liberdade para juani

Artigo | Prisão de Juana Ruiz Sánchez pela ocupação israelense viola direitos humanos

Prisão sem acusações, como à que está sendo submetida Juani, a priva do direito de presunção de inocência

Tradução: Emma Siliprandi

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Palestina ocupada, onde o estado de Israel, sob um regime militar estrito, pratica um regime de exceção, apartheid e discriminação - Fotos Públicas

No último dia 13 de abril, Juana Ruiz Sánchez, cidadã espanhola e trabalhadora humanitária dos Comitês de Trabalho para a Saúde na Palestina foi presa por forças de ocupação israelenses. Até esta terça-feira (5) permanece detida sem acusações. Seu caso é um entre centenas em que o estado de Israel viola de forma sistemática os direitos humanos da população palestina.

Juani (Juana Ruiz Sánchez) vive, desde 1984, na Palestina ocupada, onde o estado de Israel, sob um regime militar estrito, pratica um regime de exceção, apartheid e discriminação, no qual a população palestina não tem direito a ter direitos.

Na madrugada de 13 de abril, cerca de vinte soldados do exército israelense, com um forte aparato armado, se apresentaram na casa da família de Juani para realizar a sua prisão - a forma traiçoeira e às escuras com que as forças de ocupação atuam faz parte da estratégia de terror que pretendem infundir à população civil palestina.

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A desproporção da sua atuação é a continuação de um processo desumano e degradante, que se prolonga indefinidamente no tempo. O Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (CEDAW) já denunciou que as operações policiais noturnas empregadas pelas forças de segurança israelenses afetam de maneira desproporcional a mulheres e meninas.

Juani foi enviada primeiramente a uma prisão, depois à penitenciária de Hasharón, na Palestina histórica, a 25km ao norte de Jerusalém, em uma seção específica para prisioneiras políticas palestinas, afastada e isolada de sua família. Posteriormente foi trasladada a outro centro de detenção, perto de Gaza.

Esta é uma prática também habitual: levar as pessoas para longe de sua família e fora dos territórios ocupados. Essa forma de atuação pode ser considerada um crime de guerra que viola diretamente os artigos 49 e 76 do Quarto Convênio de Genebra – que proíbe a potencia ocupante de deportar as pessoas protegidas, e especificamente as pessoas presas, do território ocupado.

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Também contradiz a Regra número 4 das Nações Unidas para o tratamento das mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras – conhecidas como Regras de Bangkok – que estabelece que as presas deverão ser enviadas a centros de reclusão perto de seus locais de moradia.

A prisão de Juani é arbitrária, tal como define o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, já que não foi razoável de acordo com as circunstâncias. Segundo a potência ocupante, sua prisão é supostamente legal. Porém, isso não implica que não seja arbitrária, já que não se observam os princípios de adequação, justiça, previsibilidade e devido processo legal. Portanto, esta detenção implica uma vulneração ao artigo 9 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que igualmente estabelece que ninguém poderá ser submetido à detenção ou prisão arbitrárias.

Tortura

O Relator Especial da ONU para tortura desenvolveu uma série de padrões e obrigações relacionadas com as garantias de custódia das pessoas presas. Algumas destas garantias básicas incluem, entre outras, o direito das pessoas presas de serem informadas sobre os seus direitos: o direito a receber sem demora assistência legal independente, assistência médica independente e a contatar seus parentes. Segundo o relatado no caso de Juani, muitas dessas garantias estão sendo violadas pela potência ocupante, já que não se avisou o consulado espanhol sobre sua prisão, ela não pode contatar seus familiares e nem sequer foi permitido que tivesse acesso a objetos pessoais.

Em relação às pessoas civis que vivem nos territórios ocupados, se aplicam um labirinto de leis e ordens militares. Algumas são ainda da época do Mandato Britânico e têm sido questionadas pelo Comitê Contra a Tortura das Nações Unidas. Determinadas características destas ordens supõem que, por exemplo, as pessoas presas sejam privadas de garantias básicas como o direito a impugnar as provas nas quais se baseia a sua prisão; e que possam permanecer de fato em regime de isolamento por um prazo prolongado, que pode ser renovado.

A prisão sem acusações, com o mero propósito de interrogatório, como à que está sendo submetida Juani, a priva do direito de presunção de inocência, e aumenta o risco de ser submetida a torturas. Além disso, supõe uma clara vulneração do artigo 9.2 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que estabelece o direito da pessoa presa a “ser informada, no momento da sua prisão, dos motivos da mesma, e a ser informada sem demora de qualquer acusação formulada contra ela”.

Os interrogatórios a que está sendo submetida Juani são realizados pelos agentes da Agência de Segurança Israelense (ASI), que gozam de máxima “flexibilidade” na sua realização, reduzindo-se as garantias legais ao mínimo absoluto. As denúncias de torturas e maus-tratos cometidos por esta agência são inúmeras, em particular durante os traslados e interrogatórios. A prorrogação dos interrogatórios imposta às pessoas presas, assim como os frequentes traslados, aumenta as possibilidades de sofrer torturas e supõe um aumento do seu sofrimento.

Processo legal comprometido

Juani é uma civil que está sendo submetida a tribunais militares ou Cortes Marciais. Os tribunais militares israelenses que estão decidindo sobre a prorrogação da sua detenção são uma ficção jurídica, onde os juízes são os próprios militares, que muitas vezes nem sequer têm formação jurídica específica. Os promotores são soldados israelenses em serviço regular ou na reserva, nomeados para o cargo por comandantes da zona. Esta realidade compromete a independência e imparcialidade que deve ser respeitada no devido processo legal.

A função principal do sistema de tribunais militares israelenses é processar os palestinos e palestinas presos pelo exército de Israel e acusados de “violação da segurança”. Estes e outros delitos são definidos por Israel e seus regulamentos militares. É importante notar que a jurisdição do sistema judiciário militar israelense nunca se aplica aos colonos israelenses que vivem na Cisjordânia, que, por sua vez, são regulados pelo direito civil israelense. Portanto, esses tribunais não garantem nem a Juani nem a ninguém que esteja na mesma situação que ela o direito a um julgamento justo e não cumprem com as normas internacionais que preservam o seu direito à igualdade diante da lei.

Em resumo, a situação a que as autoridades de ocupação israelenses estão submetendo a Juani, como a centenas de palestinos e palestinas que se encontram em situação semelhante, violam as leis e padrões internacionais de direitos humanos. O governo espanhol e a União Europeia não podem continuar olhando para o outro lado, como têm feito até agora, e devem comprometer-se em obter a imediata libertação da cidadã espanhola Juana Ruiz Sánchez.

Juani, queremos você livre!

 

*Alicia Alonso Merino é advogada e fundadora do "Observatorio para la defensa de los derechos y libertades (Oteando)

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

 

Edição: Vivian Virissimo