Luto

No Dia Mundial da Saúde, Brasil não tem o que comemorar com 4.195 óbitos por covid

“Manifesto pela Vida” denuncia contribuição do modelo sistêmico do capitalismo para a crise sanitária atual

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Nesta conta, o posicionamento negacionista do presidente Jair Bolsonaro explicitamente tem grande peso - Evaristo Sá/AFP

Nesta quarta-feira (7), é celebrado o Dia Mundial da Saúde. Há pouco, no entanto, a se comemorar, especialmente no Brasil. Enquanto alguns países caminham na direção da diminuição de casos e óbitos por covid-19, e da imunização imunização em massa contra a doença, a cada dia que passa o Brasil ultrapassa recordes diários de mortes. Somente nesta terça-feira (6), foram registrados 4.195 óbitos em 24h, o maior número desde o início da pandemia, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

Na mesma linha, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 200 milhões de vacinas foram aplicadas pelo mundo. No entanto, 75% dessas aplicações se deram em somente 10 países. Em termos proporcionais, Gibraltar é o primeiro do ranking, seguido de Israel e das Ilhas Seychelles, no Oceano Índico. O Brasil ocupa o 72º lugar.

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Segundo o “Manifesto pela Vida”, publicado neste Dia Mundial da Saúde pela Jornada Internacional de Luta Anti-imperialista, a crise sanitária atual também tem a ver com uma crise sistêmica do modelo econômico capitalista e com a correlação de forças geopolíticas dos países que ocupam tal modelo.

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Em entrevista, Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres, movimento que integra a Jornada Internacional de Luta Anti-imperialista, há uma contribuição dos modelos capitalista e imperialista para a intensificação da crise sanitária em certas populações. “A crise é uma crise sistêmica e que foi intensificada com a pandemia. Não só revelou o grau de desigualdade, mas como, em função da desigualdade e das políticas neoliberais, muitas vidas estão sendo perdidas por não ter as condições necessárias para enfrentar esse momento”, afirma Faria.

Por políticas neoliberais, entende-se aquelas que valorizam, estabelecendo a grosso modo, o lucro em detrimento do bem estar da coletividade. Neste caso, o melhor exemplo é a mercantilização da Saúde e a posse de patentes de remédios e imunizantes por farmacêuticas e laboratórios, nas palavras de Faria. 

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Após se posicionar contra a quebra das patentes, Brasil se absteve nas últimas duas reuniões da OMC / Foto: Ishara S. Kodikara/AFP

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“Por isso, um elemento central é justamente a reivindicação de que países possam produzir a vacina e que haja a queda das patentes para gente garantir essa produção de vacinas em outra escala, em um custo menor e com soberania para os países”, exemplifica Faria, que também é psicóloga e coordenadora da SOF: Sempreviva Organização Feminista.

Para o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, o desrespeito, por exemplo ao consórcio Covax, criado pela OMS, pela Aliança para a Vacinação (Gavi) e pela Coalizão para Inovações em Preparação para Epidemias (Cepi), para garantir o acesso do imunizante a todos os países, revela um fracasso moral. “Mesmo falando a linguagem do acesso equitativo, alguns países e empresas continuam priorizando negócios bilaterais, contornando a Covax, elevando os preços e tentando saltar para a frente da fila. Isso está errado”, afirmou.

Dentro do Brasil, a mesma relação de desigualdade entre os países se repete na relação entre as classes dos mais ricos e dos mais pobres. Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostrou que há um rejuvenescimento da pandemia no Brasil hoje, com o aumento exorbitante de casos entre a população da faixa etária de 30 a 59 anos.

Em março, houve um aumento de casos de 565,08%, 626% e 525,93% entre as pessoas de 30 a 39 anos, 40 a 49 anos e 50 a 59 anos, respectivamente, com base nos dados dos primeiros meses de 2021 do Sistema de Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe) sobre as Síndromes Respiratórias Agudas Graves (SRGA). 

Tal população, segundo Raphael Guimarães, pesquisador do Observatório Covid-19 Fiocruz, é justamente por aqueles que precisam sair de casa para garantir a renda financeira, ou seja, pelas classes mais pobres. “Sem auxílio emergencial e que está procurando na rua oportunidade de emprego para a subsistência. E aí uma vez que elas estão se mobilizando mais no meio urbano, o que está acontecendo na verdade é que elas estão aglomerando em locais muito inapropriados, como é o caso do transporte público”, afirma Guimarães.

Outro dado que corrobora com tal tese apresentada por Nalu Faria e Raphael Guimarães é o formulado pelo epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Lotufo. Ainda em julho de 2020, o pesquisador realizou um estudo no qual revelou que a letalidade da covid-19 era já naquele momento 60% maior em bairros pobres do município de São Paulo em relação aos bairros ricos.

Nas palavras de Nalu Faria, trata-se de uma doença que chegou, em um primeiro momento, às classes médias altas. Mas na medida em que a pandemia chega nos mais pobres, começa a aumentar o nível de mortalidade, inclusive morrendo porque as pessoas têm outras condições de vida, de saúde, de atenção à saúde, de tempo para o diagnóstico.

“A gente tem dados que mostram essa diferença bastante significativa e também a gente vê que nos países onde os governos não enfrentaram minimamente essa lógica do mercado, fazendo lockdown, fechando as atividades, é onde proliferou com ainda mais peso a pandemia. E os países que tiveram outra postura, de precaução, conseguiram não deixar chegar no estado caótico como a gente vive no Brasil por exemplo”, afirma Faria.

Nesta conta, o posicionamento negacionista do presidente Jair Bolsonaro explicitamente tem grande peso, para a integrante da Marcha Mundial das Mulheres. “No caso do Bolsonaro, o que foi ficando evidente ao longo da pandemia é o caráter genocida desse governo. Não é só que ele não teve liderança, capacidade de coordenar e tomar iniciativa. Não quis tomar iniciativa. Não quis coordenar. E, ao contrário, atuou de uma forma que fez a pandemia proliferar, incentivando aglomeração, criticando governadores e prefeitos que estavam tentando fazer lockdown, desqualificando o uso das máscaras, indicando remédios como cloroquina e hidroxicloroquina, que não resolvem nada”. 

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Conforme o Conass, com os 4.195 óbitos registrados nesta terça-feira (4) o Brasil totalizou 336.947 mortes pela doença no país desde o início da pandemia. Também nesta terça, foram registrados 86.979 novos casos de covid-19 no último período, somando 13.100.580 infectados pelo vírus no país.

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Clique aqui para ler o Manifesto pela Vida na íntegra.

Edição: Vinícius Segalla