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Quem é Verónika Mendoza, candidata de 40 anos que desafia a direita no Peru

Natural de Cusco, psicóloga e antropóloga de esquerda pode se tornar a primeira presidenta eleita do país andino

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Verónika Mendoza é a principal representante de esquerda nas eleições peruanas - Reprodução

Cerca de 25 milhões de peruanos irão às urnas no próximo domingo (11) para uma das eleições mais imprevisíveis da história. Entre as cinco chapas com chances reais de vitória, duas são encabeçadas por mulheres: Keiko Fujimori (Fuerza Popular), filha do ex-ditador Alberto Fujimori, e Verónika Mendoza (Juntos por el Perú).

Se uma delas sair vitoriosa, o país terá, pela primeira vez na história, uma presidenta. Conforme a última pesquisa de intenção de votos do instituto Ipsos, encomendada pelo jornal El Comercio, as duas estão empatadas tecnicamente na liderança com outros três postulantes à Presidência.

As semelhanças entre as candidatas mulheres param por aí. Enquanto Fujimori reivindica parte do legado da ditadura (1990-2000) e aposta no aprofundamento das políticas neoliberais como resposta à crise, Mendoza propõe substituir a Constituição de 1993 e defende que o Estado tenha um papel mais preponderante na economia.

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Segundo analistas locais entrevistados pelo Brasil de Fato ao longo da campanha, é ela quem sintetiza em seu programa de governo o desejo de mudança no campo econômico – apesar da apatia e da indiferença crescente de parte da população em relação à política.

Embora outros candidatos, como o líder Yonhy Lescano (Acción Popular), também falem em maior investimento público e intervenção estatal na economia, o programa de Mendoza é mais explícito.

"Lescano tende a certa demagogia no manejo econômico. Ele fala em uma maior intervenção do Estado mais porque, me parece, isso soa bem junto a seu eleitorado. O caso de Verónika Medoza é diferente. Sua posição sobre o papel do Estado é mais programática", compara Arturo Maldonado, doutor em Ciência Política pela Universidade de Vanderbilt, nos EUA, e professor da Pontifícia Universidade Católica do Peru.

Trajetória

Filha do peruano Marcelino Mendoza Sanchez e da francesa Marie Frisch Gabrielle D'Adhemar, Verónika Fanny Mendoza Frisch nasceu e cresceu na província de Cusco, tem dupla nacionalidade e responde pelo apelido Vero.

A avô paterna, natural da comunidade andina de Andahuaylillas, era parteira e curandeira, e influenciou suas pesquisas sobre povos indígenas no Centro Peruano de Estudos Sociais.

Na terra natal da mãe, ela se formou em Psicologia, pela Universidade de Paris Diderot, e fez mestrado em Ciências Sociais na Universidade Sorbonne Nouvelle-Paris 3. De volta aos Andes, foi professora na Universidade Nacional do Altiplano-Puno e passou a militar no Partido Nacionalista Peruano.

Nessa organização, Vero foi coordenadora de comitês de apoio internacional, secretária de comunicação e de juventudes e porta-voz da comissão da mulher.

Aos 30 anos, a psicóloga disputou eleições pela primeira vez. Em abril de 2011, foi eleita deputada, tornando-se vice-presidente da comissão de património cultural e membro da comissão dos povos andino, amazônico e afro-peruanos, meio ambiente e ecologia.

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Ao final do mandato, Mendoza disputou as eleições presidenciais. Ficou em terceiro lugar, com 18,8% dos votos válidos. No ano seguinte, fundou e tornou-se presidenta do Movimiento Nuevo Perú, frente progressista que defende bandeiras como feminismo, socialismo democrático, desenvolvimentismo, ecologismo e antifujimorismo.

As diferenças desse movimento em relação a partidos de esquerda brasileiros como o PSOL e o PT são sutis. Uma das mais evidentes é o apoio irrestrito do movimento peruano à operação Lava Jato, que também abalou as estruturas da política peruana nos últimos cinco anos.

Outra diferença significativa é que, depois de elogiar por anos o chavismo na Venezuela, Mendoza assumiu durante a atual campanha um discurso crítico em relação ao governo Nicolás Maduro, o qual chamou de "ditadura" durante um debate. Mesmo assim, ela reconhece o sucessor de Hugo Chávez como presidente legítimo do país.

"Fake news"

Entre os obstáculos enfrentados pela chapa Juntos por el Perú, chama atenção a campanha de "fake news", ou notícias falsas, contra a candidata de esquerda.

“Isso tem uma explicação. É uma sequela traumática da época de perseguição aos opositores na ditadura de Fujimori”, relatou ao Brasil de Fato a peruana Soledad Requena, que vive em São Paulo (SP) e se tornou uma referência para os trabalhadores migrantes na cidade. “Muitos falam que não vão votar na Verónika porque ela seria 'terrorista', e aí temos que explicar que ela é democrata, que quer fazer uma nova Constituição.”

O rompimento do "tecido social" peruano ao longo dos anos 1990 torna a missão das candidaturas de esquerda ainda mais difícil que em países vizinhos, como Brasil, Argentina e Bolívia.

Maldonado avalia que a apatia dos peruanos em relação à política impede Mendoza – e qualquer outro candidato – de "decolar" nas pesquisas, tornando difícil prever qualquer resultado.


Peru vai às urnas no dia 11 de abril / Arte: Brasil de Fato

“Pensava que propostas como as de Verónika teriam maior eco junto à população, até porque ela não esteve envolvida em nenhum escândalo de corrupção. Entendia que a pandemia serviria para mostrar como o desinvestimento em saúde e educação, por exemplo, teve impactos negativos para o país nos últimos anos, e que é preciso mais intervenção do Estado”, admitiu o professor da Pontifícia Universidade Católica do Peru.

“Porém, as pesquisas mostram que, do ponto de vista do eleitor, essas propostas não soam tão atrativas como se imaginava. Talvez porque a população venha observando há anos a corrupção e a ineficiência do Estado, e considere que não há alternativa”, completou.

Ainda sobre as notícias falsas, a pesquisadora peruana Zoila Ponce de Leon, professora assistente do departamento de Política da Universidade Washington e Lee, nos EUA, ressalta que adversários tentam a todo tempo associar Mendoza a escândalos da Lava Jato durante o governo Ollanta Humala (2011-2016).

“Esse é um dos eixos da 'anticampanha' contra Verónika”, enfatizou a pesquisadora.

A psicóloga integrava a base de apoio do governo Humala até junho de 2012, quando renunciou ao Partido Nacionalista Peruano – sem mencionar a corrupção como motivo para deixar a legenda.

Humala é novamente candidato à Presidência em 2021, mas não figura entre os primeiros colocados.

Outras propostas 

Verónika Mendoza propõe frear o processo de privatizações e flexibilização das relações do trabalho que caracterizou a política econômica peruana nos últimos 30 anos. Ao mesmo tempo, tem um discurso contundente contra os abusos socioambientais cometidos por transnacionais mineradoras.

A candidata, que se autodefine como feminista e anti-imperialista, também defende a descriminalização do aborto, punições severas contra a discriminação à população LGBT e a instalação de centros de emergência para acolher mulheres em situação de violência doméstica.

Transformações estruturais no país, segundo a candidata, só poderão ser realizadas com a promulgação de uma nova Constituição, uma vez que a atual deixaria os governantes de "mãos atadas". Ela promete convocar um referendo para que a população decida pela convocação de uma assembleia constituinte, como ocorreu no Chile.

Sobre as medidas emergenciais de enfrentamento à pandemia, Mendoza defende vacinação universal e gratuita e propõe que o Estado assuma o controle da fabricação de oxigênio hospitalar. A candidata do Juntos por el Perú também pretende investir para aprimorar a conexão dos estudantes de escola pública à internet, porque considera arriscado o retorno às aulas presenciais.

O Peru registrou 1,6 milhão de infectados e 53.138 óbitos por covid-19 até o momento.

Edição: Vinícius Segalla