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Filme retrata os últimos meses de Dilma no Palácio da Alvorada antes do golpe de 2016

"Alvorada", de Anna Muylaert e Lô Politi, mostra resistência e melancolia dos meses antecederam o impeachment

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"Eu não tenho medo de perder. Agora, isso não significa que não se lute", disse Dilma Rousseff às diretoras; documentário estreou no festival É Tudo Verdade - Divulgação/Assessoria

Em 12 de maio de 2016, a presidenta Dilma Rousseff foi afastada do cargo em razão da abertura do processo de impeachment, concluído três meses e meio depois, com o conhecido desfecho.

Nesse período de aproximadamente 100 dias, a ex-presidente ficou confinada no Palácio da Alvorada, o primeiro edifício inaugurado em Brasília, ainda em 1958, dois anos antes da transferência da capital federal.

Em Alvorada, documentário dirigido por Anna Muylaert e Lô Politi que estreia no festival É Tudo Verdade, o palácio é personagem, tanto quanto Dilma.

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“Um filme de emergência”, definem as diretoras, que narram em 80 minutos o clima de melancolia que antecede a queda da presidenta da República.

Uma radiografia simbólica, falsamente calma, da perda gradativa do poder. O filme teve sessão de lançamento na última terça-feira (13) à noite e terá outra exibição às 15h desta quarta (14). A estreia em circuito comercial (cinema e streaming) está prevista para maio.

Dragões e emas

A turbulência do processo de impeachment contrasta com a aparente calmaria da residência oficial da Presidência da República. Silêncio, corredores vazios, preocupação com a cor da água da piscina, funcionários cuidando do dia a dia do palácio, regando os jardins, os Dragões da Independência em seu ritual de hasteamento da bandeira, troca de guarda, telefonemas, muitas reuniões, a montagem da defesa, idas e vindas entre o subsolo e o primeiro andar, emas andando pelo gramado.

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Como uma ema vive 30 anos ou até mais em cativeiro, uma delas pode ser a que fugiu do atual mandatário – cuja voz se escuta no início, em momento de triste lembrança histórica.

Enquanto isso, os poucos assessores próximos – Marly Ponce Branco, Giles Azevedo, Sandra Brandão, Olimpio Cruz, entre outros – respondem pela agenda e compromissos da presidenta afastada. Seu defensor, o ex-ministro José Eduardo Cardozo, chega de bicicleta.

Dilma recebe visitas oficiais, como de integrantes do Tribunal Penal Internacional e do Movimento das Mulheres. Tudo é filmado, ou nem tudo, conforme a presidenta adverte, no início: “Eu não sou personagem o tempo inteiro”.

Em pelo menos dois momentos do documentário, ela aparece pedindo para interromper a gravação, até enfaticamente, como durante a elaboração de uma carta à nação. As diretoras lembram que o objetivo era retratar não os “grandes gestos históricos”, mas os “pequenos gestos pessoais”.

Ilegítimo e traidor

Dilma aparece ainda andando pelos corredores pelo Alvorada, procurando alguém, ou em entrevistas com correspondentes estrangeiros. Conversa sobre história brasileira, sobre elites, sobre depressão (um amigo a chamou de “doente” porque ela não se deprime), conta que não tem “a menor paciência” para meditação.

Sempre que tem oportunidade, acrescenta o adjetivo “ilegítimo” ao governo em exercício, liderado pelo seu vice, Michel Temer. Uma pessoa que teve “atitude de traição”, afirma. Ele não aparece. Seu nome não é sequer citado.

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Apenas em 29 de agosto, Dilma deixa o palácio, para prestar longo depoimento no Senado, em sessão presidida pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas em nenhum momento a câmera sai do Alvorada.

Em todos os cômodos, funcionários e assessores assistem à transmissão pela TV. Pela tela, atentos, escutam o discurso: “Fizeram de tudo para impedir a minha posse e a estabilidade do meu governo. (…) Hoje, eu só temo a morte da democracia”.

Na ala residencial, em uma estante fica a icônica foto em que Dilma, então presa política da ditadura, aparece diante da Justiça Militar. Os “juízes” que escondem os rostos com as mãos são cortados da imagem.

A votação do impeachment, em 31 de agosto, na 133ª Sessão Extraordinária da Casa, é o clímax anticlímax. Por 61 votos a 20, os senadores aprovam o que já era mais do que esperado. Quando uma comissão chega ao palácio com a notificação oficial, é recebida pelo ex-ministro Jaques Wagner.

 Tenso, ele não concorda em levá-los até a presidenta para colher a assinatura presencialmente. Dilma ainda fará menção ao que chama de “imprensa facciosa” e alerta que o país, dali em diante, sofrerá as consequências do “mais radical liberalismo econômico”.

O diabo em várias formas

Uma última conversa das diretoras com a presidenta. Sobre literatura. Ela fala, sintomaticamente, a respeito de representações do demônio.

Cita José Saramago (O Evangelho segundo Jesus Cristo), Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas) e John Milton, poeta inglês do século 17, autor de Paraíso Perdido. “Eu não acredito no mal”, afirma uma serena Dilma. “Acho o diabo uma criação absolutamente intrigante”, completa.

Caixas são transportadas para um caminhão de mudança. Em 6 de setembro, véspera do Dia da Independência, Dilma sai do Alvorada. Despede-se dos funcionários. Do carro, ainda na garagem, acena. Na frente do palácio, desce para cumprimentar manifestantes. Uma mulher mostra-se inconformada. “Um monte de bandidos, um monte de ratos”, diz. Lá dentro, funcionárias da limpeza sentam na cadeira do poder e fazem selfies.