) compõe a Campanha Periferia Viva, que leva comida e esperança para milhares de famílias de todas as regiões do país. A alimentação de qualidade é um pilar para fortalecer o povo contra as pragas do vírus e da fome. Em muitos locais a união campo e cidade fez muita diferença, levando alimentos agroecológicos para matar a fome da periferia. Mesmo com a diminuição das doações, a Campanha permanece bem ativa, contribuindo para minimizar o sofrimento do povo brasileiro em meio à crise.

Muita gente se juntou nas comunidades para usar áreas ociosas na construção de hortas comunitárias e farmácias vivas, produzindo alimentos e remédios naturais em quantidade e qualidade para as famílias. Em Maceió - Alagoas, a Campanha contribui na organização de mutirões dos moradores da Lagoa Mundaú e seus agentes populares, onde já construíram seis farmácias vivas e uma horta comunitária, com mais de 50 tipos de ervas medicinais e diversos tipos de alimentos.

Também foram abertas inúmeras cozinhas comunitárias, que são responsáveis por receber, separar, limpar e cozinhar os alimentos doados e transformá-los em comida quentinha para aquecer o estômago e coração das pessoas. Na Comunidade Cristal, em Londrina – Paraná, o “sopão” é feito às segundas e quartas, produzindo 300 refeições semanais para atender 200 famílias. Segundo Raquel Mailan (MTD-PR), a cozinha comunitária atende uma parte da demanda concreta por comida, além de fortalecer a organização comunitária e o desenvolvimento da solidariedade ativa no território.

Em João Pessoa (Paraíba) nasceu o projeto “Alimentando com afeto”, em que militantes do MTD e MST, profissionais (nutricionista, culinaristas, entre outras) e grupos de mulheres das comunidades Thiago Nery, Bairro dos Novais, Raio da Morada, Costa do Sol e Sonho Verde se juntaram para preparar refeições de qualidade para o povo nos bairros. Para Bárbara Zen (MTD-PB), o projeto une solidariedade com geração de trabalho e renda para as mulheres e suas famílias.

Bancos populares de alimentos também foram implantados, organizando doações e distribuindo-as para as famílias que mais precisam. Dentro da Campanha “Mãos Solidárias”, o Banco Popular de Alimentos de Peixinhos (Olinda – Pernambuco) já atendeu mais de 1.700 famílias, unindo quem pode doar e quem precisa receber. Para Senhorinha (MTD-PE), uma das organizadoras da ação, é preciso “bater muita perna” para conhecer bem os problemas da comunidade: “Nós vamos batendo de porta em porta, conversando com as pessoas, fortalecendo os vínculos e a solidariedade dentro da própria comunidade”

No entanto, não há nada mais urgente nesse momento do que a volta integral do auxílio emergencial e a vacinação em massa dos trabalhadores. O “novo” auxílio emergencial proposto pelo governo genocida de Jair Bolsonaro não consegue pagar nem a cesta básica do mês. Esse auxílio minúsculo somado ao desemprego massivo, a falta de vacinas e a piora da pandemia são o fim da picada. O governo está empurrando o povo brasileiro para o precipício, colocando em grave risco a vida de milhões de pessoas, sobretudo as mais pobres. É o inferno na terra.

Por isso, temos que lutar com unhas e dentes pelo retorno do auxílio emergencial de R$ 600, que pode ser viabilizado por iniciativa do Presidente da República e aprovado pelo Congresso Nacional, e que seja pago a todos que precisam até o fim da pandemia, garantindo assim que as famílias possam suportar com relativa segurança as incertezas do vírus e da economia. O necessário isolamento nesse momento só pode vir com a garantia que as famílias não terão seus pratos vazios.

A vacinação em massa é outra medida fundamental para que enxerguemos uma luz no fim do túnel. Todos os trabalhadores devem ser vacinados, a começar pelas trabalhadoras domésticas e trabalhadores que estão mais expostos no transporte público, padarias, mercados, farmácias, comércio ambulante e demais lojas que permaneceram abertas por serem consideradas essenciais. E não podemos esquecer dos(as) trabalhadores/as da educação pública, serviço essencial que foi negligenciado por muitos governantes durante a pandemia. Vacinação para todos, com rapidez e segurança. Certamente, a retirada desse desgoverno, diretamente responsável pela perda de milhares de vidas, ajudaria muito. Não podemos ser coniventes com esse projeto de morte.

E também não podemos perder a esperança, mas não a esperança que faz ficarmos parados, aguardando o rumo dos acontecimentos. A esperança que precisamos vem do verbo “esperançar”. Com base nos ensinamentos do mestre Paulo Freire, que completaria 100 anos em 2021, Mário Sérgio Cortella diz: “… É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo…”. Esperançar é nossa ação diária na construção de um projeto popular para o Brasil.


*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Durão Coelho