Covid

Mais de 90 entidades da educação pedem que Senado vete retorno às aulas presenciais

Entre as reivindicações estão exames em massa, celeridade na vacinação e infraestrutura física para evitar contaminação

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Entidades acreditam que retorno pode comprometer medidas de distanciamento social - Secretaria Municipal de Educação de São Paulo

Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE) e entidades da educação reivindicam que o Senado vete o projeto que obriga a imediata volta às aulas presenciais em escolas e universidades.

Aprovado na Câmara no último dia 20, o Projeto de Lei (PL) 5.595/20 ignora o fato de o país viver diante de uma pandemia descontrolada, em que apenas 13% da população prioritária foi vacinada. Crianças, adolescentes e jovens não deverão ser vacinados tão cedo.

Para as entidades, o retorno de 60 milhões de estudantes e trabalhadores em educação às aulas presenciais pode comprometer, ainda mais, as já limitadas medidas de distanciamento social requeridas pelas autoridades sanitárias do Brasil e do mundo.

E que antes do retorno obrigatório às aulas presenciais, é preciso garantir condições sanitárias, exames de diagnóstico sistemáticos em massa, celeridade na vacinação da população, investimento na infraestrutura física e acesso universal aos recursos tecnológicos e de conexão digital de qualidade em todas as unidades educacionais.

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Por isso, além da rejeição do PL, reivindicam a discussão e aprovação de projetos de lei que propõem o retorno seguro às aulas. É o caso do PL 2949/2020.

Confira a íntegra da nota:

Nota Pública do Fórum Nacional Popular de Educação e Entidades da Educação sobre o PL 5.595/2020

A educação é um direito social fundamental para o desenvolvimento humano. Assim, retomar as aulas presenciais, em plena pandemia, é irresponsabilidade e atenta contra a vida e dignidade da pessoa humana! Entre os direitos sociais expressos no art. 6º da Constituição Federal (CF/1988), a educação aparece em primeiro lugar. Esta política primordial para formar os sujeitos em suas mais amplas perspectivas humanas, à luz de uma sociedade inclusiva, igualitária e de paz, conta com capítulo específico na Carta Magna, o que reforça seu caráter essencial.

Os direitos constitucionais, sobretudo nas dimensões fundamental (à vida e à liberdade), social (da coletividade), humanitária (que impede genocídios humanos, culturais e ambientais), democrática, entre outras, exigem sopesar as diferentes prioridades da sociedade em momentos de crise, como o atual, para melhor atender aos diversos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

A decisão da Câmara dos Deputados que aprovou o PL 5.595/20, forçando o retorno às aulas presenciais em instituições públicas e privadas de nível básico e superior, atenta contra princípios basilares da Constituição. Em especial ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III). Além disso, o projeto fere os princípios da autonomia universitária (art. 207 da CF/1988) e subverte o conceito de atividade essencial definido em legislações anteriores, plenamente vigentes, com destaque para as leis 7.783/89 e 13.979/20.

 

Segundo o parágrafo único do art. 11 da Lei 7.783/89, as necessidades inadiáveis, também ditas essenciais, “são aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”. Ora, no atual contexto da pandemia, são as aulas remotas que garantem as três condições de essencialidade da supracitada lei, podendo a presencialidade de quase 60 milhões de estudantes e trabalhadores em educação nas escolas e universidades comprometer, ainda mais, as já limitadas medidas de isolamento social requeridas pelas autoridades sanitárias do Brasil e do mundo para conter o coronavírus em nosso território.

A ausência de coordenação federal no enfrentamento da pandemia, com destaque para as medidas de isolamento social, de protocolos científicos sanitários e de vacinação – sendo notória a insuficiência de vacinas, inclusive para grupos prioritários, e sua distribuição desproporcional entre localidades de um mesmo estado da federação –, são fatores que comprometem políticas federativas homogêneas de largo alcance, a exemplo do retorno presencial às atividades educacionais. A falta de medicamentos essenciais, a compressão no sistema de saúde (manifestamente em UTIs), as altas taxas de infecção e mortalidade e a recorrente incapacidade do Estado em prover condições para superar a pandemia no curto e médio prazo reforçam a impertinência da proposta parlamentar aprovada pela Câmara dos Deputados.

Na tentativa de superar as contingências impostas pela União aos entes subnacionais e, consequentemente, à população brasileira – muitas delas alvos da CPI instalada nesta Casa –, o Supremo Tribunal Federal deu provimento à ADPF 672, reconhecendo e assegurando o exercício da competência concorrente dos Estados, Distrito Federal e Municípios, cada qual no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus respectivos territórios, para a adoção ou manutenção de medidas restritivas legalmente permitidas durante a pandemia, tais como, a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outras. E o PL 5.595/20 visa confrontar essa decisão do STF que concedeu protagonismo à autonomia federativa, cláusula pétrea da Constituição Federal, inclusive e expressamente, no que tange às atividades educacionais.

 

O negacionismo da doença (covid-19) e de medidas preventivas para sua contenção colocou o Brasil entre as nações com maior letalidade na pandemia. E para que a atual situação dramática não se acentue, as comunidades escolar e universitária sugerem aos senhores e senhoras senadores(as) a rejeição do PL 5.595/20, e trazer para discussão projeto voltados a implementação de políticas que garantam retorno seguro, financiamento para universalização das condições para o ensino remoto, buscando estabelecer aquilo que é essencial (e ainda omisso) nas orientações da União. O que o país precisa são de diretrizes científicas, mais investimentos e coordenação para enfrentar as condições epidemiológicas em cada território, estruturando as escolas com base nos métodos de testagem, rastreamento e isolamento social, buscando atender aos amplos requisitos sanitários que envolvem a garantia de equipamentos de proteção individual – EPIs nas escolas e nos lares da população.

O momento exige a escuta daqueles que estão na ponta dos processos de enfrentamento da pandemia, especialmente os especialistas em saúde pública e os gestores estaduais e municipais (Governadores, Prefeitos, Secretários de Educação, Saúde, Assistente Social, entre outros). Também precisam ser ouvidos os trabalhadores e as trabalhadoras em educação, estudantes e pais. Nos territórios onde as aulas presenciais retornaram têm se verificado a baixa adesão das famílias. E isso deve ser respeitado! Não se pode impor mais riscos desnecessários à população! A CPI da pandemia do coronavírus é um grave alerta contra o negacionismo dirigente de ações e de omissões do Poder Pública!

O PL 5.595/20 traz outro objetivo implícito que precisa ser desmistificado: a penalização sumária de trabalhadores/as que se opuserem às aulas presenciais sem as condições de segurança sanitária indispensáveis, no exercício de seu livre direito de organização e mobilização sindical. Trata-se de uma posição injusta, fundada numa falácia. Mesmo com mortes crescentes na categoria, em muitos lugares onde as aulas retornaram de forma presencial ou híbrida, professores e funcionários da educação têm cumprido suas obrigações, muitas vezes sem as condições previstas em protocolos sanitários e nas relações de trabalho. E é isso que precisa ser evitado! Antes de obrigar aulas presenciais é preciso garantir condições sanitárias, exames de diagnóstico sistemáticos em massa, celeridade na vacinação da população, investimento na infraestrutura física e acesso universal aos recursos tecnológicos e de conexão digital de qualidade em todas as unidades educacionais.