Precipitado

Governo do Rio Grande do Sul flexibiliza restrições de combate à pandemia

Para governador, situação ainda requer cuidados, mas não tão restritivos; especialistas consideram medida inadequada

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Em live, Eduardo Leite disse que o RS passou por momento crítico e apresenta melhora, o que permite reduzir restrições, mas inspira cuidados - Felipe Dalla Valle / Palácio Piratini

O governo do Rio Grande do Sul anunciou, na última sexta-feira (9), em live transmitida pelas redes sociais, uma maior flexibilização nas restrições no combate à pandemia. A partir desse sábado (10), o comércio não essencial foi liberado também nos finais de semana, seguindo protocolos. Entre outras medidas, também foi ampliado o horário de funcionamento de bares e restaurantes. Para especialistas, trata-se da reincidência do mesmo erro cometido no início de maio do ano passado.

O Rio Grande do Sul tem, até o momento, 886.149 pessoas infectadas e quase 22 mil vítimas fatais, e registra ocupação de 93,2% dos leitos de Unidade de Tratamento Intensivo. O estado seguirá em bandeira preta na próxima semana. Porém, com a cogestão em vigor, municípios podem adotar medidas restritivas equivalentes à bandeira vermelha.

O governador Eduardo Leite (PSDB) iniciou a live falando dos ataques e das fake news que vêm sendo produzidas contra ele. Disse que as pessoas têm liberdade para pensar diferente, mas não pode aceitar que se coloque em dúvida as intenções das medidas implementadas pelo governo para o enfrentamento da covid-19.

Sobre a flexibilização, Leite afirmou que tomou a decisão com base nos dados, nas evidências, em práticas que estão tomando outros países, nos estudos e pesquisas científicas, e que tudo foi debatido em um comitê de dados. “A gente busca analisar a condição sanitária, os riscos, a exposição, o momento como ele está no nosso estado, sempre com uma intenção e um propósito de salvar vidas, proteger a saúde e fazer isso com o menor impacto econômico possível”, pontuou.

Por diversas vezes, o governador fez analogia da situação do estado com um paciente em uma UTI. “O estado está em uma situação dramática. É como tirar o paciente da UTI e querer jogá-lo para voltar a vida normal. Isso não pode acontecer. O estado passou por um momento mais crítico, ele está tendo uma evolução dessas restrições, mas inspira muitos cuidados. Ainda é fundamental que se tenha muito cuidado, muita cautela e que se exija o cumprimento dos protocolos”, afirmou.

Entre os setores que passam por mudanças estão supermercados, restaurantes, bares, academias, templos religiosos, parques, comércio não essencial e sistema de transporte coletivo. Veja, no final da matéria, como fica cada segmento.

Situação do estado

Ao apresentar os dados da situação do estado, Leite destacou que os casos confirmados de covid-19 começaram a subir fortemente em 31 de janeiro e que a tendência de alta se manteve até a 27 fevereiro. Foi quando entraram em vigor as medidas mais restritivas, o fim da cogestão no modelo de Distanciamento Controlado, e a tendência começou a ser revertida.

O governador também abordou a queda de internação em leitos clínicos e de UTI no RS. Segundo dados do governo do estado, o total de pacientes confirmados e suspeitos em leitos clínicos atingiu o pico em 12 de março, com 6.229 internações. Quase um mês depois, em 7 de abril, havia 3.624 internados.

O total de pacientes confirmados e suspeitos em UTI alcançou o pico em 15 de março, com 110,3% de ocupação, e o maior número de internados em leitos de UTI foi registrado em 21 de março – 2.771 pessoas. Esse total vem apresentando leve redução, chegando a 2.431 internações em 7 de abril.

Os hospitais vêm observando, desde 15 de março, queda na ocupação de leitos de UTI Covid, decorrente do aumento no número de leitos (+236) e de uma lenta redução nos casos confirmados desde o dia 27 de março.

Leite frisou que o estado teve que passar por um tratamento mais duro ao longo do mês de março e que agora, conforme a melhora dos indicadores, está sendo feita o relaxamento das restrições. “É como um paciente que está tendo uma evolução, que a gente vai administrando a dose do medicamento de acordo com que a gente percebe da sua evolução, mas ele ainda está em tratamento. O que está se fazendo aqui nem de longe é dar alta, porque ainda temos uma situação muito crítica. Há um patamar muito alto de casos, mortes e internações”, sublinhou.

Ao falar sobre a importância da fiscalização, o governador destacou que não pode ser simplesmente uma volta ao normal, em que os restaurantes possam estar lotados, festas possam acontecer. “Nem de longe isso pode acontecer”, salientou.

Leite disse que será atualizado o sistema do Disque-Denúncia (181), que hoje recebe informes de crimes e irregularidades pelo telefone 181, e que passará a receber denúncias de infração aos protocolos contra covid. Nesse quesito, conclamou a população ajudar na fiscalização. “O vizinho que está fazendo festinha e aglomeração está desrespeitando você e colocando você e sua família em risco. Então, precisamos de cada gaúcho como fiscal, como agente de fiscalização, exigindo respeito e denunciando. Fiscalizem um aos outros”, sugeriu.

O governador reforçou também a necessidade de ampliação da estrutura de fiscalização, e citou que foram liberados R$ 4,4 milhões para os municípios ampliarem as equipes de fiscais. Comunicou que 400 prefeituras já formularam e submeteram ao gabinete de crise planos locais de apertar o rigor das vistorias.

RS segue em bandeira preta

Também foi confirmado que o estado seguirá em bandeira preta em razão da salvaguarda. “Enquanto não atingir 0,3 leitos livres para cada leito ocupado por paciente com covid-19 (atualmente está na casa de 0,1), o estado vai ficar em bandeira preta. É difícil traçar um prognóstico, mas estimamos que teremos algumas semanas nessa bandeira preta, ao longo do mês de abril, até que supere essa salvaguarda e aí, conseguindo observar fôlego no nosso sistema hospitalar, se possa migrar para retirada da salvaguarda. Daí o estado estará na bandeira vermelha, laranja, cada região de acordo com seus indicadores”, apontou.

Leite enfatizou mais uma vez que o estado está saindo da UTI, mas se a situação piorar pode haver necessidade de voltar a agir com mais cuidados. “Se nós não queremos ter o tratamento mais grave, das restrições maiores no estado, é fundamental que sejam observados os protocolos”, afirmou.

Para especialistas, flexibilização é inadequada

Na avaliação do médico e professor de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutor Alcides Miranda, trata-se da reincidência do mesmo erro cometido no início de maio do ano passado. De acordo com ele, a adoção de medidas restritivas parciais por parte do governo estadual naquela ocasião (meados de março a abril), como agora nas últimas semanas, embora tenha sido insuficiente para evitar uma proporção maior de óbitos, pôde impedir temporariamente o colapsamento sistêmico dos serviços assistenciais especializados.

“Em vez de aumentar o rigor das medidas, ou pelo menos mantê-las, de modo a consolidar a tendência de controle parcial, o governo estadual iniciou fases de ‘flexibilização’, possibilitando posteriores refluxo e novas fases de incremento intensivo de contágios, casos, complicações e, portanto, óbitos”, aponta.

Conforme observa Miranda, enquanto o governo federal opera com pendor necropolítico que decorre em negligência e omissões intencionais, o governo estadual do RS, assim como o governo municipal de Porto Alegre, opera numa lógica de tentar mediar interesses econômicos imediatos com medidas temporárias, insuficientes e parciais de salvaguardas epidemiológicas.

“Dito de outro modo, o governo estadual opera numa margem em que mortes evitáveis se tornam negociáveis, a depender de limites de indiferença ou ‘tolerância’ da chamada ‘opinião pública’”, ilustra.

Segundo o professor de Saúde Coletiva, os critérios, a logística e as medidas que o governo estadual utiliza para monitoramento e para justificar as suas iniciativas também são insuficientes (óbitos confirmados por covid, proporção de ocupação de leitos de UTI) para controlar minimamente a situação em perspectiva de médio e longo prazo. “Daí, ele opera somente em horizonte de curto prazo e, ainda assim, o seu discurso tende a soar como coerente, ponderado e compenetrado. Todavia, muitos óbitos que seriam evitáveis continuam ocorrendo”, expõe.

O infectologista e consultor da Sociedade Riograndense de Infectologia (SRGI), Ronaldo Hallal, concorda que o momento é “absolutamente inadequado” para ampliação de atividades econômicas e comerciais, incluindo os serviços não essenciais. “O cenário que estamos vivenciando é o do esgotamento da capacidade de atendimento em UTIs, isso afeta não só atendimento da covid-19, mas também outros agravos. Por exemplo, as diversas pessoas com indicação de cirurgias que estão sem poder realizá-las e outros agravos que seguiram surgindo e não podem ser tratados e que seguirão apresentando complicações”, aponta.

Hallal também acrescenta que o estado está vivendo um contexto de falta de medicamentos, principalmente de sedativos para as pessoas que precisam usar o respirador. Faltam também antibióticos, que são muito utilizados. Assim como há restrições de hemodiálise e de uso de equipamentos de apoio que estão direcionados para os pacientes com covid-19.

Taxa de transmissão segue alta

O infectologista reforça que ainda há no estado uma situação de alta taxa de transmissão comunitária. “O percentual de positividade do PCR continua muito alto. Ele chegou a 50%, mais ou menos, em março. E agora ele ainda está elevado, próximo a 40%. Para piorar este contexto temos a variante P1 circulando, e ela é mais transmissível. Não temos uma política de rastreamento de casos, nem de distribuição de máscaras adequadas”, sinaliza.

Assim como observado por Miranda, Hallal pontua que as decisões que estão sendo capitaneadas pelo governo estadual e especialmente pela prefeitura de Porto Alegre trarão mais morte e mais sofrimento. “Na Região Sul do país já está se invertendo o número de mortes em relação ao número de nascimentos. Há uma queda de expectativa de vida. Nessa condição certamente não haverá algum tipo de alívio do ponto de vista da economia. Sabemos também que não enfrentar a pandemia, com intensidade de isolamento e redução de mortes e internações, impossibilita que as pessoas retomem a economia. Além disso, já sabemos que o custo de internações em UTIs são muito elevados, maiores do que garantir essas medidas”, ressalta.

Por fim, observa o infectologista, em um momento de alta transmissibilidade do vírus e baixa capacidade do sistema de saúde, há grande risco de seguir aumentando as internações, mantendo o atual colapso social, e não somente um colapso de saúde. “Neste momento, o distanciamento controlado [do governo estadual] estaria em bandeira preta, e os municípios estão adotando protocolos de bandeira vermelha. Portanto, é o fracasso desse modelo, com total descrédito. Seria o momento de intensificar o isolamento, não restringir, provavelmente teremos um aumento de mortes e perdas econômicas, é o que estão sinalizando os nossos gestores”, finaliza.

Confira os novos protocolos por segmento

Supermercados, farmácias e serviços essenciais*:
• Todos os dias: pode receber clientes presencialmente sem restrições de horário, desde que com restrições de distanciamento.
*Decreto especificará as exceções com relação ao atendimento presencial.

Comércio não essencial
• Todos os dias: das 5h às 20h, pode receber clientes presencialmente, desde que com restrições de distanciamento. Das 20h às 5h, somente delivery.

Restaurantes, lanchonetes, bar, sorveteria etc.
(Somente para refeições. Proibido happy hour)
• De segunda a sexta-feira: das 5h às 22h, pode receber clientes presencialmente, com restrições. O ingresso no estabelecimento pode ser feito até as 22h e a saída deve ser feita até as 23h. Das 22h às 5h, somente delivery.
• Sábado, domingo e feriado: das 5h às 15h, pode receber clientes presencialmente, com restrições. O ingresso no estabelecimento pode ser feito até as 15h e a saída deve ser feita até as 16h. Das 15h às 20h, o atendimento pode ser feito por delivery e pegue e leve. Das 20h às 5h, somente delivery.

Academias e serviços religiosos
• Todos os dias: das 5h às 22h, pode receber frequentadores, com restrições de distanciamento. Das 22h às 5h, deverá permanecer fechado, sem atendimento presencial.
Demais serviços em geral com atividade permitida
• Todos os dias: das 5h às 20h, presencial restrito. Das 20h às 5h, sem atendimento presencial.

Novos protocolos específicos de bandeira vermelha
(limite da cogestão na bandeira preta)

Feira livre de comércio não essencial
▪ Passa a estar incluso e autorizado o comércio de produtos não essenciais (ex.: artesanato) em feiras livres, com distanciamento de três metros entre barracas, rígido controle de acesso e de fluxo de acesso às bancas
▪ Obrigatoriedade de cartazes com informações sobre a lotação máxima.

Restaurantes
▪ Lotação máxima de 25% lotação, exclusivamente para refeição (vedado happy hour).
Os clientes devem permanecer sentados, com distanciamento mínimo de dois metros entre as mesas, limite máximo de cinco pessoas por mesa.
▪ Permanece proibida a realização de música ao vivo e a vedação de som mecânico, sendo também obrigatória a colocação de lixeira nas saídas dos banheiros.

Parques temáticos, de aventura, jardins botânicos, zoológicos etc.
▪ Ficam autorizados com lotação máxima de 25%, exclusivamente para estabelecimentos em locais abertos com Selo Turismo Responsável.
▪ Fica obrigatório o uso contínuo e correto de máscara, o distanciamento nas filas e a higienização das mãos e das superfícies de toque.

Serviços de educação física (academias, piscinas etc., inclusive em clubes e condomínios)
▪ Fica permitido o uso exclusivo para atividade individual, para manutenção da saúde. Limite máximo de uma pessoa para 16m² de área. Obrigatoriedade de cartaz com número máximo de pessoas.
▪ Grupos de no máximo duas pessoas para cada profissional habilitado.
▪ Vedado compartilhamento de equipamentos simultaneamente (somente após higienização).

Esportes individuais ou em dupla, sem contato físico (ex.: quadras de tênis, inclusive em condomínios)
▪ Ficam autorizados os jogos de no máximo quatro pessoas, sem contato, sem público, com agendamento prévio e intervalo mínimo de 15 minutos entre os jogos para possibilitar higienização.
▪ Ficam vedadas as aglomerações ou confraternizações pré e pós-jogos.

Transporte fretado, metropolitano executivo/seletivo, intermunicipal e interestadual
▪ Lotação máxima de 75% assentos, com obrigatoriedade do uso contínuo e correto de máscara e da ventilação (janelas e/ou alçapão abertos)

Transporte coletivo municipal ou metropolitano comum
▪ Lotação máxima de 60% da capacidade do veículo, com obrigatoriedade do uso contínuo e correto de máscara e da ventilação (janelas e/ou alçapão abertos)

Novo protocolo de bandeira preta

Igrejas e serviços religiosos
▪ Limite máximo de 10% público ou 30 pessoas, o que for maior.


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Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira