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Filme com Davi Kopenawa alerta sobre avanço do garimpo: "Floresta vale mais que ouro"

"A Última Floresta" tem direção de Luiz Bolognesi e roteiro escrito em parceria com o xamã Davi Kopenawa

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Davi Kopenawa, xamã e liderança indígena yanomami em cena do filme "A Última Floresta", dirigido por Luiz Bolognesi - Divulgação

Os sonhos, mitos e dia a dia dos yanomamis que vivem há mais de mil anos na Amazônia brasileira, são tema do filme A Última Floresta, dirigido pelo cineasta Luiz Bolognesi e escrito em parceria com o xamã Davi Kopenawa.

Liderança Yanomami, Kopenawa, conta que a motivação desse trabalho foi mostrar os conhecimentos ancestrais que ainda são vividos por esses povos e sua importância para a manutenção da vida na Amazônia.

 “Eu queria mostrar o valor da floresta. Para nós yanomamis a floresta vale mais que ouro, vale mais que a cidade. A cidade é bonita, mas não é como a floresta. Então nós pensamos em fazer o filme para mostrar isso. Mas também chamar a atenção para quem está destruindo a floresta, desmatando, destruindo, derrubando. A ideia é também chamar atenção para o povo da cidade”, contou em entrevista ao Brasil de Fato

A produção, que foi destaque no Festival de Berlim e no É Tudo Verdade, expande a concepção tradicional de documentário, ao misturar sonho, universo mágico e cotidiano, sem distinção de tratamento.

Segundo o diretor, essa foi uma demanda dos próprios indígenas, já que só assim seria possível retratar a complexidade da cosmologia e da vida yanomami.

“Eles sonham muito, como nós, só que para eles o sonho é real. É dado como real, eles lêem como acontecimentos reais. Então eu falei: 'Se meu documentário é com os yanomamis, nós temos que filmar isso, mostrar de dentro para fora, que esse universo mágico, está no dia a dia'".

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As gravações do filme foram realizadas na comunidade  Watoriki, localizada ao norte do país e ao sul da Venezuela. A região, apesar de isolada e legalmente demarcada, sofre com o avanço do garimpo ilegal, que aumentou exponencialmente depois da entrada do novo governo.

Uma das cenas do filme retrata a expulsão de garimpeiros pelos yanomamis pintados para a guerra e reafirmando a demarcação de suas terras.

“O garimpo hoje na terra yanomami cresceu. O número de garimpeiros é de cerca de 50 mil, ou mais. É muito. E como eles são muitos, estão subindo na cabeceira dos rios, fazendo muito buraco, sujando tudo", conta Kopenawa.

"É muito feio e muito ruim para nós. Quem mora lá nas comunidades não está gostando. Então fizemos esse filme para o povo da cidade pensar que yanomamis não aceitam garimpeiro na comunidade”.

Participação indígena

A produção do filme levou 5 semanas e contou com a participação integral dos próprios indígenas na elaboração e atuação das cenas.

“Eles atuaram como atores e atrizes, representando os próprios sonhos que tinham, dando vida aos sonhos e aos mitos e histórias fantásticas de criação do mundo yanomami. Eles mesmos interpretaram isso e nós construímos a maneira de interpretar a direção de arte, juntos. E eu os ouvia”, conta o diretor.

Cineasta experiente, Bolognesi já fez outros filmes sobre a temática indígena, como o Amazônia e o Ex-Pajé, mas afirma que o contato com os yanomamis e sua diferente percepção de tempo e coletividade foi motivo de transformação pessoal para ele e sua equipe.

“Eu saí de lá e voltei para cidade completamente mexido, com dificuldade de me reconectar com o modo de vida da cidade. E cada vez mais com a certeza de que a gente precisa aprender com eles", conta.

Segundo o diretor, num momento de colapso do sistema de produção capitalista, a ideia do filme é trazer um pouco da serenidade, dos saberes ancestrais e capacidade de luta que acompanham esses povos há centenas de anos.

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“Essa potência do tempo presente produz uma civilização com níveis baixos de ansiedade, pessoas que lidam com conflitos de uma maneira muito serena. Eles são muito serenos. E nos dá a impressão de que o potezinho de felicidade deles está sempre mais cheio que o nosso.” 

A estreia em cinemas e plataformas de streaming no Brasil está prevista para o segundo semestre de 2021. Depois, a ideia é que a produção seja exibida em aldeias indígenas, quilombos, assentamentos e acampamentos de todo o país.
 

Edição: Leandro Melito